"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, agosto 22, 2014

O Tempo das Cigarras

1. Tem o sabor das amoras, o tempo das cigarras.

2. Ardem no seu canto, pelas tardes de Agosto.

3. Celebram o sol, na pele das palavras.

4. O vento folheia páginas.

5. Flautas de luz derramam-se, dentro da sombra.

6. As maçãs incendeiam o sangue.

7. As cigarras mordem o silêncio.

Luís Filipe Maçarico (palavras e fotografia)



terça-feira, agosto 19, 2014

A Propósito de Algumas Festas Inventadas em Portugal


Por todo o lado e desde há anos, revive-se o Passado ou evoca-se o Outro, de forma exotizada, para agradar a Gregos e Troianos e proporcionar uma boa afluência de visitantes, integrando nas agendas turísticas esses eventos.

Por vezes, é em torno de uma realidade contemporânea, em mudança, como a Transumância, ou o chícharo.
Outras, é a memória de patrimónios históricos, que ressurge: Feiras Medievais, Festivais que têm o imaginário islâmico como medida, celebração de Forais, etc.

Uma panóplia de animadores circula pelo país, integrando novas profissões, decorrentes destas celebrações, que alguns investigadores notam ser uma forma da população evadir-se de um quotidiano infeliz, com o galope do desemprego, dos cortes nos salários, dos aumentos de impostos e suas consequências nefastas.

A beleza e harmonia do Festival Islâmico, com a Comunidade local e intervenientes árabes (vendedores e músicos) oriundos do Norte de África, concebido para a secular Mértola, de dois em dois Maios, é diferente da Feira Medieval de Silves, onde a representação de torneios, perseguições e pomposos desfiles, presentes na festa inventada, marca o evento, com a celebração do lado guerreiro do antigo reino cristão.

Em Faro e Sintra, para dar o exemplo de dois palcos mais recentes, do folclore pseudo mourisco ("Arabian Days"), ou em Castro Marim (celebração com alguns anos de realização), a saga da animação repetitiva impera.

Nunca fui a Vila da Feira, onde me garantem estar sediado o Festival mais credível, em termos da ressurreição das evocações medievalistas. Estive o ano passado em Sortelha, onde também se festejou o tal passado imaginário.

Há nisto tudo um dado positivo:
1- para a retoma, pois é dinheiro que é aplicado na vida das Comunidades, circulando, através das tasquinhas e lojinhas, onde se provam pitéus e se guarda o "souvenir", para familiares e amigos.
2- Os artistas alternativos actuam: Por vezes, elas, dançando a dança do ventre, enquanto eles interpretam melodias trovadorescas, recolhidas em cancioneiros ancestrais.
3- Os jovens ficam a saber qualquer coisa de História, recorrendo depois, se houver curiosidade para isso, aos livros ou à net.

Vivam as recriações Históricas, que as Feiras e Festivais genuínos proporcionam!
Vivam os Municípios e outras entidades, que os promovem!
Vivam todos os participantes!

O problema reside naqueles festejos, que deixaram de ter a orientação inicial e se transformaram em meros momentos de desbunda alcoólica, que acabam por não prestigiar, nem as organizações, nem os frequentadores.


Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

Os Dias Mundiais Disto & Daquilo

Dias disto, dias daquilo. 
Da Mãe e do Pai, para dar a prendinha aos ditos cujos e o comércio vender mais uns produtos alusivos.
Dos Vizinhos e dos Amigos. Dos Namorados. Da Criança. Dos Avós....
Deste e daquele Santo (ou Santa). Para implicar romarias, procissões e a Igreja, também ganhar uns proventos.
Será que hoje, Dia da Fotografia, se venderam muitas máquinas de fotografar?
A Sociedade de Consumo, em que vivemos, tece as suas mil teias, de toda a forma e feitio. Shampoos que mudam de embalagem, manteigas daquela marca, que nunca tínhamos ouvido falar, toalhinhas para a incontinência, com perfumes estranhos, chás de tanta coisa, gelados com sabores inusitados, a lista é infinita.
Só gostava que cada dia tivesse o Ser Humano como escala. E que as fatídicas guerras, que se desenrolam em Gaza, na Ucrânia, na Síria ou no Iraque, não sujassem o comodismo dos consumidores. Ou a fome, decorrente do facto do consumismo não ser para todos. Que por esse mundo fora o Sorriso fosse a marca da pegada dos seres chamados racionais. 
E que, complementando este quadro, os animais fossem respeitados e o seu lugar (na Terra, no Ar e no Mar) fosse estimado e salvaguardado.
Porque todos dependemos de todos.
Que não houvesse incêndios. Que não fossem massacrados seres...
A pulga que salta na China, despoleta uma turbulência, algures, diz-se.
Oxalá que a lontra feliz num rio, pudesse originar poesia, na caminhada colectiva.
Mas tudo isto deve ser um sonho, de uma noite de Verão...Não devo estar bom da cabeça! A realidade é bem feroz!
E para nos embalar, novos produtos aparecem no mercado, todos os dias. Um sabonete com aromas exóticos, uma bolacha, com semente de papoila, um detergente com aloé vera, uma rapariga loira, na publicidade de um carro...
Não, hoje não comemoro o dia mundial da fotografia.

Luís Filipe Maçarico  (texto)

sexta-feira, agosto 08, 2014

Avalanche de Cantores Tugas, que Arremedam o Inglês Para Ganharem o Pão para a Boca

Não me lembro de ter abordado, em artigo anterior, o assunto que hoje me faz publicar nova opinião.
Trata-se da impetuosa corrente, do linguajar em inglês, presente nas nossas rádios. 
Como se tivesse sido derrubado um dique, guardador do lago - refúgio dos trovadores, amantes da fala da pátria da rainha Isabel...
São mais que as mães e cospem uma mixórdia, linguajada/uivada, que deixa embaraçado quem estudou inglês...

Honra e excepção para a Antena 1, que privilegia espaços de música portuguesa, geralmente com qualidade, seja nos programas e rubricas de referência, como é o caso da Alma Lusa, de Edgar Canelas, do Viva a Música ou dos Cantos da Casa, de Armando Carvalheda, Os Dias Cantados, cuja primeira série esteve a cargo de Viriato Teles...

Todavia, há pouco escutei um jovem empreendedor (debitando uma enxurrada de clichés, na língua mãe do grande colonizador, cuja associação também tem nome estrangeiro), tropeçar na nossa língua e vomitar uma "partilhação"...
Será que a culpa vem dos erros ortográficos dos professores contratados?

Entretanto, vale a pena relembrar que, a par da invasão de novos fadistas, também surgiu uma avalanche de cantores, mais ao menos jovens, que usam/arremedam o inglês, para ganharem o pão para a boca.
Tenho dúvidas, que a pronúncia destes/destas nóveis gorjeadores/gorgeadoras, algumas fanhosas, outras pastosas, - parece que têm o nariz entupido, ou a boca cheia de milfolhas,- esteja de acordo com o idioma, que escolheram, para cantarolar as suas dores de corno.

Aliás, conta-se uma saborosa anedota, a propósito de um dos cantores, nascidos em Portugal, mas que se exprime, insistentemente, em termos musicais, na língua de Shakespeare.
O rapaz, após gravar um disco, contactou uma produtora discográfica em Inglaterra...
O director escutou os temas, atentamente, e no final comentou: "Meu caro, você até tem uma voz agradável, mas esta língua...em que língua está o senhor a cantar?"

Eis o que acontece a quem pretende sobressair. Quando se trepa, em velocidade alucinante, a queda pode ser aparatosa. 
Por isso, deixem-se de pavonismos, ò moços empreendedores e mocinhas canoras!
É que não se percebe a vossa pronúncia, parola - pseudo - british. 
Será que se cantassem em português, teriam alguma coisa para dizer, diferente dos outros?
Não há pachorra para este folclore do ridículo.

Luís Filipe Maçarico
(texto e imagens)




domingo, agosto 03, 2014

10º Aniversário do Blogue "Águas do Sul": Uma década de vida não se evapora, na cavalgada dos dias.

A visão que temos do alto das serras ( Arga, Arrábida, Montejunto, Gerês, Marão, Gardunha) fazem-nos voar. O silêncio, a beleza e o sonho são possíveis nesses lugares.
O sonho foi aliás, a grande motivação para o nascimento deste blogue, em 1 de Agosto de 2004. Há DEZ ANOS! 

Sempre gostei de realizar sonhos, por isso insisto nesta palavra. 
Utopia não me atrai. Não concebo querer alcançar o inatingível. 
Por isso fiz viagens, livros e boas amizades. 
Colhemos o que semeamos, e nesse sentido não me posso queixar. Os amigos têm-me acolhido, ao longo da vida e partilhado a essência.
Quem não prestava, ficou pelo caminho...temos pena!!!

Mas voltemos ao blogue.Começou timidamente, com Poesia. Um dos primeiros poemas publicados no "Águas do Sul" aborda a Palestina. Infelizmente actual.

Este ano, entre outros assuntos, por aqui se falou de Praxes, A Morte Mediatizada, da Memória Colectiva e do Esquecimento, o Autocarro Alcântara-Rato, Artur Bual (Evocação, a propósito da exposição retrospectiva), Museu de Arte Popular, Retrato de Entre Douro e Trás-os-Montes, Quando Alguns Pretendem Ensinar o Povo a Respirar, "Tierra Alantre" o novo trabalho da Ronda dos Quatro Caminhos, Os Novos Censores nas Redes Sociais, Paulo Ribeiro, Poder Local Democrático? e A Morte do Património Elimina a Identidade...

Uma década de vida não se evapora, na cavalgada dos dias. Ficaram as marcas de um quotidiano intensamente vivido.
E sobeja a vontade de continuar, até que a força anímica e a criatividade deixe.
Parabéns a todos os que ao longo deste tempo foram lendo as emoções, os pensamentos, os poemas. E até sempre!

Natália Soares (foto no Gerês) Luís Filipe Maçarico (restantes fotos e texto)

sexta-feira, agosto 01, 2014

A Morte do Património elimina a Identidade

O ano passado, mais exactamente em Setembro de 2013, olhei de novo para o património imperceptível de uma vila que tanto me toca, em termos do meu percurso pessoal, da História local e dos afectos, e pensei: um dia destes tenho de inventariar e fotografar as aldrabas e batentes de porta existentes...
No final da Primavera de 2014, ou seja, nove meses depois, ao voltar à terra, desapeteceram-me poemas e vocábulos macios e luminosos.

Os diversos responsáveis autárquicos, poderes e oposições, têm estado desatentos.
No perímetro considerado zona a preservar, multiplicaram-se, como cogumelos, as portas de alumínio, com tonalidades que nada têm a ver com harmonia e tradição, quer-se dizer, nem sequer se imita a cor da madeira, desvirtuando-se das mais diversas formas o princípio da salvaguarda do centro histórico. E quanto às jóias saídas de forjas que não voltam, desapareceram, dando lugar a rutilantes e feias maçanetas e puxadores que evidenciam a ausência de interesse pelo trabalho dos velhos ferreiros.

Não é de agora, é certo. Há muito que janelas manuelinas ostentam persianas, estando o povo nas tintas para o património identitário, para a vaidade de poder apresentar portas, janelas, casas, ruas, com uma marca distintiva, qualitativa, que propicie o turismo, visitantes, riqueza cultural. As autarquias deveriam ter promovido o valor desses materiais.

Por outro lado, se a festa sazonal se confunde com outras, repetindo o ambiente de folia e bebedeiras, usuais noutras paragens, que atraiem multidões, para quê esforçarem-se para fazer diferente? 
O município respectivo perdeu o controle dessa festa reinventada, onde é possível assistirmos a tendeiros oriundos de freguesias do concelho não cumprirem as regras. E de alguns habitantes transformarem parte do território do evento, numa discoteca, que vomita puro ruído dia e noite, sem parança.

Os poemas tropeçaram em estrofes, como "terra mágica".
Tentei escrever. Mas a inspiração atrapalhou-se...
Nem a paz, nem a liberdade, nem o património sobrevivem à agressividade dos ignorantes. 
Só pode amar o património, a liberdade e a paz, quem conhecer o seu valor.

Luís Filipe Maçarico