"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, novembro 24, 2017

Pedro

O puto que fazia jornais de parede, na casa dos pais jornalistas, no Campo Grande, chamava-se Pedro e era um miúdo bem disposto, que tratava a língua com enorme elegância. 
O pai fazia o "Crocodilo" numa revista semanal, gozando com o que lhe era permitido gozar (durante o tempo da censura) e a mãe, que fora a primeira relatora em directo na rádio, de futebol, descobriu jovens poetas na Tele Semana e prosseguiu no "Sete", mais tarde na "Capital" o seu desempenho, valorizando a Cultura, a todos os níveis.
Ao longo da vida, Pedro Rolo Duarte desenvolveu inúmeros projectos, imbuídos de espírito crítico, indagou sobre Artes e Percursos, saboreou a Música, celebrou o prazer de produzir informação de qualidade nos jornais, na televisão e na rádio.
Acompanhei-o - em cada manhã de sábado, - escutando o "Hotel Babilónia", com o não menos divertido e culto João Gobern, o qual, agora, fica sem a companhia fundamental do Pedro, facto que vai ditar o fim do programa, que terá mais duas semanas de existência, dedicadas ao resistente jovem.
A notícia feriu-me pela injustiça de uma respiração interrompida, quando ainda tanto tinha para dar, pela sabedoria, pela partilha, pelo espírito bem humorado, e por ser filho e irmão de duas Amigas muito queridas, a quem apresento os meus sentidos pêsames.
À Maria João Duarte e à Fátima Rolo Duarte, o beijinho triste, onde a poesia fica em silêncio. Com lágrimas.

Luís Filipe Maçarico (texto) Fotografia (recolha na Internet)

terça-feira, novembro 14, 2017

JACOB

Jacob teve por dona, em época distante, uma mulher agreste.
Tornou-se por isso um bicho árido, para seres humanos do sexo feminino, cujo timbre de voz reconhece, atacando.
As senhoras queixam-se das suas investidas intempestivas.
Evitam a aproximação e o animal sente a rejeição.
Todavia, Jacob não reage de igual forma com homens.
Escuta-os com deleite, interage, comunica com eles, repetindo loas, aprendidas no longo tempo da sua vida passada de gaiola em gaiola, de proprietário em proprietário...
Porventura, quem o criou, em cativeiro, traumatizou o psitacídeo.
Terá gritado ou agido com modos tais, que ficaram gravados no cérebro da ave.
Enquanto se delicia com fruta, bolachas e sementes, aconselhadas para a sua espécie, Jacob ouve com atenção os homens que lhe falam ao pequeno coração.
A sua sensibilidade manifesta-se nessas delicadas reacções.
Jacob é uma papagaia, quem sabe se também revoltada pelo equívoco do seu baptismo.

Luís Filipe Maçarico
Almada, 2 e 14-11-2017.