"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, dezembro 29, 2014

O ADUFE E AS IDEIAS DE EL CID

José Cid, o mesmo que no tempo do Quarteto 111 interpretava "A Lenda de El Rei D.Sebastião", foi cantar a Idanha a Nova. 
Não se ficou, porém, pelo desempenho da sua actividade, apreciada ao longo de décadas, por um público que o tornou numa referência. 
Todavia e como se incarnasse o saber autorizado de uma Comissão Científica, resolveu, quanto a mim de forma leviana, defender a candidatura do Adufe a património mundial, cristianizando-o.

“De Idanha até Monsanto, do Perdigão a Marvão, quem não tocar bem adufe não deve ser bom cristão”. Um Amigo atento comentou esta bravata, própria de "Opera Buffa" e só possível porque temos uma geração de autarcas com pouca preparação para as questões do Património, aceitando tudo sem reflectir. Diz o meu Amigo, que se formou no seio de uma família de gente culta, interessada pelos costumes e tradições da Beira Baixa: "Enfim, o regresso da “tradição” estado-novista. Como são possíveis estas novas “materialidades” pseudo-populares e neo- patrimoniais? Na guerra contra a dita "desertificação" não, não vale tudo!"

Como não dependo de ninguém, em termos das minhas opiniões, achei que devia intervir e contribuir para esclarecer, quem temporariamente ficou com a mente embaciada, pois infelizmente as questões do património no nosso país, andam muito confusas, para não dizer maltratadas. Então, deixei esta opinião no Facebook da autarquia, que embandeirou em arco com a "brilhante" ideia do cantor...

Acaso quem dirige o Município de Idanha-a-Nova tem consciência das origens do adufe? Acaso o executivo e a assembleia municipal têm a noção que um adufe não pode pertencer a esta ou àquela religião, porque é um marco milenar do encontro de culturas e civilizações?Como antropólogo e sem qualquer sinal de arrogância de quem sabe tudo, pronuncio-me acerca deste assunto desta forma: reconheço que Idanha tem um trabalho magnífico em termos do Centro Cultural raiano, da sua mostra sobre o mundo rural, mas considero deplorável que um cantor, por muito mérito que tenha enquanto tal, influencie - ainda por cima no sentido de patrimonializar um objecto comunitário, cultural, de tão grande valor - as mentalidades, encerrando-as num beco sem saída. O adufe só poderá ser património da humanidade, com o seu irmão duf que se toca do outro lado do mediterrâneo, em comunidades islâmicas. Basta de margens desirmanadas. O Mundo precisa de Paz!!!

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos: 1 - Animação num aniversário da "Aldraba", Associação do espaço e Património Popular 2 - Maria da Ressurreição Rolão, senhora que tocou adufe e que chegou a ir com o grupo das Adufeiras de Monsanto à Jugoslávia.)

sábado, dezembro 06, 2014

VISIONARISMO BRILHANTE




A semana passada, como tinha um encontro, marcado para a tarde de sábado, perto da igreja de Santo Condestável, e como a carreira 773 estava muito demorada, apanhei o 727 para o Rato, onde apanharia o 709, rumo ao meu destino. Só que no quadro electrónico, que anuncia o tempo que demora a chegar o autocarro pretendido, não constava o 709. Apenas me restou apanhar um táxi, para chegar a horas…
Isto fez-me lembrar o que me aconteceu uma vez, quando me desloquei à sede dos Amigos de Lisboa, para apresentar um power point, sobre o imaginário popular, em torno de Santo António. À saída (a meio da tarde) recusei boleia (bem parvo fui) e fiquei numa paragem da Av. de Berna, à espera do autocarro que passa nos dias úteis em Alcântara - Terra. Só que ele nunca passou, era sábado…

A capital, através do visionarismo brilhante, dos iluminados dirigentes da Carris, tem agora os bairros mais distantes entre si, graças à supressão de autocarros, que sábado à tarde, domingos e feriados deixam de circular, como o 709 (entre Campo de Ourique e os Restauradores) ou o 56 (entre a Junqueira e as Olaias).
Lisboa ficou ao nível das aldeias longínquas, esquecidas, do país real, desse país profundo, onde as vacas riem, como alguns asseguram ter visto.

Quem, nesta quadra, deseje sair da residência e pretenda ir ver as iluminações de Natal ou assistir a um espectáculo de revista no velho Parque Mayer, mas tenha mobilidade reduzida, por não possuir veículo próprio ou padecer de constrangimentos físicos, deverá prostrar-se frente ao televisor, pois não lhe restam grandes hipóteses de contacto com o mundo…

Os transportes públicos, como esta amostra exemplifica, existem para levar os trabalhadores de casa para o trabalho e vice- versa.
A possibilidade do desfrute da cultura e do lazer, não é admitida na mente dos responsáveis pelos transportes de Lisboa.
Assim, cada um deve ficar numa espécie de prisão domiciliária, nos dias de descanso. 
Se isto é uma democracia, vou ali e já venho…

Luís Filipe Maçarico ( texto e fotografia)

POBREZA MENTAL



 

Sintoma de um Portugal rançoso, em que a estupidez se insinua, no contacto e nos gestos, a todo o momento, somos interpelados, na Rua das Portas de Santo Antão, entre a Casa do Alentejo e o Palácio da Independência.
Indivíduos, por vezes boçais e de aspecto chungoso, tentam aliciar quem passa, para almoçar, neste ou naquele tascório.
Lembram os seus pares, bem menos agressivos e com melhor farpela, no Cais de Cacilhas, recomendando caldeiradas e petiscos imperdíveis.
Fantasmáticos, parecem saídos da defunta Feira Popular, onde também havia gente assim, pegajosa.
Dir-me-ão: É uma forma de terem um emprego…
Calar-me-ia, se estes angariadores de clientela entre os passantes, não efectuassem uma abordagem despropositada, excessiva, inconveniente e até insultuosa, caso a pessoa se recuse a seguir o conselho. E aqui é que “a porca torce o rabo”…
Apetece dizer a esses promotores falhados: Eu tenho olhos, sei que o seu restaurante tem menú à porta e também sei ler. Só que não tenho vontade de comer, e muito menos vou ter, com a sua voz a incomodar-me os tímpanos…
Porque se insiste neste postal horrível, do tempo da ciganita Dora que lia a sina e do comboio do terror, no Luna - Parque, de Entrecampos?
Há lembranças do passado que me causam náusea. Esta é uma delas, pela subserviência dos pregoeiros de um tascório e pelo desespero de varejeira que extravasam. É sinal de uma pobreza mental de onde afinal, não obstante todas as modernidades e evoluções propaladas, nunca saímos…

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)