"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, agosto 28, 2019

Xana, um reencontro gratificante

Conheci a Maria Alexandra Leandro, em 1991, quando iniciámos o nosso percurso académico na Universidade Nova de Lisboa e com ela dei a volta a meio mundo, pois fomos de Bragança a Praga, de Cuba do Alentejo à Tunísia. Guardamos estórias bastante divertidas, cumplicidades deliciosas, uma fraternidade singular.
Fizemos trabalhos de grupo, escutei-a sempre, aprendi muito com ela, que é muito mais jovem que eu. Dos momentos felizes que a existência me proporcionou, alguns foram passados na companhia desta Amiga.

Em 1991 eu tinha 39 anos e a Xana vinha do Secundário, com uma Cultura fantástica, reflectindo a Vida e o Mundo como muitos jovens de hoje não são capazes de fazer...
Fiz o Mestrado em Antropologia no ISCTE, graças a ela, que me estimulou a prosseguir os estudos universitários. 

Esta terça feira almoçámos juntos e a conversa prolongou-se tarde fora, até se aproximar a hora de ir ao médico de família mostrar duas ecografias. Despedimo-nos com o afecto de irmãos que se respeitam e admiram.

Para lá do desmedido prazer de estar com uma pessoa tão positiva, foi para mim muito gratificante ouvi-la dizer que eu nunca menorizei gente mais nova para me valorizar, pois partilhar e aprender com os outros é desde sempre a minha postura como artista e ser humano.
Esta frase vale toda uma vida e só posso agradecer ao Cosmos por a Xana ter surgido no meu caminho.

Luís Filipe Maçarico

Fotografias: Na Tunísia, a Alexandra, a Cláudia Casimiro e o Salem Omrani, comigo.

quinta-feira, agosto 22, 2019

Não Sei se Temos Salvação!

O Mundo todos os dias bate ainda mais no fundo. Estamos a morrer, sem grande sobressalto, porque a falta de formação, a ignorância e o fanatismo em torno de seres erróneos ultrapassam limites… Há dias vi na televisão pessoas indignadas, porque uma vaga de algas verdes tinha invadido a praia em Monte Gordo. Dos novos aos idosos, dos nortenhos aos sulistas, não havia opiniões com lucidez nem qualquer conhecimento. Alguém alvitrou que a Câmara devia mandar limpar… E que tal mandarem retirar o mar? Desconhecem estes cidadãos, pouco dados à curiosidade e à geografia, que existe uma vila chamada Apúlia e que na memória colectiva dessa terra nortenha permanecem danças etnográficas com sargaceiros… Mas os próprios "jornalistas" que fazem estas "peças" para encher chouriços, deveriam voltar à escola, para reaprenderem a escolher assuntos e olharem para o quotidiano sem este alvoroço podre. Acabei de ler que sequóias com 3.000 anos estão a ser arrancadas na América. Trump diz todos os dias barbaridades. Uma das mais recentes foi a tentativa de compra da Gronelândia. Donald tem seguidores pelo mundo e há até quem diga que no xadrez da diversidade mundial existem porta-vozes do seu pensamento, cujo objectivo maior é desestabilizar, para que o dólar e o poderio do império consigam cravar as garras nas costas dos povos do planeta.
O magnata põe em causa as alterações climatéricas, ignorando as evidências - glaciares que derretem, neve de plástico, ameaçando a pureza da água que beberemos, já que o peixe que se come vive em oceanos altamente poluídos.

No Brasil (é inevitável não falar da tragédia da Amazónia) os colossais incêndios matam tudo. Leio referências na imprensa mundial, amigos e amigas bastante diferentes, com ideias diversas, convergem no repúdio, apontando a intensificação da agro-indústria como o grande crime ecológico, acusando as erradas medidas governamentais que desestabilizam o equilíbrio do pulmão da Terra.

As escolhas eleitorais não são suficientemente esclarecedoras.
Nas Filipinas, Duterte, que teve formação cristã, num país em que 2/3 da população abraça a religião católica, proclamou a caça ao toxicodependente, tendo sido assassinados cerca de dez mil supostos viciados, sob o lema "bandido bom é bandido morto". E para reforçar a sua cristandade, recorda-se o que terá dito quando o Papa Francisco visitou Manila: segundo ele (formado em artes e direito) o fdp estava a causar engarrafamentos…

E nem sequer vou falar de Salvinni, Orban e de Jaroslaw Kacynski...

Por cá, foi revelado que as oliveiras transgénicas, que invadiram grande parte do território alentejano, contraíram uma moléstia que complica tudo.
O capitalismo selvagem que explora o mínimo sinal do que é possível rentabilizar, das praias (Comporta) às cidades (a praga da turistificação, fazendo alastrar o espírito da Disneylândia nos territórios urbanos), assaltou os paraísos do Mundo.
Vemos, ouvimos e lemos...

Não sei se temos salvação!

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

segunda-feira, agosto 12, 2019

Quinze Anos de "Águas do Sul"


Do mês de Agosto guardo algumas boas lembranças. Neste mês nasceram algumas pessoas que marcaram a minha existência. É o caso da minha avó paterna Gertrudes e do meu Amigo-Pintor Artur Bual.
Agosto foi o mês em que gozei férias, fosse na Zambujeira, com antigos colegas de trabalho ou em viagens pela Europa, com quatro dezenas de portugueses, acampando, cozinhando, descobrindo novos países e gentes de camioneta. Antes de escolher Junho e Outubro (nessa altura tinha bónus por não descansar nos meses de maior calor) para desbravar a costa vicentina (Arrifana, Odeceixe).
Agosto é o mês em que a Paula Silva e a Mena Brito celebram os seus aniversários.
Foi em Agosto de há quinze anos que fundei o blogue "Águas do Sul".
No último ano manifestei-me contra a imprensa sensacionalista e os ataques ao património e à língua, que são quotidianos. Falou-se neste espaço da apresentação do meu 22º livro de Poesia, evocando os textos de Alexandra Leandro e Maria José Balancho acerca de "Uma Casa é comouma Árvore por Dentro".
Gavião e Belver foram tema de vários textos, sobre os Museus do Sabão e das Mantas e Tapeçarias de Belver, o castelo, documentando-se a ida da Aldraba a Comenda, Belver e Gavião.
Poemas sobre Riomaggiore e Manarola e um artigo intitulado "Do que Falamos, quando falamos do Alentejo", animaram alguns posts. 
 A partida de Ninita e Gracinha Correia foi registada. 
O fogo outra vez e a dor em directo tornaram a ser criticados. 
Finalmente, celebraram-se algumas memórias do Pão de Cultura Transfronteiriça 2018, em Morille. dando-se relevo ao Poetódromo e ao Cementério de Arte.
O blogue Águas do Sul é este somatório de experiências, de gritos, de reflexões.
Na passagem dos quinze anos do seu começo, ocorrido no início de Agosto de 2004, saúdo todos os leitores e anuncio a hipótese de, com Eddy Nelson Chambino, preparar uma publicação com algumas das intervenções que ocorreram nesta caminhada.
Luís Filipe Maçarico

domingo, agosto 11, 2019

JESSICA

Jessica é uma jovem de São Paulo, que tive o prazer de conhecer no Verão de 2018, quando visitou  Portugal. Levei-a, e à família, ao restaurante Baptista em Almada (fotografia2)
Voltámos este ano, mas também fomos à Casa do Alentejo (fotografia 1).
A partilha de conhecimentos, o prazer da conversa e o seu sorriso cativante são mais que motivos para conversarmos. Sou dos que pensam que se aprende muito com os Jovens.
Falamos do Brasil, é tema recorrente. Não imaginava (foi ela que me esclareceu) que não há uma linha férrea contínua naquele imenso território. Apenas linhas de metro em torno das cidades e uma linha única que liga o Rio a São Paulo. O resto é visitável por autocarro (ómnibus)...
A Itália de que tanto gosta, também faz parte dos nossos diálogos.
Veneza, Florença, as Cinque Terre, que encanto poder voltar a esses lugares, através das palavras e do espírito viajante de Jessica.
A bela menina está (quase) de regresso à sua terra natal. É um bálsamo encontrá-la bem disposta, atenta, curiosa, vivendo tudo com alegria. 
Vou desejar-lhe uma óptima viagem e que regresse célere, porque é bom falar com a Jessica e com ela conviver, sorrir.
Até já, Amiga!

Luís Filipe Maçarico

sábado, agosto 10, 2019

Flávio Gil representa no São Jorge "Mário A História de Um Bailarino no Estado Novo"

Não consegui dizer nada ao Flávio Gil, quando saiu da sala 2 do São Jorge, onde representa "Mário A História de um Bailarino no Estado Novo". Apenas abraçá-lo, comovido.
Com texto e encenação de Fernando Heitor, "Mário" fez-me transportar às opções brechtianas de Ildefonso Valério na Guilherme Cossoul, pois ao ver aquele biombo, a cadeira de hospital e os poucos adereços de cena, voltei ao tempo em que aprendíamos técnicas de representação, lendo Stanislavski e Maiakowski, repudiando as peças naturalistas.
Mas este espectáculo conduziu-me também aos melhores momentos que a Casa da Comédia, nesses fabulosos anos 70-80, deu a conhecer, sob a batuta de Filipe La Féria, como "Eva Péron", de Copi, representada pela saudosa Teresa Roby, contracenando com João d'Ávila, ou "A Paixão Segundo Pier Paolo Pasolini", de René Kalisky, onde Rogério Samora, debutava ao lado de Roby.

A ousadia e provocação daqueles textos e dos marcantes desempenhos dos actores que La Feria escolheu, decorridas quatro décadas, vieram-me à memória, porque falamos de novo de um teatro que perturba, que choca, mas emociona, e essa é a grande diferença e o grande trunfo de Heitor e Gil.

Fernando Heitor, como um exímio escultor, dirige Flávio Gil, o qual após muitos anos a representar no Parque Mayer (de ter sido conselheiro do filme homónimo de António - Pedro de Vasconcelos), de encenar e actuar em palcos de colectividades, onde também canta fados, se transcende, atingindo nesta interpretação o que João Perry e Mário Viegas, por exemplo, conseguiram com o dobro da sua idade. Uma Sabedoria que impressiona, porque consegue encher a cena, transportando o público para contextos e personagens que vai materializando através de algum vestuário, que veste e despe num ritmo intenso. 

Aos 28 anos, Flávio Gil demonstra ter vastos recursos, vocais e gestuais, que aplica neste desempenho memorável, conseguindo pôr-nos na pele do Outro. passando de um registo implacável para o contorno pungente, quando evoca a prepotência de padres, polícias e militares, de uma Sociedade intolerante com a homossexualidade. Acompanhamos o indivíduo na sua caminhada pela existência singular, repleta de estórias, vividas na Europa e na América do Sul, durante a Segunda Guerra Mundial, até ao internamento num hospital psiquiátrico. Cantando, dançando e narrando, o jovem actor consegue uma enorme empatia com o público, que segue as peripécias e as desventuras do personagem.

Quando na pele de Mário proferiu as derradeiras frases do texto, a assistência aplaudiu de pé e de forma vibrante, tendo o intérprete agradecido cinco vezes o apreço colectivo, sinal de que na galeria dos grandes actores do Teatro português, Flávio Gil já conquistou o merecido lugar de destaque. 

Texto de Luís Filipe Maçarico. Fotografias recolhidas na Internet.

terça-feira, agosto 06, 2019

Apresentação em Morille de "Pastores, Guardiões de Uma Paisagem", do antropólogo Eddy Nelson Chambino


Uma grande parte dos antropólogos da geração de Eddy Nelson Chambino, que conheço, desempenha funções que os afastam da investigação.

Eddy realiza com entusiasmo as suas tarefas, continuando a recolher fragmentos etnográficos, de um todo de experiências e memórias, que como Marc Augé assinalou vão sofrendo a erosão parecida com as falésias, onde património e esquecimento, se mesclam, permitindo olhares ficcionados.



Cioso do espaço de pertença Eddy Chambino anota no seu caderno de campo vestígios, gestos sobreviventes afirmações identitárias, ainda perceptíveis, complementando os inúmeros testemunhos e as suas reflexões com apontamentos fotográficos de grande riqueza documental nos desmedidos horizontes de Idanha-a-Nova.



Aquando da criação do Centro Cultural Raiano, surgiu a primeira mostra, sobre um mundo em mudança, revisitando o passado rural.

Eddy Nelson Chambino, enquanto cientista social, contribuiu para prosseguir e aprofundar a recolha, sobre a região e a geografia humana, indagando os ritmos da pastorícia, numa abordagem extensiva à produção do queijo, á comensalidade, à lã e outros artefactos e ainda da criativa arte pastoril. Os territórios da transumância e a diversidade de saberes dão substância ao estudo “Pastores guardiões de uma paisagem”, que nasceu da necessidade de acompanhar rebanhos e seus condutores, inventariando práticas e hábitos.

Esta vivência, próxima da respiração da terra, do saber empírico, em torno da impressionante tela da Natureza, entre homens e animais, evidenciando ensinamentos transmitidos de geração em geração, abrange a ocupação das horas menos activas, que atenuam excessos climatéricos e uma enorme solidão, onde as “vozes” em redor são o vento, a chuva, os chocalhos e um ou outro balido.

Orlando Ribeiro em “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, afirma que “no plaino do Alentejo e da Beira Baixa, apascentadas em pousios e restolhos, há muito mais ovelhas que gente.” (p. 124).

“Pastores guardiões de uma paisagem”, é um livro intenso, repleto de informação sistematizada, a partir dos depoimentos dos protagonistas que são fontes primordiais para o autor, salvos do olvido pelo magnífico trabalho de Eddy Nelson Chambino.

O fulgor da obra, cuja bibliografia de cariz transfronteiriço realça a abrangência de cenários e actores, merece degustação minuciosa, até porque a diminuta letra não permite leitores apressados.



Nestas páginas de partilha ou na conversa em terras de Idanha, aprendemos com Eddy a Arte Maior de entender o Outro e os rituais quotidianos, reproduzindo costumes reconfigurados, que em “O Mundo na Era da Globalização”, Giddens lembra tratar-se o tradicional de efabulação recente.



Há livros que escutam o tempo.

“Pastores guardiões de uma paisagem”, regista uma actividade secular, essencial para a economia dos lugares.

Pelo conteúdo e pela análise realizada, Eddy Chambino não pode ser ignorado por quem pretende estudar territórios e populações de cariz agrícola.

Bem hajas, Companheiro, por este olhar que enriquece o conhecimento do que é ser andarilho nos campos onde se nasce universal e português.



24-6-2019

Luís Filipe Maçarico