Vozes do Tempo
Aceita-se que o homem sempre contou
e cantou para encantar a vida. Por que razão não desistiram? Nem só de pão vive
o homem… é frase bíblica. Faz tanta falta o imaginário, o sonho… E se o tempo é
dado por Deus, de graça, de graça se constroem momentos de lazer, de ócio, de
prazer… Criadores de todas as artes, contadores de histórias, cantores, ouvintes,
leitores comem o pão do espírito de cada dia… Não era por acaso que Natália Correia
clamava: “Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer… “. Luís
Maçarico é assim? Quando lemos a sua obra, achamos que, na verdade, a poesia,
no sentido de criação, pode salvar… (George Steiner).
Agradeço
o convite a Luís Maçarico as Vozes do Tempo e a opção por esta terra beirã para
apresentação da sua mais recente obra.
È
bom saber que, para alguns, estas terras envelhecidas e despovoadas somam ainda
fascínios. O sagrado do vento, das serras, das lendas… a mentalidade mágica
habitam a serra da Gardunha, este chão de cultura camponesa. Paira, por aqui,
uma ideia de pureza primordial que as montanhas e as gentes emprestam ao
espaço. Pureza que predispõe para o devaneio (uma fuga para fora do real), que
atrai criadores, aumenta o gosto de luz. E de luz falamos, quando temos em mãos
os contos de Luís Maçarico.
A
capa surpreende; uma fotografia clássica do autor, comemorativa de
qualquer coisa… Era assim o cenário, do menino que ia ao fotógrafo: bem
vestido, sentava-se ou encostava-se a uma cadeira… Seguem-se outras fotos, a
ilustrar os contos, do mesmo menino que vai crescendo... Livro autobiográfico?
E há algum texto (prosa ou poesia) que não reflita uma visão do mundo de um
autor?
Leia-se
a narrativa, “O meu primeiro dia de trabalho nas obras”. É um conto que
surpreende. O leitor observa o título, faz o seu trabalho, desenha hipóteses,
mas linha, a linha, a estranheza prende-o. Ouçam o excerto: Acordei diversas
vezes durante a noite, e, quando a manhã nasceu, fresca e exuberante, saudei
pinheiros, eucaliptos, o céu, o velho moinho, as ervas selvagens, as aves, a
estrada, o Jamor, tudo!
Lugar
estratégico de identificação do narrador de primeira pessoa é inesperado
o ângulo de visão. O dia de trabalho e os espaços envolventes são saudados
em toda a dimensão humana. O que espera o leitor? Crítica ao trabalho duro,
com o cortejo habitual da denúncia da crueldade de uma sociedade sem leis de
proteção. Descrição das condições sub-humanas. Acusação da exploração do homem
pelo homem. A injustiça de haver homens que nunca foram meninos, na expressão
de Soeiro Pereira Gomes… E nada disto acontece... O trabalho é desejado,
louvado.
Escreve,
assim, sobre o transporte de baldes carregados de massa: Foi um bom
exercício e uma prova indesmentível da fome de trabalhar que dentro de mim
havia, feita de outras fomes. Nem uma palavra sobre a aspereza do ofício,
sobre o salário... Qualifica o dia como inesquecível. E também os “dias
seguintes” merecem avaliação favorável. Porquê? Explica: sempre cheios
de qualquer coisa nova e aliciante como o nome de uma ferramenta desconhecida…
E esta abordagem é nova. Há qualquer coisa de heroico e de
onírico nesta descrição. O valor da palavra, a criação da linguagem permitem
alargar a consciência do falar. Toda a tomada de consciência é um aumento de
luz, um crescimento. Aqui, está semeado o sentimento de ternura, o elogio do
trabalho, do sonho… partilhado com “a malta das obras”. Os contos não são
feitos só com o que se sabe, com o que se vê. Necessitam de raízes mais
profundas. E, este primeiro dia, nas obras, não seguiu os cânones destes
relatos, não apagou, antes permitiu ver “a paisagem sempre diferente com
nuvens ou sol, pombos e árvores, vento ou gente, papoilas e água, as histórias
dos velhos da betoneira, com os calcanhares roídos (…) as iniciativas dos moços
disputando o pedaço de sonho a que tinham direito, a cerveja e os petiscos ao
fim da tarde nas tascas da freguesia, entre sorrisos e palavras germinadoras de
esperança”. Numa observação atenta da complexidade da vida, são os
sentimentos de fraternidade que sobressaem. O ângulo de visão do narrador
privilegiou nesta narrativa, o companheirismo de vidas franciscanas.
Luís Maçarico oferece-nos depois a história das casas, dos
espaços, igualmente narrada na primeira pessoa. Cito: “Quando passarem pelo
lote quarenta e seis da Urbanização da Portela, saibam que, antes daquilo ser
um prédio, eu andei lá com muitos outros homens, ajudando a semear as raízes
dessas paredes altas e vigorosas; fui um dos que participaram no crescimento
das estruturas, transformando os caboucos em asas. “Servente de
carpinteiro”, mescla sonho e realidade… a linguagem que é pensamento a
melhorarem/enriquecerem o quotidiano difícil. Trabalho diário até que uma
porta de mudança se abriu: ingressar na Câmara. Lamenta o patrão: “é pena
ir-se embora, porque precisamos de gente com a sua “gana”! Os serventes que aí
trago são uma cambada de madraços!”
À
vontade de aprender, juntou-se, confessa o narrador e protagonista, o medo
de voltar ao desemprego. Frui-se a sua capacidade de desvendar a forma de
não abandonar o espaço
imaginário do
criador, o devaneio, a sabedoria da magia da palavra.
A “Sessão Solene” é uma narrativa de outro cariz. Conta
a história um narrador observador, de terceira pessoa. Analisa o contexto e
pretexto criados pela atribuição dos primeiros Jogos Florais da
coletividade de nome adocicado, inspirador: Sociedade Favo de Harmonia.
À boa maneira portuguesa, a sessão atrasa-se. O presidente
fazia tempo… a ver se aparecia mais alguém. Que também havia bolos com
creme… acrescentou.
Na abertura da sessão, esta personagem explicitará o
objetivo do acontecimento: dar um contributo para a descoberta de novos valores,
em prol da cultura nacional.
São chamados os premiados. O primeiro prémio, em poesia, é
atribuído a Laurinda Gonçalves. O poema merecedor da distinção titula-se: “Mulher
livre”. É deste teor:
Diz não ao arroz de manteiga.
Esturra o fricassé…
Ele que o faça!
Faz greve ao coito…
- Não és
bibelot!
Livre? Feminista tonta? Uma denúncia implacável, mesmo que
involuntária, sobre o entendimento de lutas de género, alia-se à análise do
trabalho de coletividades atuais e jogos florais. Uma ironia fina percorre todo
o texto. Aplicando expressões com um sentido diferente do habitual, produz um um humor subtil.
Com elegância, através do jogo de palavras a intenção não surge no imediato.
Estimuladora do raciocínio, a trama
obriga à demanda de sentidos possíveis. O inusitado das frases provocam o riso
ou o sorriso. O que não faz sentido e abre muitas interpretações, neste texto
premiado? Por que razão dizer não ao arroz de manteiga, a esturrar o
fricassé…? E o ridículo do “bravo” gritado por uma mulher? Não
é, por certo, este texto e outros quejandos
que ajudarão a construir a igualdade de género.
Na sequência por Xavier Pinot -
“Roubo e achamento da cavalo de pau do Miguelito” - é o sono que sobressai.
A leitura com má dicção, lenta e em voz baixa provoca o desinteresse
a quem ouve. A trama tem como protagonista uma senhora caridosa. Sabe-se pouco
sobre a intriga da história. O narrador, inteligente, omita a informação.
Dormiu que não valia a pena/não conseguia ouvir? Mas é suficiente o súbito
desfecho de moral explícita: Cometi uma má ação. Perdoa-me Miguel. (…) Não
te quero ver assim doente. Aqui está o teu cavalinho de pau. (…) Põe-te melhor
e vamos brincar. Roubei-o porque sou pobrezinho.” Viragem
canónica, melhoria de procedimentos e a crença de que ser pobrezinho é, em
última análise, ser bom. Este “pobrezinho” é formatado por velhos contos de
moral duvidosa. Rouba porque é pobre, mas a vitória é a da amizade. Tem sorte:
é saudável. O menino rico é doente. Vale mais ser pobre? Qual a opção? Comove-se
a esposa, com a moralidadezinha deste desenlace feliz, de acordo com os
cânones de antanho. Ser saudável e ser rico não era tema para histórias. E a
mudança do conto, com confissão do larápio, provoca um sorriso de descrédito…
Outra personagem presente na sessão é o insigne
representante da Liga dos Escritores Populares. Discursa o
“insigne” e a inadequação da adjetivação, que o leitor pressente,
materializa-se. Era lá agora insigne?! Sem jeito, exigindo muitas palmas para
se decidir, disse: “Então aí vai (mas desculpem a minha modéstia!): Viva as
coletividades! Sem elas eu seria um órfão cultural… O público vibra e
aplaude. O que disse para merecer aplauso? O rebuscado “órfão cultural” faz
sorrir de novo…
Ainda faltava, nestes Jogos Florais, a confusão gerada porque
duas candidatas, Dona Etelvina e Dona Ermelinda, que escolheram o mesmo
pseudónimo: Juvelina 80. Qual delas vencera? O nome da peça: Sabes o que
é o fluor e porque voam as joaninhas? permitiu a identificação
da eleita e o “broche de filigrana e as felicitações” foram entregues a
quem de direito. Desconhecemos as cenas do texto dramático do fluor e das
joaninhas, que o narrador poupou, de novo, o leitor. Mas fluor com
joaninhas deve ter a ver com remédio de “pedagogites” agudas que vacinam as
crianças contra a leitura.
O prémio Reportagem coube a Dona Filomena. O
narrador descreve traços físicoe e psicológicos breves, mas suficientes. Penteado
no “coiffeur”, bolsinha cravejada de brilhantes com os óculos para ler.
Ajuda os pobrezinhos. Doa uma “lágrima de níquel”, outra metáfora para sorrir,
adiantando que pretende “tornar a sua miséria mais suportável”. Pai
aleijado, dois irmãos… uma desgraça. Retorno á temática da pobreza. Salva-se o Beto
“criança esperta já faz recados impecavelmente…”
“Uma ameaça de ataque cardíaco”, pela muita emoção,
impede a autora de ler o texto na íntegra. O filho substitui-a. No final,
mostra o Beto para afirmar que é uma história verdadeira. Era garoto, o
Beto. Solta-se indisciplinado, um apontamento simbolicamente relevante. Resolve
a questão o Presidente que o ameaça com o castigo de não comer bolos se não se
portar bem…
Esta linha crítica interessa como denúncia do “engano” de certas
políticas culturais. O narrador ajuíza sobre a elaboração e o êxito dos
textos. A ortodoxia de temáticas bolorentas, os concorrentes, a penúria
cultural são marcas que merecem atenção e rejeição. Nesta narrativa – “Sessão
solene” - não há um fecho semântico. As
vidas são pequeninas. O interesse satisfaz-se com telenovelas. A partitura
burlesca concluiu-se, mas deixa abertura para novos olhares e
improvisações sobre cultura de massas, cultura popular, criatividade e ética.
“A Avó e os versos” apresenta igualmente uma
reflexão sobre a escrita. Diferente. Escreve: Minha avó é que não percebia o
valor dessa experiência e, quando me apanhava naquele clandestino labor,
despejava tempestades de recriminações, por eu preferir os poemas à Matemática,
porque isso dos versos não dá pão.
Refletindo:
os livros são um benefício para a Humanidade que sofre? Comparados com a
miséria extrema… que valor tem um livro, um manuscrito? Para
o homem do povo, um par de botas vale mil vezes mais do que a coleção das obras
completas de Shakespeare ou de Púchkin,
diz Pisarev.
E todos entendemos. Contestatários dos
livros, os seus inimigos, sempre existiram. Lançam-nos para a fogueira, os
fundamentalistas. Certo é que continuamos presos aos textos. A ficção nascida
do espírito do autor tem mistérios. Um jovem no quarto, um livro, às vezes,
deixa-se hipnotizar: Passava montanhas de horas no quarto, lendo, relendo,
escrevinhando, riscando… Momentos
de evasão e liberdade, as palavras distraem, refletem revoltas e resignações, espelham temores e confiança, salvam.
E a avó mudou, quando um texto do neto foi
publicado num jornaleco da escola. O medo cedeu lugar ao
orgulho. No fundo, não desaparecera o receio, mas aparecia, agora noutro
registo: ò rapaz, tu lê e escreve à tua vontade (…) Mas vê lá se não te
esqueces de pegar no livro de Matemática!”
O território do eu
é uma teia, um labirinto; uma tensão bipolar de afirmações/negações constrói o
discurso. Os escritores refletem a respeito de si próprios e do outro, alargam
o conhecimento quando, como explica Luís Maçarico, aos 18 anos comecei a ver em cada palavra uma ponte importante
para chegar aos outros.
Três
personagens são o fulcro da trama de três contos:
O
barbeiro Augusto
A
viagem na espessura dos dias da infância trouxe à memória o Barbeiro.
Observação minuciosa, descrição física e psicológica da personagem e do corte
de cabelo, das sensações… Até “ao dia em que a esposa me deu a entender que
nunca mais poderia discutir com ele, as coisas comezinhas, intercaladas com os
descalabros asmáticos, entre o ganir da bomba de ar e a dança do espanador”.
Personagem construída à imagem e
semelhança de pessoas com comportamentos e sentimentos reais, vive situações e
dilemas de todos conhecidos, envolve o leitor a quem dói também o
desaparecimento do Barbeiro.
O velho e o tempo
O protagonista é um
velho com tremuras na voz, sotaque beirão, pobre. Morador em Penamacor, chão beirão onde o
progressivo despovoamento, o envelhecimento, a desistência, a atração da vida
urbana, desgastaram formas de vida tradicionais. Ficaram os velhos. Sem
desistir, este idoso quer semear e quer colher. Sabe: “quando isto acabar
nunca mais cá volto”. Conta: “Sete ovos aguardam a poedeira. Nove nozes
apodrecem, rodeadas de ossos… A quintarola, a vida a sumir-se, a desaparecer.
Magoado (ou reivindicativo?), o
camponês reclama: “Enterrei aqui vinte e tal contos de réis. Se ao menos me
deixassem depois colhê-las!” Afinal, aquele espaço
tão estável e durável sustentava a memória viva de uma longa
referencialidade/afetividade: foi aqui...
A
ruralidade era/é um horizonte de paz? O povo que habitava o
campo cuidava-o em estreita comunhão com a natureza. Hoje, a aldeia quer ser
como a cidade. Com a doença do consumismo e tudo…
Tinha de ser assim?
Manuel Losté tem como protagonista um algarvio velho. O mesmo tema. Num mundo que muda,
diz que está “de abalada”. Reflete sobre caminhos que calcorreou, as
dificuldades imensas que a família passou (…) o corpo franzino coroado por um
chapéu de feltro velho como ele, senhor de uma experiência, que mais vale do
que a herança, tem o valor dum pequeno, luminoso império. Valem aqui, a
idade, o corrido e o lido, o saber de experiência feito…
Para o fim ficaram Pardieiros.
De
novo, um narrador de primeira pessoa abre alçapões da memória para
viajar na densidade dos afetos. Positivos e negativos. Descreve: “Guardo na
memória fragmentos de instantes quase irreais: coisas sentidas como as
primeiras letras escritas nas paredes da velha casa. No Largo dos Pássaros,
via saltimbancos a engolir fogo (…) bailarinas esfarrapadas (…), um coreto a
iluminar as ruas cinzentas dos dias difíceis. Cegos a espalharem música (…) O
Tejo a insinuar-se nas entranhas do povo melancólico (…) E as estrelas a
escancarar as águas-furtadas do sonho”.
Espaço
mais que perfeito, real e de devaneio, para “ela e ele”
construírem uma “breve história do prazer”.
São
quatro casais, homens e mulheres em demanda da felicidade. Todos, com vidas
diferentes; mais difícil, a do lado feminino.
A
Eulália e ao José abraça a teia do enamoramento. José hesitante. Pensa ela: “Com
um filho, as hesitações serão vencidas”. Arrisca. No singular. Só ela,
mulher, arriscava. Começa a primeira narrativa: Era uma vez…
Aconteceu.
Confessa o segredo à irmã: Anjoulila. Mulher solidária oferece-se: “Se te
vires em apuros, procura-me!”
Anjoulila
vive “Uma existência pouco escrupulosa no Alentejo”… Filha de pobres. Ela
e a irmã desafiam códigos da “Mui respeitável Sociedade Machista Lusitana”, como
escreve Luís Maçarico.
José
procura outros encontros na capital, na cidade, “Encharcada de luares e sóis
únicos” (a luz de Lisboa), descobre Miquelina, “sopeira roliça e
eletrizante…”
Eulália
procura-o, numa Lisboa de tascas, casas de jogo, bebedeiras… de homens de
fato-macaco. Entre mulheres de mágoa, Eulália percebe e chora baixinho.
Frase
chave de José: “Evita procurar-me, porque eu não te amo! E já te disse: é
melhor que trates de abortar!”. Mais um Fado da Desgraça. Para ela,
era um mundo que desabava.
Outro
par: Armando, irmão de José, despede-se, no cais, de Regina. Emigrou. “Viram
partir um transatlântico embandeirado. Guardaram a lágrima de alguém que ficou
(…)”. Vale a esperança: “Voltarão um dia. Em busca do irrecuperável oiro
dessas horas.” Voltarão? O futuro, em português, a assinalar a dúvida.
O
narrador introduz outra personagem: Gertrudes, mãe de Armando e José, está
separada do marido há muitos anos. Este abandonou o lar quando os
filhos eram de colo. Conhecem-lhe milhentas amantes. Sina(s) de
mulher(es).
Pelas
filhas, Eulália e Anjouila, chora o pai ébrio: Perdi duas filhas! Eulália
junta-se à irmã.
Desenlaces:
Armando não tem pressa de casar. Regina continuará à espera.
José
e Miquelina namoriscam.
Gertrudes
continua a trabalhar.
Anjoulila
ampara Eulália.
Histórias
de mulheres e de homens tão irmãs, ao longo de séculos! Conclui Luís Maçarico:
Há muitas maneiras de contar uma história… De acordo com o ângulo de
visão do narrador, a mesma história será contada de forma diferente. A sua
versão emociona.
Pardieiros
conta histórias de vidas procurando o fio que une quem foi e quem é, o que
foi e o que é. O escritor, em torno das suas origens, reencontra pessoas e
revisita memórias dignas de serem contadas. Em cenários de sonho, avizinha o
leitor de vivências de sofrimento e interrogações. Sobretudo no feminino! As
perplexidades de mulheres e homens do seu tempo, a ausência de juízos de valor
explícitos, não impedem que o narrador assuma uma postura crítica; Luís
Maçarico escreve em nome de um humanismo que escasseia. Vítimas desta urdidura, mulheres e homens, vivem
há séculos em perturbante desassossego e desconcerto… E o
escritor refugia-se na sua subjetividade, em busca da realidade subterrânea dos
seres. Através de vários casais, lemos versões-de-mundo magoadas e todavia abertas
à esperança.
Fizemos
com o escritor um pacto autobiográfico? As fotografias que ilustram e o texto
aconselham-no. Assim seja!
À laia de conclusão
Disse
Vergílio Ferreira: Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que
se leem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e
que pedimos humildemente que se deixem ler todos, e não deixam, e vão largando
uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre."
Histórias
eternas que vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam
ler de uma vez para sempre, as que conta Luís Maçarico? Diremos:
Que bem conta as coisas! Ou
seja, não são as coisas em si que são interessantes, é o modo de contar que
gera o prazer do texto, é a viagem pelo imaginário que oferece momentos de
divagação a ver a vida. Porquê? Talvez porque Luís Maçarico desde menino soube a
prece ao deus da leitura: A fome de ler de cada dia nos dai hoje.
Contar, inventar para não morrer é tarefa de
Xerazade. Claro! E de outros que tecem e destecem teias narrativas. Uma teia
que renova e recria personagens, tramas, desenlaces… e que salva. Foi porque
contou bem as coisas, que as viagens em tapete voador com o sultão duraram mil
e uma noites… Ou seja, os contos, os romances, as palavras salvam, como disse… Até
pelo milagre do afeto!
Maria Antonieta Garcia (texto) Melisa Gomes e Eduardo Serra (fotografias)