"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, março 25, 2018

Texto de Apresentação de "Vozes do Tempo", em 3 de Fevereiro de 2018 no Salão Paroquial de Alpedrinha, da autoria da Professora Maria Antonieta Garcia




Luís Maçarico
         Vozes do Tempo


Aceita-se que o homem sempre contou e cantou para encantar a vida. Por que razão não desistiram? Nem só de pão vive o homem… é frase bíblica. Faz tanta falta o imaginário, o sonho… E se o tempo é dado por Deus, de graça, de graça se constroem momentos de lazer, de ócio, de prazer… Criadores de todas as artes, contadores de histórias, cantores, ouvintes, leitores comem o pão do espírito de cada dia… Não era por acaso que Natália Correia clamava: “Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer… “. Luís Maçarico é assim? Quando lemos a sua obra, achamos que, na verdade, a poesia, no sentido de criação, pode salvar… (George Steiner).

Agradeço o convite a Luís Maçarico as Vozes do Tempo e a opção por esta terra beirã para apresentação da sua mais recente obra.

È bom saber que, para alguns, estas terras envelhecidas e despovoadas somam ainda fascínios. O sagrado do vento, das serras, das lendas… a mentalidade mágica habitam a serra da Gardunha, este chão de cultura camponesa. Paira, por aqui, uma ideia de pureza primordial que as montanhas e as gentes emprestam ao espaço. Pureza que predispõe para o devaneio (uma fuga para fora do real), que atrai criadores, aumenta o gosto de luz. E de luz falamos, quando temos em mãos os contos de Luís Maçarico.

A capa surpreende; uma fotografia clássica do autor, comemorativa de qualquer coisa… Era assim o cenário, do menino que ia ao fotógrafo: bem vestido, sentava-se ou encostava-se a uma cadeira… Seguem-se outras fotos, a ilustrar os contos, do mesmo menino que vai crescendo... Livro autobiográfico? E há algum texto (prosa ou poesia) que não reflita uma visão do mundo de um autor?

Leia-se a narrativa, “O meu primeiro dia de trabalho nas obras”. É um conto que surpreende. O leitor observa o título, faz o seu trabalho, desenha hipóteses, mas linha, a linha, a estranheza prende-o. Ouçam o excerto: Acordei diversas vezes durante a noite, e, quando a manhã nasceu, fresca e exuberante, saudei pinheiros, eucaliptos, o céu, o velho moinho, as ervas selvagens, as aves, a estrada, o Jamor, tudo!

Lugar estratégico de identificação do narrador de primeira pessoa é inesperado o ângulo de visão. O dia de trabalho e os espaços envolventes são saudados em toda a dimensão humana. O que espera o leitor? Crítica ao trabalho duro, com o cortejo habitual da denúncia da crueldade de uma sociedade sem leis de proteção. Descrição das condições sub-humanas. Acusação da exploração do homem pelo homem. A injustiça de haver homens que nunca foram meninos, na expressão de Soeiro Pereira Gomes… E nada disto acontece... O trabalho é desejado, louvado.

Escreve, assim, sobre o transporte de baldes carregados de massa: Foi um bom exercício e uma prova indesmentível da fome de trabalhar que dentro de mim havia, feita de outras fomes. Nem uma palavra sobre a aspereza do ofício, sobre o salário... Qualifica o dia como inesquecível. E também os “dias seguintes” merecem avaliação favorável. Porquê? Explica: sempre cheios de qualquer coisa nova e aliciante como o nome de uma ferramenta desconhecida…

E esta abordagem é nova. Há qualquer coisa de heroico e de onírico nesta descrição. O valor da palavra, a criação da linguagem permitem alargar a consciência do falar. Toda a tomada de consciência é um aumento de luz, um crescimento. Aqui, está semeado o sentimento de ternura, o elogio do trabalho, do sonho… partilhado com “a malta das obras”. Os contos não são feitos só com o que se sabe, com o que se vê. Necessitam de raízes mais profundas. E, este primeiro dia, nas obras, não seguiu os cânones destes relatos, não apagou, antes permitiu ver “a paisagem sempre diferente com nuvens ou sol, pombos e árvores, vento ou gente, papoilas e água, as histórias dos velhos da betoneira, com os calcanhares roídos (…) as iniciativas dos moços disputando o pedaço de sonho a que tinham direito, a cerveja e os petiscos ao fim da tarde nas tascas da freguesia, entre sorrisos e palavras germinadoras de esperança”. Numa observação atenta da complexidade da vida, são os sentimentos de fraternidade que sobressaem. O ângulo de visão do narrador privilegiou nesta narrativa, o companheirismo de vidas franciscanas.

Luís Maçarico oferece-nos depois a história das casas, dos espaços, igualmente narrada na primeira pessoa. Cito: “Quando passarem pelo lote quarenta e seis da Urbanização da Portela, saibam que, antes daquilo ser um prédio, eu andei lá com muitos outros homens, ajudando a semear as raízes dessas paredes altas e vigorosas; fui um dos que participaram no crescimento das estruturas, transformando os caboucos em asas. “Servente de carpinteiro”, mescla sonho e realidade… a linguagem que é pensamento a melhorarem/enriquecerem o quotidiano difícil. Trabalho diário até que uma porta de mudança se abriu: ingressar na Câmara. Lamenta o patrão: “é pena ir-se embora, porque precisamos de gente com a sua “gana”! Os serventes que aí trago são uma cambada de madraços!”

À vontade de aprender, juntou-se, confessa o narrador e protagonista, o medo de voltar ao desemprego. Frui-se a sua capacidade de desvendar a forma de não abandonar o espaço imaginário do criador, o devaneio, a sabedoria da magia da palavra.

A “Sessão Solene” é uma narrativa de outro cariz. Conta a história um narrador observador, de terceira pessoa. Analisa o contexto e pretexto criados pela atribuição dos primeiros Jogos Florais da coletividade de nome adocicado, inspirador: Sociedade Favo de Harmonia.

À boa maneira portuguesa, a sessão atrasa-se. O presidente fazia tempo… a ver se aparecia mais alguém. Que também havia bolos com creme… acrescentou.

Na abertura da sessão, esta personagem explicitará o objetivo do acontecimento: dar um contributo para a descoberta de novos valores, em prol da cultura nacional.

São chamados os premiados. O primeiro prémio, em poesia, é atribuído a Laurinda Gonçalves. O poema merecedor da distinção titula-se: “Mulher livre”. É deste teor:

Diz não ao arroz de manteiga.

Esturra o fricassé…

Ele que o faça!

Faz greve ao coito…

 - Não és bibelot!

Livre? Feminista tonta? Uma denúncia implacável, mesmo que involuntária, sobre o entendimento de lutas de género, alia-se à análise do trabalho de coletividades atuais e jogos florais. Uma ironia fina percorre todo o texto. Aplicando expressões com um sentido diferente do habitual, produz um um humor subtil. Com elegância, através do jogo de palavras a intenção não surge no imediato. Estimuladora do raciocínio,  a trama obriga à demanda de sentidos possíveis. O inusitado das frases provocam o riso ou o sorriso. O que não faz sentido e abre muitas interpretações, neste texto premiado? Por que razão dizer não ao arroz de manteiga, a esturrar o fricassé…? E o ridículo do “bravo” gritado por uma mulher? Não é, por certo, este texto e outros quejandos  que ajudarão a construir a igualdade de género.

Na sequência por Xavier Pinot  -  “Roubo e achamento da cavalo de pau do Miguelito” - é o sono que sobressai. A leitura com má dicção, lenta e em voz baixa provoca o desinteresse a quem ouve. A trama tem como protagonista uma senhora caridosa. Sabe-se pouco sobre a intriga da história. O narrador, inteligente, omita a informação. Dormiu que não valia a pena/não conseguia ouvir? Mas é suficiente o súbito desfecho de moral explícita: Cometi uma má ação. Perdoa-me Miguel. (…) Não te quero ver assim doente. Aqui está o teu cavalinho de pau. (…) Põe-te melhor e vamos brincar. Roubei-o porque sou pobrezinho.” Viragem canónica, melhoria de procedimentos e a crença de que ser pobrezinho é, em última análise, ser bom. Este “pobrezinho” é formatado por velhos contos de moral duvidosa. Rouba porque é pobre, mas a vitória é a da amizade. Tem sorte: é saudável. O menino rico é doente. Vale mais ser pobre? Qual a opção? Comove-se a esposa, com a moralidadezinha deste desenlace feliz, de acordo com os cânones de antanho. Ser saudável e ser rico não era tema para histórias. E a mudança do conto, com confissão do larápio, provoca um sorriso de descrédito…

Outra personagem presente na sessão é o insigne representante da Liga dos Escritores Populares. Discursa o “insigne” e a inadequação da adjetivação, que o leitor pressente, materializa-se. Era lá agora insigne?! Sem jeito, exigindo muitas palmas para se decidir, disse: “Então aí vai (mas desculpem a minha modéstia!): Viva as coletividades! Sem elas eu seria um órfão cultural… O público vibra e aplaude. O que disse para merecer aplauso? O rebuscado “órfão cultural” faz sorrir de novo…

Ainda faltava, nestes Jogos Florais, a confusão gerada porque duas candidatas, Dona Etelvina e Dona Ermelinda, que escolheram o mesmo pseudónimo: Juvelina 80. Qual delas vencera? O nome da peça: Sabes o que é o fluor e porque voam as joaninhas? permitiu a identificação da eleita e o “broche de filigrana e as felicitações” foram entregues a quem de direito. Desconhecemos as cenas do texto dramático do fluor e das joaninhas, que o narrador poupou, de novo, o leitor. Mas fluor com joaninhas deve ter a ver com remédio de “pedagogites” agudas que vacinam as crianças contra a leitura.

O prémio Reportagem coube a Dona Filomena. O narrador descreve traços físicoe e psicológicos breves, mas suficientes. Penteado no “coiffeur”, bolsinha cravejada de brilhantes com os óculos para ler. Ajuda os pobrezinhos. Doa uma “lágrima de níquel”, outra metáfora para sorrir, adiantando que pretende “tornar a sua miséria mais suportável”. Pai aleijado, dois irmãos… uma desgraça. Retorno á temática da pobreza. Salva-se o Beto “criança esperta já faz recados impecavelmente…”

“Uma ameaça de ataque cardíaco”, pela muita emoção, impede a autora de ler o texto na íntegra. O filho substitui-a. No final, mostra o Beto para afirmar que é uma história verdadeira. Era garoto, o Beto. Solta-se indisciplinado, um apontamento simbolicamente relevante. Resolve a questão o Presidente que o ameaça com o castigo de não comer bolos se não se portar bem…  

Esta linha crítica interessa como denúncia do “engano” de certas políticas culturais. O narrador ajuíza sobre a elaboração e o êxito dos textos. A ortodoxia de temáticas bolorentas, os concorrentes, a penúria cultural são marcas que merecem atenção e rejeição. Nesta narrativa – “Sessão solene” - não há um fecho semântico. As vidas são pequeninas. O interesse satisfaz-se com telenovelas. A partitura burlesca concluiu-se, mas deixa abertura para novos olhares e improvisações sobre cultura de massas, cultura popular, criatividade e ética.

“A Avó e os versos” apresenta igualmente uma reflexão sobre a escrita. Diferente. Escreve: Minha avó é que não percebia o valor dessa experiência e, quando me apanhava naquele clandestino labor, despejava tempestades de recriminações, por eu preferir os poemas à Matemática, porque isso dos versos não dá pão.

Refletindo: os livros são um benefício para a Humanidade que sofre? Comparados com a miséria extrema… que valor tem um livro, um manuscrito? Para o homem do povo, um par de botas vale mil vezes mais do que a coleção das obras completas de Shakespeare ou de Púchkin, diz Pisarev.

E todos entendemos. Contestatários dos livros, os seus inimigos, sempre existiram. Lançam-nos para a fogueira, os fundamentalistas. Certo é que continuamos presos aos textos. A ficção nascida do espírito do autor tem mistérios. Um jovem no quarto, um livro, às vezes, deixa-se hipnotizar: Passava montanhas de horas no quarto, lendo, relendo, escrevinhando, riscando… Momentos de evasão e liberdade, as palavras distraem, refletem revoltas e resignações, espelham temores e confiança, salvam.

E a avó mudou, quando um texto do neto foi publicado num jornaleco da escola. O medo cedeu lugar ao orgulho. No fundo, não desaparecera o receio, mas aparecia, agora noutro registo: ò rapaz, tu lê e escreve à tua vontade (…) Mas vê lá se não te esqueces de pegar no livro de Matemática!”

O território do eu é uma teia, um labirinto; uma tensão bipolar de afirmações/negações constrói o discurso. Os escritores refletem a respeito de si próprios e do outro, alargam o conhecimento quando, como explica Luís Maçarico, aos 18 anos comecei a ver em cada palavra uma ponte importante para chegar aos outros.



Três personagens são o fulcro da trama de três contos:

O barbeiro Augusto

A viagem na espessura dos dias da infância trouxe à memória o Barbeiro. Observação minuciosa, descrição física e psicológica da personagem e do corte de cabelo, das sensações… Até “ao dia em que a esposa me deu a entender que nunca mais poderia discutir com ele, as coisas comezinhas, intercaladas com os descalabros asmáticos, entre o ganir da bomba de ar e a dança do espanador”.

Personagem construída à imagem e semelhança de pessoas com comportamentos e sentimentos reais, vive situações e dilemas de todos conhecidos, envolve o leitor a quem dói também o desaparecimento do Barbeiro.

O velho e o tempo

O protagonista é um velho com tremuras na voz, sotaque beirão, pobre. Morador em Penamacor, chão beirão onde o progressivo despovoamento, o envelhecimento, a desistência, a atração da vida urbana, desgastaram formas de vida tradicionais. Ficaram os velhos. Sem desistir, este idoso quer semear e quer colher. Sabe: “quando isto acabar nunca mais cá volto”. Conta: “Sete ovos aguardam a poedeira. Nove nozes apodrecem, rodeadas de ossos… A quintarola, a vida a sumir-se, a desaparecer. Magoado (ou reivindicativo?), o camponês reclama: “Enterrei aqui vinte e tal contos de réis. Se ao menos me deixassem depois colhê-las!” Afinal, aquele espaço tão estável e durável sustentava a memória viva de uma longa referencialidade/afetividade: foi aqui...

A ruralidade era/é um horizonte de paz? O povo que habitava o campo cuidava-o em estreita comunhão com a natureza. Hoje, a aldeia quer ser como a cidade. Com a doença do consumismo e tudo… O melhor do Público no email

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Tinha de ser assim?

Manuel Losté tem como protagonista um algarvio velho. O mesmo tema. Num mundo que muda, diz que está “de abalada”. Reflete sobre caminhos que calcorreou, as dificuldades imensas que a família passou (…) o corpo franzino coroado por um chapéu de feltro velho como ele, senhor de uma experiência, que mais vale do que a herança, tem o valor dum pequeno, luminoso império. Valem aqui, a idade, o corrido e o lido, o saber de experiência feito…

Para o fim ficaram Pardieiros.

De novo, um narrador de primeira pessoa abre alçapões da memória para viajar na densidade dos afetos. Positivos e negativos. Descreve: “Guardo na memória fragmentos de instantes quase irreais: coisas sentidas como as primeiras letras escritas nas paredes da velha casa. No Largo dos Pássaros, via saltimbancos a engolir fogo (…) bailarinas esfarrapadas (…), um coreto a iluminar as ruas cinzentas dos dias difíceis. Cegos a espalharem música (…) O Tejo a insinuar-se nas entranhas do povo melancólico (…) E as estrelas a escancarar as águas-furtadas do sonho”.

Espaço mais que perfeito, real e de devaneio, para “ela e ele” construírem uma “breve história do prazer”.

São quatro casais, homens e mulheres em demanda da felicidade. Todos, com vidas diferentes; mais difícil, a do lado feminino.

A Eulália e ao José abraça a teia do enamoramento. José hesitante. Pensa ela: “Com um filho, as hesitações serão vencidas”. Arrisca. No singular. Só ela, mulher, arriscava. Começa a primeira narrativa: Era uma vez…

Aconteceu. Confessa o segredo à irmã: Anjoulila. Mulher solidária oferece-se: “Se te vires em apuros, procura-me!”

Anjoulila vive “Uma existência pouco escrupulosa no Alentejo”… Filha de pobres. Ela e a irmã desafiam códigos da “Mui respeitável Sociedade Machista Lusitana”, como escreve Luís Maçarico.

José procura outros encontros na capital, na cidade, “Encharcada de luares e sóis únicos” (a luz de Lisboa), descobre Miquelina, “sopeira roliça e eletrizante…”

Eulália procura-o, numa Lisboa de tascas, casas de jogo, bebedeiras… de homens de fato-macaco. Entre mulheres de mágoa, Eulália percebe e chora baixinho.

Frase chave de José: “Evita procurar-me, porque eu não te amo! E já te disse: é melhor que trates de abortar!”. Mais um Fado da Desgraça. Para ela, era um mundo que desabava.

Outro par: Armando, irmão de José, despede-se, no cais, de Regina. Emigrou. “Viram partir um transatlântico embandeirado. Guardaram a lágrima de alguém que ficou (…)”. Vale a esperança: “Voltarão um dia. Em busca do irrecuperável oiro dessas horas.” Voltarão? O futuro, em português, a assinalar a dúvida.

O narrador introduz outra personagem: Gertrudes, mãe de Armando e José, está separada do marido há muitos anos. Este abandonou o lar quando os filhos eram de colo. Conhecem-lhe milhentas amantes. Sina(s) de mulher(es).

Pelas filhas, Eulália e Anjouila, chora o pai ébrio: Perdi duas filhas! Eulália junta-se à irmã.

Desenlaces: Armando não tem pressa de casar. Regina continuará à espera.

José e Miquelina namoriscam.

Gertrudes continua a trabalhar.

Anjoulila ampara Eulália.

Histórias de mulheres e de homens tão irmãs, ao longo de séculos! Conclui Luís Maçarico: Há muitas maneiras de contar uma história… De acordo com o ângulo de visão do narrador, a mesma história será contada de forma diferente. A sua versão emociona.

Pardieiros conta histórias de vidas procurando o fio que une quem foi e quem é, o que foi e o que é. O escritor, em torno das suas origens, reencontra pessoas e revisita memórias dignas de serem contadas. Em cenários de sonho, avizinha o leitor de vivências de sofrimento e interrogações. Sobretudo no feminino! As perplexidades de mulheres e homens do seu tempo, a ausência de juízos de valor explícitos, não impedem que o narrador assuma uma postura crítica; Luís Maçarico escreve em nome de um humanismo que escasseia. Vítimas desta urdidura, mulheres e homens, vivem há séculos em perturbante desassossego e desconcerto… E o escritor refugia-se na sua subjetividade, em busca da realidade subterrânea dos seres. Através de vários casais, lemos versões-de-mundo magoadas e todavia abertas à esperança.

Fizemos com o escritor um pacto autobiográfico? As fotografias que ilustram e o texto aconselham-no. Assim seja!

À laia de conclusão

Disse Vergílio Ferreira: Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se leem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos, e não deixam, e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre."

Histórias eternas que vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre, as que conta Luís Maçarico? Diremos:

Que bem conta as coisas! Ou seja, não são as coisas em si que são interessantes, é o modo de contar que gera o prazer do texto, é a viagem pelo imaginário que oferece momentos de divagação a ver a vida. Porquê? Talvez porque Luís Maçarico desde menino soube a prece ao deus da leitura: A fome de ler de cada dia nos dai hoje.

Contar, inventar para não morrer é tarefa de Xerazade. Claro! E de outros que tecem e destecem teias narrativas. Uma teia que renova e recria personagens, tramas, desenlaces… e que salva. Foi porque contou bem as coisas, que as viagens em tapete voador com o sultão duraram mil e uma noites… Ou seja, os contos, os romances, as palavras salvam, como disse… Até pelo milagre do afeto!

Maria Antonieta Garcia (texto) Melisa Gomes e Eduardo Serra (fotografias)

Apresentação em Beja de “Vozes do Tempo”, de Luís Filipe Maçarico, com as palavras do escritor Martinho Marques

No passado dia 10 de Março (há portanto quinze dias) na Biblioteca Municipal José Saramago, de Beja, o escritor Martinho Marques apresentou o meu livro"Vozes do Tempo", perante um público interessado na leitura e no conhecimento. Apesar de não ser muito numeroso, incluía duas Mulheres desempoeiradas, vindas do concelho de Serpa, dois fraternos Amigos, residentes em Castro Verde e alguns bejenses, que acorreram à iniciativa.
Grato a todos e particularmente ao autor de "Nómada Sentado" e à minha querida Amiga Paula Santos, pelo simpático convite, que continuarei a tentar corresponder, com novas obras e partilhas.


Um pequeno exercício de memória
e com o meu resultado da leitura
da obra “Vozes do tempo”,
de Luís Filipe Maçarico


Sei do Luís Filipe Maçariço desde os tempos em que o jornal “O Cardo” se publicava, no idos anos 80 do século em que vivi as primeiras cinco décadas da minha vida. Então eu sabia-o só dos poemas que mandava, com dimensão reduzida e força descomunal. Lembro, em particular, a sua definição de clip, “o dente / de aço / que não permite / desencontros / entre duas formas / de abordar / um só assunto” e que já incluí numa espécie de antologia/memória de textos desse jornal, uma heróica tentativa de divulgar novos escritores (embora nem todos eles, pelo branco dos seus cabelos, pudessem ser considerados escritores novos), associado então à que era designada por Associação de Novos Escritores do Sul, que me deixou saudades de todos os que por lá eu encontrei, mas não me deixou vontade de ingressar noutra aventura (que sempre temi que fosse) parecida com aquela, que deu pouco resultado, para  além das amizades que proporcionou.
Do Maçarico sabia dos seus textos. Da pessoa falava-me o nosso conterrâneo António Joaquim Linhaça, natural da Boa Vista, quando o Luís trabalhava na Câmara Municipal de Lisboa e o Linhaça enaltecia as suas qualidades de criador activo e de activista e se referia à vida nada fácil que era então a sua.
O tempo foi-se passando, sempre comigo a seguir a sua obra, que ia crescendo, e em campos muito diversos (até porque, entretanto, o seu autor cursava Antropologia e terminava um mestrado nessa área), com muita colaboração em inúmeros locais, chegando inclusivamente a assinar recensões a livros de autores vários (e, entre eles, porventura algum ou alguns dos meus).
O homem conheci-o pessoalmente há pouco tempo na Casa do Alentejo (há-de fazer dois anos em Novembro), num encontro de homenagem ao poeta Eduardo Olímpio (ainda que, a seu pedido, a palavra homenagem não constasse). Sem haver muita frequência em contactos posteriores entre mim e o Luís, eles, no entanto, ocorreram, até ao ponto de estarmos hoje de novo em confluência, à volta de dois novos livros dele, um dos quais (“Vozes do Tempo”) ele me desafiou a apresentar, o que procuro fazer neste momento, sem confiar nas palavras que dissesse conversando (os improvisos resultam, sobretudo, quando são bem preparados) e preferindo confiar a um papel o que eu achasse dever ou ser capaz de dizer deste seu livro, depois de o ler na íntegra com gosto (e grande parte em voz alta).
Pois bem… O “Vozes do Tempo”, além do que o introduz, é composto de oito textos das décadas de 80 e de 90 do século em que, a três anos de distância, ambos chegámos ao mundo.  
Alguns serão da época d’ “O Cardo”. Apesar de quase todos terem sido publicados na altura e apesar da idade que eles têm, penso que se justifica reuni-los num único caderno. Eu imagino o carinho que o autor terá por eles, até por serem de um tempo de colossais dissabores, mas em que a força abundava, e era tanta, que o Luís tem essa época por um período em que ele “era infeliz e não sabia”. Faço questão de o lembrar, porque acho saborosa a confissão... e não porque ele mo dissesse, mas porque Maria Bispo o refere no texto introdutório a estas “Vozes do Tempo”, que lhe devem ter deixado fundas ressonâncias, porque não creio que as suas múltiplas actividades do presente se consigam sobrepor aos restos dos trinta anos. É que, embora não se admita que a saudade nos possa possuir, tal não depende somente de nós próprios. É o tempo e sempre o tempo que, mais tarde ou mais cedo, trata disso.

Na amável dedicatória com que o Luís me brindou logo no início do livro, aparece-me o aviso: “Ora toma lá prosa (por vezes poética, admito)” e São contos, senhor… autobiográficos”, o que cedo confirmou aquilo de que eu já desconfiava (até pelas muitas imagens inseridas na brochura) e que me fez pressupor ser o autor o melhor apresentador da colectânea de textos que tinha nas minhas mãos. Assim sendo, seria preferível eu ler-vos todos estes belos textos e ouvirmos depois o autor falar-nos do seu trabalho, depois de vocês próprios os sentirem e entenderem e concluírem se o Luís tem razão quando admite que esta prosa, por vezes, é poética.
Eu diria que o é frequentemente.
Escutem estes fragmentos que, ao acaso ou quase assim, vos trago dos vários contos:


Acordei diversas vezes durante a noite, e, quando a manhã nasceu, fresca e exuberante, saudei pinheiros, eucaliptos, o céu, o velho moinho, as ervas selvagens, as aves, as estradas, o Jamor, tudo!

Quando passarem pelo lote quarenta e seis da Urbanização da Portela, saibam que, antes daquilo ser um prédio, eu andei lá com muitos outros homens, ajudando a semear as raízes dessas paredes altas e vigorosas, fui um dos que participaram no crescimento das estruturas, transformando os caboucos em asas.

Procurando a metade perdida
Mato estes medos de mim.

Aí por volta dos dezoito anos, depois de ter descoberto na escrita um refúgio contra a corrente e um estímulo para encontrar o sabor dos dias, embora me limitasse a assimilar influências, ensaiando débeis passos, comecei a ver em cada palavra uma ponte importante para chegar aos outros.


Apesar de não ser fácil separar o que é poético daquilo que não o é (em arte objectividade nem sei se pode existir), creio que por estes textos, que não ficaria mal se chamássemos poemas, vem emoção e, talvez, a poesia já seja aquilo que a faz nascer.

Se quiséssemos classificar este grupo de oito contos (e classificar é optar pelo que de comum encontra nos elementos que integram o universo em referência, podendo dar primazia ao que outros desprezarão), diríamos que seis deles descrevem situações simples e atitudes de pessoas, mostrando a autenticidade, a humanidade e a grandeza existentes em gente que geralmente é tida por pequena. São eles: “O meu dia de trabalho nas obras”, “Lote quarenta e seis”, “A avó e os versos”, “O barbeiro Augusto”, “O velho e o tempo” e “Manuel Losté”.
Restam-nos  “Sessão solene” e “Pardieiros”.
“Sessão solene”, tratando igualmente de uma situação simplicíssima, em cerimónia de entrega de prémios aos vencedores de certos jogos florais, parece-nos de inserir mais no âmbito da sátira e da caricatura e, em vez de evidenciar grandeza humana, evidencia a mesquinhez e a pequenez das pessoas, candidatas a ser grandes ou confusas sobre o que é a grandeza.
“Pardieiros”, o mais extenso e o único que o Luís deixou inédito até este livro (e que teve por base um texto premiado no concurso InterArte 84), parece-nos também o mais complexo e, adicionando às palavras poderosamente poéticas bastantes “intermitências” (chamemos-lhe assim, na falta de melhor), trata, segundo o autor, de “um encontro amoroso, na grande cidade, em tempo de opressão e pobreza” e constitui para si “um exorcismo” (a confissão é do próprio e só não irá mais longe se ele o não pretender).

Mas não queria deixar de ler na íntegra, pelo menos, um dos contos, de que à partida, excluía “Pardieiros”, pela sua dimensão.
Dos outros, pela dimensão, poderia optar por qualquer deles, mas abdicava também da “Sessão solene”, pela excepção que constitui.
Dos restantes, poderia trazer-vos “O meu dia de trabalho nas obras” ou  “Lote quarenta e seis”, com o labor iniciático de um operário que reconhece e refere que não trabalha sozinho. Ou “A avó e os versos”, em que é concedida ao neto licença para fazer a sua escrita, depois de ver que a respeitam, desde que não descure a Matemática. Ou “O velho e o tempo”, em que o velho ocupante do terreno onde muito em breve iria nascer um polidesportivo reage desta maneira: “Vocemecês não podem esperar até eu colher as batatas que semeei?”. Ou até “Manuel Losté” que, rente ao mar do Algarve, lá nos confins de Aljezur, discreto e “parco no verbo”, tem uma sabedoria que lhe veio de muito ter vivido e uma sensibilidade “como uma jóia secreta”.
Optei pel’ “O barbeiro Augusto”, esse homem, ao mesmo tempo, comum e extraordinário, que “manejava tesouras e navalhas, escovas e palavras com uma precisão ímpar”.

…………………………………….

E é tudo, para já. Mais só direi se a conversa me levar a isso… e penso que levará.
Peço desculpa por exagerar na dimensão do que disse… sobre um poeta que age, sobre este poeta agente, poeta para quem a gente é muito.

A terminar, gostava de dizer que gostei de saber que ele gostou quando um dia lhe chamei “poeta de muitos caminhos”… que é apenas o que ele é.


Beja, 10 de Março de 2018

Martinho Marques


Introdução: LFM. Texto de Martinho Marques. Fotografias de Madalena Borralho e LFM.

domingo, março 18, 2018

Portas de Azamor, com Janica

Graças a Maria João Jonatas Ramos, a minha querida Amiga Janica, que esteve em Marrocos, com o seu companheiro Eduardo Ramos, convidado para mais uma brilhante actuação do seu repertório musical, onde aborda a essência do Al-Andaluz, evocando os poetas luso-árabes e recriando a ambiência da Silves islâmica, posso hoje partilhar fotografias que remetem para o quotidiano de uma cidade, que entre 1486 (ano em que os seus habitantes pediram a protecção do rei português D. João II) e 1541 (data do abandono, por ordem de D. João III, daquela antiga feitoria), ou seja 55 anos, teve a presença portuguesa, ainda hoje bem espelhada nas suas ruas, casas e baluartes ( da autoria de Diogo e Francisco Arruda - 1514)...

Ao longo de três décadas Azamor teve governadores, enviados por Lisboa, e ainda há ruas com nome português (tal como em Arzila) e o estilo manuelino de arcos e construções é visível, fazendo parte da herança do património de Portugal em Marrocos.

Concentremo-nos nestas nove imagens: em termos da pintura das portas, impera o azul - ou forte ou claro e o castanho escuro ou esbatido, havendo ainda um ocre marinho.
A decoração inclui um apurado trabalho de portais e por vezes componentes simétricos, representando  a Natureza - elementos florais.
Realço a presença bastante evidente de batentes no topo da porta, que supostamente seriam destinados aos cavaleiros, que chamariam os residentes (familiares ou criados) para poderem entrar nos pátios, que muitas destas habitações possuem ( este método é transversal aos países do Norte de África, havendo um site argelino que refere esta particularidade e em Jerba, os caranvansail têm portões com batentes altos para este efeito)...

Que segredos guardam estas portas? Que vozes escutaram? Que mãos chamaram pelos habitantes das casas? Quem foram os ferreiros que lhes deram asas, para nos contarem estórias?

Grato por esta colorida colecção, onde o olhar se detém nos pormenores, por vezes mágicos, assim o sonho nos acompanhe na deambulação das palavras e dos silêncios...

Texto e pesquisa: LFM; Fotografias: Maria João Jonatas Ramos

quarta-feira, março 14, 2018

O CANTE E A REALIDADE

Constato que no Baixo Alentejo, a leitura já não é uma necessidade imperiosa, bem  diversa do que sucedeu nos anos noventa do século passado, época em que foi uma clamorosa evidência...

A Cultura aparenta ter menos apoiantes, pois uma parte substancial dos portugueses  parece estar num certo fechamento...

A massa crítica, no sul do nosso país, face aos olivais intensivos, pulverizados dia e noite, com químicos, que já está a afectar a Natureza, é quase inexistente.
Disseram-me há anos num dos concelhos vizinhos de Beja que o cancro pode começar a atacar a população...

O comboio para Beja (que chegou a estar ausente, por supostas melhorias) é desconfortável, e avaria muitas vezes, não havendo a força suficiente para conseguir que o Intercidades volte, na evolução que tarda, pois as viagem Casa - Branca / Beja é paga como se os passageiros tivessem carruagens iguais às que fazem o percurso Oriente / Évora.

Oxalá o Cante não fique também alheio a esta realidade, continuando a celebrar os campos cerealíferos de outrora, que deram lugar às amendoeiras, alfarrobeiras e oliveiras, regados com água do Alqueva e na posse de estrangeiros.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)

segunda-feira, março 12, 2018

Manifesto Contra a Poluição Sonora

Abomino o ruído.
Transístores roufenhos, a debitar relatos de futebol ou batidas da pesada, numa viagem de autocarro, em que o ouvinte optou por poluir - sonoramente - tudo em redor, estando-se nas tintas para os restantes passageiros, que têm de levar com os seus "gostos" musicais...
Ir num comboio, com alguém a escutar sons, que parecem capturados numa forja, é desgastante...
Pessoas a vociferar, com os decibéis elevados, provocando mal estar a quem está por perto e necessita de conforto, é talvez apanágio de quem mora ou morou em barracas/ e ou vivendas (perdoem-me aqueles que jamais tiveram este comportamento) e ignora ostensivamente os outros. 
Usar sapatos com tacão em casa, sem querer saber do bem estar de quem é massacrado, com ruído constrangedor, em nada abona da consciência que somos obrigados a ter quando não residimos numa vivenda (ou barraca) e temos de saber respeitar os direitos dos outros, vivendo em Sociedade, com harmonia.
A permanência do Black & Decker, que se usa a torto e a direito, é outra das sonoridades que me enervam. Que culpa tenho eu de ter bons ouvidos, com que a Natureza me compensou por ter miopia?
Outra das coisas que detesto, são os aspiradores e o mulherio a falar alto, em residenciais, desde manhã cedo, onde supostamente se pernoitou para descansar. Uma vez, em Santiago de Compostela, dormi com o elevador, isto é, o quarto era mesmo ao lado do ascensor, que começava a sua ruidosa função, quando ainda era madrugada...

Odeio locais ruidosos.

Vivi num prédio, onde a vizinha de cima  era uma corrécia (introduzida no prédio sob recomendação de vizinho-relojoeiro das Testemunhas de Jeová) que tinha de se apresentar com regularidade às autoridades, sucedendo-se em sua casa vários companheiros, os quais foram sendo tratados com insultos e talvez mixórdias, para não levantarem cabelo...Apesar do curriculum, muitas noites saía com capangas, de táxi, sabe-se lá para fazer o quê...
Desde bater os pés com veemência, até arrastar móveis, com toda a raiva do mundo, as ambiências desse lugar juntaram o pior do Mundo: Porque além dessa megera ainda havia a velha que fazia bruxices, o rapaz que a todas as horas do dia e da noite cavalgava a escada, por cima do meu quarto, com bandos de amigalhotes, aos berros, passando por outra vizinha, que quando se irritava (o que era vulgar) gritava como se a estivessem a matar.
Na praça onde se situava o prédio, com a porta (metálica) da rua, por baixo do meu quarto, havia constantes desafios de futebol com jovens e adultos, usando bolas pesadíssimas, que quando batiam no empedrado faziam barulho, sendo a porta do edifício a sonora baliza, cuja batida brutal produzia um enorme contentamento, naquela pequena multidão de alarves...
Estudava, escrevia, comia, com aquele escabroso compasso...
Posso afirmar sem exagero que provei o fel da existência.
Foram morrendo, as velhas.
Fiquei anos nesse prédio, quase fantasma...

Sentir que há pessoas à volta pode ser sinal de vida; ainda este sábado uma amiga, em Beja, confidenciava que tinha habitado em Lisboa, num imóvel onde a insonorização era total e parecia que vivia num mundo sem gente...
Infelizmente, tenho a experiência contrária...
Por isso fico perturbado, quando constato que há muitas pessoas que não sabem conviver, no pequeno colectivo, que é um prédio, isso já me aconteceu, e desgosta-me que as cidades estejam repletas de seres hediondos, que não sabem comunicar ou simplesmente existir, estando num fechamento, que não pode ser sinónimo de alegria, mas de profunda doença espiritual, que nenhuma entidade divina poderá salvar.
Não é por acaso que o planeta está a ser governado por seres que denotam alguma monstruosidade. São espelhos das gerações que pouco aprenderam e não tendo presente, nunca poderão ter Futuro, pois escarram na memória, fazem gala em desconhecer o Passado.
Não prevejo, com esta população (globalmente falando) que a inteligência e a sensibilidade abundem.

Luís Filipe Maçarico (texto) Eduard Munch (O Grito)

sexta-feira, março 09, 2018

O Dia da Mulher e o Frenesi da Desideologização

No seu frenesi de desideologização, o actual executivo da Câmara Municipal de Almada, evocou, através de um cartaz dos Serviços  Municipais de Águas (SMAS), o 8 de Março, Dia Mundial da Mulher, que motivou esta opinião de uma Mulher minha Amiga:

"Olá Luis, boa noite!
Sabes, quando vi o cartaz fiquei sem palavras!!!...
Ofendida, magoada, por todas as mulheres coragem deste mundo!
Pelas trabalhadoras que há mais de um século morreram em Nova Iorque!
Pelas trabalhadores deste século, de hoje, da Triumph, da Ricon, de tanto, tanto lado!
Pelas mulheres vítimas de violência doméstica e de outras violências!
Enfim, tu entendes o que eu sinto, porque de certeza tu sentes também!...
Muito obrigada por teres partilhado comigo esta triste manifestação de insensibilidade, ignorância e pobreza de espírito!
Beijinhos
Odete Roque".

"Portugal é o país europeu onde o fosso salarial mais se agravou" titulava na edição de ontem, o "Público", que como sabemos está ligado a uma empresa capitalista...

Quando vi o cartaz  comentei:
"A insustentável leveza de um perigoso vazio. A banalidade de tornar a luta das mulheres, contra tantas injustiças, numa anedota de mau gosto. A desideologização potencia uma lavagem ao cérebro..."

Como é possível um Município, gerido por uma mulher, dita socialista, ter esta atitude? Para perceberem as palavras da minha amiga (e as minhas), eis o cartaz:


NOTA: Segundo o Dicionário, o Socialismo é o "Sistema daqueles que querem transformar a sociedade pela incorporação dos meios de produção na comunidade, pelo regresso dos bens e propriedades particulares à colectividade, e pela repartição, entre todos, do trabalho comum e dos objectos de consumo."
Como diz o Amigo Egas Branco, "posso rir?".

Luís Filipe Maçarico (texto) Cartaz (pesquisado no FB)