"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, maio 30, 2021

“GENTES QUE MARCAM A VIDA DA GENTE”, DE ROSA CALADO”: TESTEMUNHO DRAMÁTICO DE UMA SAGA EXPERIMENTADA, ONDE PERPASSA O REALISMO MÁGICO E CINTILA UMA LINGUAGEM FLUIDA"






Em boa hora a Colibri editou este livro - “Gentes que Marcam a Vida da Gente”.

O título não podia ser melhor escolhido, pois define todo um repositório de conhecimentos e experiências, onde o Povo de Ferreira do Alentejo protagoniza esta saga.

 

Escrito no tempo disponível que o segundo confinamento proporcionou à autora, é resultado de uma memória pujante acerca das vivências marcantes da sua aprendizagem, enquanto pessoa, observando a geografia humana em redor, do sul das injustiças à capital do Império, donde emanavam as restrições.

 

“Gentes que Marcam a Vida da Gente” recorda as transformações de toda uma época, desde uma Pensão que era o Microcosmos da Comunidade, onde Rosa Calado, aliás Teresinha, criou as suas raízes.

A “informação experimentada” dá-nos a conhecer o mundo dos rendeiros agrícolas, dos seareiros, dos pequenos lavradores, das meninas descalças e dos que lutaram contra a ditadura, sendo o tio João o herói, expoente máximo na Vila, dessa luta sofrendo prisões e torturas.


Com um néon luminoso, a “Nova Pensão” tinha a porta sempre aberta.

A mãe, exímia cozinheira usava com mestria os ingredientes da terra, enquanto o pai era exemplar na arte de receber, cativando pelo sentido de humor.

Teresinha adorava ler Poesia, privilegiando o Teatro, que fomentou em adulta, encenando muitos dos seus alunos.

Os hóspedes eram notários, oficiais das finanças, professores e médicos, entre outros funcionários públicos.

 

O espaço foi-se renovando e ampliando fazendo juz ao nome. Teresinha cirandava e brincava escutando ao pai frases que transmitiam valores. Que a Terra estava mal distribuída, que os padres - dos quais se esperavam atitudes fraternas, com humildade e amor ao próximo - pela postura altiva mereciam o anticlericalismo militante dele.

 

Fala-se de Maria, oriunda de Huelva, que servia as refeições e higienizava os quartos, dos tontinhos e da cadeia que tanto impressionavam Teresinha, bem como dos embuçados com fome mas muita dignidade, que recusavam a caridade, detestada por José, o pai.

 

Autobiográfico, com palavras bem escolhidas, Rosa Calado pinta telas onde a marca profunda da estratificação social e o controle do regime impunha e formatava costumes, tradições e mentalidades (p. 70); como um clarão irrompem nas descrições onde a PIDE aparece, através de homens cinzentos e a miséria afronta os pensamentos pueris da jovem.

 

No ciclo anual das Festas, há Mastros, Presépios, Férias nas Caldas de Monchique, o cinema na esplanada cujo écran possuía a dimensão daquele que era possível fruir no Monumental de Lisboa e a Feira Franca, com uma barraca de sopa dos pobres, exibindo a caridadezinha odiosa.

 

Os anos 60 trazem sinais que irão enfraquecer o Estado Novo. A Guerra de Angola, a Fuga de Peniche, a queda de Salazar.

Depois da escola e do colégio, dirigido por um padre que insulta a família de Teresa, da revelação de um suicídio, da percepção do clube dos ricos, restritivo e da associação recreativa, acessível a todos, surge o Liceu de Beja, onde Martinho Marques, o prefaciador, era colega da autora, realizando-se uma inesquecível excursão a Sevilha, Granada e Córdova. A evocação de Gonçalves Correia, o libertário que soltava pássaros das gaiolas e as eleições de 69 são igualmente marcantes.

 

Já em Lisboa, primeiro na Faculdade de Direito, onde tem um professor chamado Marcelo Caetano, que virá a ser primeiro - ministro, tentando maquilhar o regime, Teresa casa-se com Francisco, mudando para a Faculdade de Letras.

 

As leituras, desde “O Romance da Raposa” de Aquilino e “Constantino, Guardador de Vacas”, de Redol, livros oferecidos pelo tio João, Urbano Tavares Rodrigues, Maria Judite de Carvalho e Manuel da Fonseca, são autores de referência que vai descobrindo.

 

Não é por acaso que a narrativa termina com um belíssimo poema de Eduardo Olímpio, após o testemunho do decisivo desempenho do pai, que influenciou o irmão João para abraçar a resistência, o pai “fazedor de trilhos”, culminando no Abril de todos os sonhos.

 

Para trás ficavam as tias, a mercearia, a beata que nas procissões se punha debaixo do andor, humilhada por um clérigo, o anão sábio e tantas figuras que Rosa Calado apresenta ao leitor.

 

“Gentes que Marcam a Vida da Gente” lê-se de uma assentada, tal é a fluidez da linguagem, o encantamento, o prodígio de uma infância feliz, o cenário com escala humana de desigualdades e combate político.

Pela força dos episódios contados, há qualquer coisa de realismo mágico em certos momentos do texto.

Por isso, parabenizo Rosa Calado e Fernando Mão de Ferro, por esta aventura.

Recomendo vivamente “Gentes que Marcam a Vida da Gente”. E aplaudo!

 

Almada, 10-5-2021

Luís Filipe Maçarico (Antropólogo e Poeta)

Reportagem Fotográfica: Fernando Duarte. Intervenções, entre outras, de Rosa Calado, Eduardo Olímpio e LFM. Com Maria Eugénia Gomes e Maria José Balancho. E a assistência.

sábado, maio 22, 2021

A Trepadeira de Alcanena e o País dos Excessos sem Culpa


De Norte a Sul, ao fim de semana, muitas localidades parecem aldeias (ou vilas) fantasma. Verifico isso já desde o tempo da troika. Em Lisboa, a Rua dos Fanqueiros nessa altura era um imenso deserto de lojas fechadas. Muitos edifícios, porque os proprietários envelheceram, faleceram ou desinteressaram-se, ou os próprios filhos tiveram a mesma atitude de abandono, viram crescer as trepadeiras como é o caso da fotografia que partilho, realizada esta tarde em Alcanena, onde vários palacetes oferecem o ar desolador bem visível na janela invadida por uma trepadeira, perto da Biblioteca Municipal.

Enquanto isto, no Algarve exige-se que para enfrentar a concorrência do turismo inglês em Espanha, não seja pedido a quem chega da Inglaterra um documento comprovativo de imunidade ao Covid...
A Sic mostra os ingleses (80% dos hotéis cheios) a curtir sem máscara e papalvos como eu estão há quase ano e meio a usar máscara e a viver com mil cuidados. 

Somos mesmo o caixote de lixo dos que têm dinheiro para comprar um país de pedintes, onde empresários com muitas aspas tentam influenciar decisões, porque a economia é a deusa de todas as vontades. 

Ao mesmo tempo, a pandemia agiganta-se em Lisboa e os especialistas dizem que o descontrole dos festejos leoninos levou a mais este retrocesso. 
Ninguém teve culpa. Mas as consequências sofremos todos. 

A trepadeira é o tempo a invadir tudo, antes da derrocada. E gente benfazeja fala da imunidade de grupo, havendo entidades super protectoras que em desespero inventam que só gente da mesma família se pode sentar lado a lado ou frente a frente num restaurante.

Será para levar a sério, este país?

LFM (Textoe e foto) 

Alcanena, Concelho Rico em Património









A pretexto da apresentação no Teatro São João, do 14º livro de Zulmira Bento, acerca do rico património de Alcanena ["Da Serra ao Rio"], com belas aguarelas que revelam locais igualmente ilustrados com poesia de exaltação da paisagem e de templos, o dia de hoje foi de viagem até à terra mágica, visitada na juventude, em excursões escolares às nascentes do Alviela (Olhos de Água).

As imagens aqui ficam para documentar alguns pormenores observados, que têm merecido daquela autora um olhar especial, das chaminés aos cataventos, passando pelo minderico.

Vale a pena conhecer os recantos de Alcanena, tão bem exaltados nos livros de zulmira Bento, cujo trabalho de toda uma vida é dedicado essencialmente à sua pertença identitária, surpreendendo o leitor que deseje conhecer melhor este território singular.

Luís Filipe Maçarico (Texto e Fotografias)



quinta-feira, maio 13, 2021

Caminhada até ao Cristo-Rei numa tarde azul

 


O Cristo Rei é um miradouro privilegiado sobre Lisboa e o Tejo, além de constituir um belo parque de oliveiras e palmeiras, por onde apetece caminhar, desde o Seminário de Almada até ao velho núcleo do Pragal. Sempre que posso, faço a caminhada e desfruto de uma paisagem única. Lisboa é bela vista de longe... Nos dias azuis, como aconteceu no início desta semana cinzenta, é um desafio que vale a pena.

LFM (apontamento escrito e fotografias)