"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, junho 15, 2019

A DESTRUIÇÂO DE UMA PAISAGEM CULTURAL


Transcrevo da revista "Alentejo", nº 45, pp.24-25, este artigo de minha autoria:



Embora existam notícias menos negativas sobre a actualidade no Alentejo, optei uma vez mais por falar do que não está correcto e merece reprovação colectiva.

Algumas associações, cujo objectivo é a salvaguarda do património ambiental, têm apresentado publicamente libelos questionando a justeza e a legalidade de práticas intensivas, que afectam os humanos, os animais e a natureza.



Pergunto-me, face ao que leio, vejo e escuto, onde estão as autoridades os cidadãos, as colectividades, as autarquias, os abaixo assinados, as manifestações, as preocupações evidentes de todos e até os autores populares do Cante, para se insurgirem contra a agressão ao Alentejo, que sob o pretexto do desenvolvimento e do progresso, está a matar a identidade alentejana. Será que protestaram nas diversas cidades e foram silenciados pela comunicação social? Desconhecemos qual a atitude (perante estas más notícias) dos cidadãos e dos seus representantes locais e nacionais.



Há que falar nos pássaros que morrem aos milhares, sugados pelas máquinas que substituíram o varejo da azeitona nos olivais super-intensivos e da monstruosa invasão de herbicidas, pesticidas e fertilizantes, que afecta a terra e o indispensável equilíbrio ecológico, pondo em causa a saúde de todos os seres.

No DN de 20-2-2019, noticia-se que foi pedida a proibição da apanha nocturna de azeitonas, através de meios mecânicos, que sugam olivas matando milhares de aves migratórias, alojadas nas ramagens, para descansarem antes de atravessarem o mar, rumo a África.

É preciso que os alentejanos reajam a estas notícias tristes, que foram difundidas na rádio, nos telejornais, no “Jornal de Negócios”, no “Público”, no “Expresso”, etc.



Sabemos que o Cante é a representação de um tempo, que através das vozes e dos trajes revive a época em que os homens foram jovens trabalhadores.

Esta tradição reinventada tem contudo assimilado algumas modas, onde o desemprego e a ignorância arrogante dos senhores dos gabinetes em Lisboa, que do campo sabem nada integram o repertório. Porém, não chega denunciar os desmandos, mesmo se cantando frente aos principais representantes dos órgãos do poder, com os meios de comunicação social presentes. Os media transformam tudo em folclore e consumo, é sabido…



É preciso reinventar também uma intervenção mais eficaz que mostre a funesta situação que se vive e que sem esclarecimento ilude os incautos.

No Facebook já encontrei amigos que elogiavam o Alentejo verde, arborizado, sem perceberem bem os contornos nocivos do que estavam a elogiar, até porque estes novos meios de fazer agricultura, não dão trabalho aos muitos alentejanos que são obrigados a deixar o território.



Entretanto, o “Público” de 30 de Outubro de 2018 titulou “mais de um milhar de azinheiras [foram] arrancadas para dar lugar a olival intensivo.” A tenebrosa ocorrência decorreu entre Avis e Sousel e apesar de negada, fotografias do antes e depois provaram a devastação.

Constatou-se então que a dimensão deste atentado não foi detectada por “nenhuma autoridade nacional ligada ao Ambiente ou à Agricultura”, tendo uma associação entregue uma queixa pública.

Prejudicial às pessoas e ao próprio turismo, o que aconteceu configura destruição de uma paisagem cultural.

Quem está atento e se revolta com estes atentados?

O associativismo é que nos salva, afinal, de ficarmos completamente reféns de interesses tubarónicos para os quais o lucro, mesmo que para o atingir se corram terríveis riscos, como desequilibrar o ecossistema que nos protege de calamidades, pragas, infestações, doenças.

Até quando os olhos estarão fechados, pactuando por omissão, face ao alastramento desta tremenda contaminação de solos e almas?



Luís Filipe Maçarico

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