"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, outubro 30, 2015

O Texto de Cristina Pombinho na Apresentação do meu Vigésimo Livro de Poesia




Apresentação do livro É de Noite que me Invento, de Luís F. Maçarico

O maior desafio da apresentação do livro do Luís, não é apreciar a sua escrita, nem as suas características enquanto poeta, mas é distanciar-me da apreciação que estou a fazer, uma vez que a minha história confunde-se também com muito do que o Luís escreve. E a leitura deste livro em particular não deixa de ser um mergulho no meu próprio passado. Muitos dos poemas que aqui encontramos são um pedaço de tempo em que eu também participei. Conheço as histórias que conduziram às emoções partilhadas nestes poemas. Ao lê-los, dou por mim a reviver também alguns dos momentos da minha própria história. O eco dos sentidos, dos pensamentos, das emoções expressos nestes poemas ainda me assomam à memória. Tenho que confessar, portanto, que não poderei ser imparcial. Tentarei, no entanto, olhar para as palavras que aqui nos são doadas com a imparcialidade possível de quem olha, por vezes, para si próprio, mas de uma outra dimensão.
E a poesia é, de facto, uma outra dimensão da realidade na qual nos é permitido eventualmente participar. É, todavia, uma dimensão tremendamente real, porque vem despida de falsidade e cuja racionalidade, indispensável para a compreensão humana, vem filtrada pela emoção de quem sabe ser essa a essência própria do Ser.
Conseguir traduzir para a neutralidade dos símbolos verbais a essência do que somos é, pois, uma das maiores virtudes da poesia do Luís. As palavras perdem assim o significado literal que a conceptualização lhes atribui, para se transformarem em seres viventes, dotados de autonomia e significado próprio. Compreendê-las é conectarmo-nos com o que misteriosamente ocultam. Diz-nos o poeta em Caligrafia do Silêncio:

Escutas o coração
Batendo descompassado
Tens a noite nas veias
A gastar-se
Como areia entre os dedos
Escutas o que não podes ouvir.

Assim, as palavras que dançam nos poemas do Luís surgem por vezes nuas, embora prenhes de significado, vazias, porque surgem como veículo do não dito, do próprio silêncio, embora prenhes da vida quotidiana também dos outros. A poesia do Luís fala da vida de todos nós, mas como se cada instante da vida de todos nós tivesse a beleza da originalidade que ninguém mais partilha:
E dou-te voz, oh discreta
Anónima
Mulher
Dos eletrões
Transformados
Em crochet
No pandemónio
Dos engarrafamentos
Ouvindo palavrões
Mastigando
Lentamente
A tosta
Da dieta
E da paciência
Enquanto eu
Transpiro
Utopias
Para voltar a casa
Com os bolsos
Transbordantes
De palavras

Estou
Onde está
O povo.

(Excerto do poema Oração, in É de Noite que me Invento,)

Falámos aqui duma dimensão mais intimista da poesia do Luís, aquela que, porventura, se pode coadunar mais a este livro e a outros como Da Água e do Vento, A Essência, Íntim(a)idada, A Secreta Colina, Geografia dos Afetos ou Caligrafia do Silêncio. No entanto, o Luís sabe descer também a uma dimensão mais terrena, consciente da dimensão social do homem, escreve também sobre os valores que nos tornam coletivamente humanos. Lembro-me que a nossa amizade começou numa “Marcha da Paz”, há já alguns anos. A luta pelo bem-estar social e pelo bem comum tem sido uma constante dentro da sua versatilidade poética e humana, não só aqui do lado mais próximo de nós, mas também do lado que fica um pouco mais distante:
Teu nome, Palestina,
Também faz parte de mim:
Não é possível sorrir
Se choras; não consigo
Cantar se morres.

(Excerto do poema Teu Nome, Palestina, in Geografia dos Afetos)

Não completamente desligada desta vertente social, surge talvez uma das suas mais significativas marcas, a poesia ligada às viagens, onde está presente o seu lado cosmopolita de cidadão do mundo e a afirmação imponente das suas raízes. Tunísia, Itália, Beira Baixa, Alentejo e, claro, Lisboa, são alguns dos pontos do nosso mapa humano evocados em livros como Mais Perto da Terra, Lisboa Asas de Água, Os Pastores do Sol, Vagabundo da Luz, O Sabor da Cal, Os Peregrinos do Luar, Lisboa, Cais das Palavras, A Celebração da Terra, Pegadas de Luz, Ar Serrano, o belíssimo Cadernos de Areia e Transumância das Pequenas Coisas. Em todos estes livros se manifesta a sua vertente de pintor. O Luís sabe pintar com as palavras e é nos livros relacionados com as viagens que talvez seja mais fácil detetar esta qualidade poética, embora naturalmente cada livro seja uma mistura e uma osmose de todas estas características.
No poema Ksar Guilane, do livro Os Pastores do Sol, oferece-nos esta tela:

Eu vi o deserto
A sua pele de ventos
E os corvos nas dunas

Eu vi a esmagadora
Boca de areia
Na tarde de lumes.

Temos ainda um Luís biográfico, contador de histórias da sua própria vida, cujo livro mais significativo talvez seja o Degraus. Aqui, o Luís é, por vezes, quase criança, estatuto que, aliás, nunca abandonou, com todas as vantagens e desvantagens que isso possa acarretar. O Luís continua uma criança grande que carrega eternamente a sua própria infância:



Via os outros
Chamavam-me
Mas eu não podia sair
Era um menino bem comportado.

À janela
Ouvindo pássaros
Vendo gente e árvores
Mas a querer ir com
Os outros, ir com
Os pássaros de lugar
Em lugar a desinquietar
Os meninos fechados em casa
Para serem bem comportados.

(À Janela in Geografia dos Afetos)

Este seu estatuto de criança permitiu-lhe ainda escrever para estas. Calculo que na dificuldade da linguagem própria das crianças, ele se sinta dentro da sua própria essência. Para quem não conhece recordo livros como A Princesa Joaninha e o Lagarto Saltitão, Azedal Sarzedar e a Manhã de Abril, A Rapariga das Magnólias, A Janela do Armador, O Mistério da Rua Suja, O Sonho de Timor e Flor de Sementinha.

E o amor… que poeta não escreve sobre o amor? Nos poemas de amor do Luís somos eternamente jovens, mas ao contrário de Dorian Gray, de Wilde, assumimos os dias que desenham as suas marcas no corpo que envolve uma alma sem idade:

Esta noite, na velha pedra das igrejas
As estrelas vão florir longe da água
Dos nossos olhos. Já não somos esses
Dois sorrisos que ofereciam sonhos às
Estátuas…

E se ainda deixamos pegadas na memória
De antigos versos, é porque teimamos
Em rezar a uma lua que é sempre bela.

(Jardins de Outono in Caligrafia do Silêncio)
Longe de ser exaustiva relativamente aquilo que é o Luís e a sua poesia, saliento apenas o carater experimental da sua atividade poética. O Luís sai da sua zona de conforto e arrisca ser diferente, seja através das pinturas em toalha de papel que desenha com café, seja através de uma brincadeira que há anos inventámos e que autodenominámos “manancialismo”. Ousámos então, nessa altura, sermos os percursores de uma nova corrente literária que consistia na construção de poemas a partir de um manancial de palavras que considerávamos significativas do ponto de vista poético. Julgo que foi por essa época que, em conjunto com mais duas amigas, escrevemos um livro de 69 quadras dedicadas às galinhas, que se chamava O Suave Milho D’Outrora, de que guardo religiosamente o manuscrito escrito pelo Luís. É coisa para dar cabo de qualquer reputação poética. Os poemas manancialistas não eram, portanto, nada de espetacular, mas esse exercício ajudou-me a crescer na arte da escrita e também contribuiu para que hoje consiga apresentar com alguma leveza e fluência esta articulação de palavras que hoje aqui vos trago.

Finalmente, existe claramente uma evolução poética, ao longo do percurso do Luís. Assim, não poderei afirmar que este é o melhor livro do Luís. O que vos posso dizer é que é um livro que vale a pena ler, mas acreditem que a poesia mais recente do Luís é ainda melhor. Embora sendo naturalmente um poeta, hoje ele é um poeta qualitativamente melhor, a sua técnica aprimorou-se e a maturidade trouxe-lhe a lucidez e a arte que só anos de vivência permitem a quem os sabe aproveitar.
Os anos e os laços que nos unem permitir-lhe-ão desculpar-me a inconfidência de vos dar a conhecer um poema de há já muitos anos, belo como tudo o que o Luís escreve, mas onde a diferença entre a poesia da juventude e a da maturidade estão patentes, embora a identidade que o constitui nunca o tenha abandonado:
A Língua

Sem ela o homem
Não podia dizer sol

Sem ela o menino
Não podia chamar
Amigo ao outro menino

A língua
É um pássaro
Que vai até
Onde nós quisermos
Reitero o que disse no início, é-me difícil, pela proximidade, fazer uma apreciação da poesia do Luís. Não o vejo como poeta. Para mim o Luís é o Luís e ponto final. Mas ontem fiz um esforço e com os seus livros na mão, embora não tenha gostado de todos de forma igual - tenho, entre eles, alguns amantes secretos -, pensei ou, mais do que isso, senti, juro-vos que senti que tinha nas mãos um dos melhores poetas portugueses.

 
Cristina Pombinho
29 de outubro de 2015

quarta-feira, outubro 28, 2015

É DE NOITE QUE ME INVENTO

Quem gosta de Poesia, pode aparecer neste dia 29 de Outubro, na Casa do Alentejo, pelas 18:30h e assistir ao Lançamento do meu 20º livro de versos - "É de Noite Que me Invento".
Os actores Flávio Gil e Luís Castanheira dirão poemas deste livro. 
Carlos Ferreira (sociólogo) e Cristina Pombinho (Professora) apresentarão o Autor e a Obra.
Bem hajam!

Luís Filipe Maçarico

Cartaz elaborado por Elsa Lopes/ Biblioteca da Casa do Alentejo

O FIM DE UMA INJUSTIÇA ou como os monstros de Moebious se acobardam no anonimato para atacar quem defende a qualidade de vida

Em 15 de Agosto deste ano escrevi neste mesmo espaço:

"O movimento excessivo de transeuntes (essencialmente turistas, destes que visitam a cidade nos poluidores Tuc Tuc, que fazem lembrar países do terceiro mundo e não são controlados, porque pertencem a gente influente), lembra-me o Natal, embora com temperaturas altas.
Os autocarros (a carreira 714, por exemplo, entre a Praça da Figueira e o Parque de Campismo) andam sobrelotados, atraem os ladrões do eléctrico das colinas, o que cria um ambiente péssimo, e no sentido inverso, no passado domingo, ao fim da tarde, nem paravam na paragem onde graças a uma boleia preciosa cheguei à Trindade, onde sugerira jantar.
A Trindade está uma mistificação - e como tudo o que foi reformulado para turistas, tem um serviço de cozinha caro e insuficiente. Piroso, com um novo riquismo, que transformou tudo aquilo num cenário de convento sublinhado a traço grosso, com empregados fardados como se fossem frades... O velho bife evaporou-se numa banalidade, com molhanga, que não convence o gasto...
Esta semana passei pela Adega da Mó, com a Fernanda e o Luís, ele comeu ensopado de borrego e nós, umas iscas, mais parecidas com a velha gastronomia de Lisboa.
Na Rua Augusta vi um jovem casal estrangeiro, almoçando batatas fritas com pacotes de mostarda e molho de tomate. Temo que a afluência desmedida desta gente, traga consigo o que já se evidencia: Hostels a nascer como cogumelos, mesmo em enxovias, ou será que é normal há semanas atrás me terem relatado que jovens hospedados numa coisa dessas andavam à procura de um sítio para tomar banho? A desaparição das ementas da boa gastronomia portuguesa, pelo menos na capital. O surgimento da Casa do Pastel de Bacalhau com Recheio de Queijo da Serra, é disso exemplo. E não me venham com a conversa da inovação para aceitarem esta inversão de valores...
Pergunto, o que lucramos com tais turistas, confundindo-nos com "Marrocos da Europa", - designação que li há anos, indignado, num site inglês, - uma vez que estas hordas de indivíduos, que parecem ter o olhar perdido no casario, captado apressadamente do veículo barulhento e veloz, que custa caro e quase voa,  impossibilitados de rumarem para os países baratos, assolados pelo terrorismo, onde não se juntavam com os autócones, devorando as salsichas das suas adoradas Alemanhas...
As pensões aumentaram? Os salários melhoraram? Os impostos foram reduzidos?
(...) Sou contra esta invasão, que origina o desbragamento.
Sinto-me - face a estas multidões que não sabem ver - a perder qualidade de vida na cidade.
E ninguém me consegue convencer do contrário, porque enquanto alguns (disseram-me que uns ingleses gozaram com a nossa gastronomia numa das televisões) se divertem, bebendo e comendo por muito menos do que gastam nos seus países, eu tenho de fazer um exercício mensal para equilibrar o orçamento.
Ainda por cima este é um dos Verões mais quentes de sempre, o que torna insuportável ter de levar com visitantes sem a qualidade, que só os Ministros enxergam e aplaudem, neste tempo irracional."
Nessa altura, um anónimo (como só certos personagens das trevas gostam de, a coberto do estatuto que lhes dá o cobarde esconderijo) ripostou e vomitou - só agora publico - "Não tem o mínimo sentido o que escreveu.!!Acho que quer ver a baixa deserta novamente e só para você!!! "

Pois  é com imenso gozo que transcrevo o "Público" de hoje.
A minha visão não terá sido única e pelos vistos estava mais que certo!
Muita gente deve ter detestado o que aconteceu este Verão, e por isso os TUC TUC e com eles a superficialidade dos invasores, travestidos de turistas, que nada acrescentam à nossa qualidade de vida, está impedida pelo próprio Município de perturbar a vida em alguns bairros antigos.
Milagre do Doutor Sousa Martins, que tantos devotos tem na cidade? Ou do nosso querido Santo António?

A exploração oportunista, misturada com os bem intencionados, chegou ao ponto de abrirem todos os dias sessenta alojamentos para estrangeiros, - que nem sempre são lugares de referência, deixando aqui a informação de uma dessas espeluncas, com beliches, vulgo hostel, cujos utentes, como vagabundos, andavam no largo onde resido a implorar onde poderiam tomar banho, pois a estrebaria tinha os wc impraticáveis.
Onde andará a ASAE e todas as fiscalizações, sempre a lixarem a cabeça aos mesmos, deixando proliferar, mantendo até as tascas propícias a doenças do foro gástrico, quiçá hepático...

Coitado do "patriótico" anónimo, que vê nas hordas, oriundas da estranja, uma fabulosa entrada de divisas e de animação. Só ele vê....
De certeza que no sítio onde habita, a algazarra não é companhia. Geralmente, são estes seres dignos das bandas desenhadas, de autores como Moebious (leia-se monstros, sem humanidade) que mandam postas de pescada, pretendendo atrofiar quem luta pelo bem estar colectivo, insultando.

Temos pena! A vida ainda faz sentido para os que gostam de viver, com projectos, sonhos e respeito pelos outros e se recusam a ser subservientes, a viver de joelhos num país que tem sido capacho para quem vem aqui procurar o El Dourado...
Ora desfrutem esta notícia que anuncia o fim de uma aberração:

quarta-feira, outubro 21, 2015

O COSMOS E O RETORNO

 
"Quando uma porta se fecha, abre-se uma janela...." diz o Povo. 
Como acredito no Cosmos e no retorno, penso que se colhe aquilo que se semeia. Não guardo ódios em caixinhas chinesas, pois isso alimentaria doenças.... Durmo tranquilo...

Nesta fase da minha vida, os desafios sucedem-se. E não deve ser por acaso. 
Cada dia que passa tento ser uma pessoa melhor. Reflicto sobre a caminhada, na pessoa imperfeita que fui, naquilo que tentei fazer de positivo pela Comunidade, nos sonhos que desejei realizar e dos quais nunca abdiquei, enfrentando todas as adversidades, no afecto que me salvou, através da partilha da escrita, superando a injustiça, a ingratidão, a barbárie, dos que vieram ao mundo para empurrar os outros para o caos.

Um dos meus lemas foi a constante aprendizagem. Por isso fui estudando, sempre rodeado de gente nova, que me ensinou coisas luminosas. 

Há um poema em que digo "Não lamento nada", pois a perda é uma das mais duras aprendizagens desta precária passagem.
Perdemos mortos que ficam vivos, pois há quem dê mais valor ao dinheiro, às contas de mercearia, e ao ver que não servimos, para concretizarem o seu vampirismo, inventam estigmas, criam cenários, magoam, põem-nos de lado. 

Porém, há amigos verdadeiros, que atravessaram décadas e continuam ao nosso lado, estimulando o percurso.

Sábado 31 de Outubro irei a Serpa, à Casa do Cante (18h) apresentar os meus versos (este ano levei-os até Morille (Salamanca), União das Juntas de Freguesia do Feijó e Laranjeiro e Fórum Romeu Correia, em Almada).
Sexta 18 de Dezembro, a Poesia levar-me-á a Viana do Castelo e no próximo ano, em Março, estarei no auditório da Rádio Cova da Beira, no Fundão.

Tudo convites. As pessoas conhecem-me e valorizam o meu trabalho.
Mas o Poeta também é Antropólogo, e enquanto tal, num dos primeiros sábados de Dezembro, passarei pelo Politécnico de Beja, para participar num Encontro sobre o Cante.

Na próxima quinta 29, pelas 18:30 na Casa do Alentejo, será apresentado o meu 20º livro de poemas, que se chama "É de Noite que me Invento".
Cristina Pombinho e Carlos Ferreira falarão do livro e do autor.
Luís Castanheira e Flávio Gil dirão poemas do livro.

Citando Sérgio Godinho, na canção "Liberdade": "Só quer a vida cheia/ quem teve a vida parada".

Luís Filipe Maçarico


sábado, outubro 10, 2015

Já se Pode Fazer Tudo? Ou como uma porta deixa de ser emblemática em Mértola

Durante anos, por ocasião do Festival Islâmico, a Câmara Municipal de Mértola recuperava uma velha porta, com dois batentes em forma de mão e um design original, com a representação de quatro arcos em ferradura, que o imaginário de um velho carpinteiro terá criado.
Um Mestre, funcionário do Município, ocupava-se todos os Maios, de dois em dois anos, desta porta singular. Cheguei a fotografar (Maio de 2009) a porta e o operário, por isso posso agora mostrar o que aconteceu....
Em Setembro deste ano, frequentei na bela vila do Baixo Alentejo, um Curso Livre sobre Patrimónios do Mediterrâneo e de repente, ao passar na rua onde é costume debruçarmos o olhar, para alcançarmos os horizontes poéticos, por onde se derrama o Guadiana, a porta mais bonita tinha dado lugar a uma coisa clean, tipo porta de consultório médico, com maçaneta de alumínio, desconhecendo-se se a ideia foi dos novos proprietários - empresários de alojamentos e de vários espaços comerciais - ou de um/uma arquitecto/a, que pretendeu deixar a sua marca, no casco velho do histórico casario. 
Ninguém reagiu.
Os meus amigos de Mértola que me desculpem, mas parece que o património imperceptível é coisa de somenos importância, não só no Norte, como aqui tenho documentado....
Afinal, já se pode fazer tudo?

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

segunda-feira, outubro 05, 2015

Levei a Minha Poesia ao Serão de Cante e Poesia Alentejana, Sábado passado, em Almada

Na noite de Sábado 3 de Outubro, tive a honra de dizer versos de minha autoria, no Fórum Romeu Correia, em Almada, com Rosa Dias, Amiga e Poetisa de Campo Maior, de forma intercalada e no final, em conjunto, durante uma sessão de Cante e Poesia, que levou àquele palco os seguintes Grupos: "Associação Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alentejo do Feijó", "Grupo Coral Os Vindimadores de Vidigueira", "Grupo Coral dos Trabalhadores de Alcáçovas", "Grupo Coral Vozes de Almodôvar" e "Grupo Coral Feminino Recordar a Mocidade do CIRL".
A Antropóloga Ana Machado, presente na assistência foi brindada com a declamação de um poema seu, o que constituiu uma revelação para o público, que aplaudiu a surpresa com muita intensidade.
Aliás, a plateia não regateou aplausos aos participantes no evento. Ouviram-se modas como "Vai colher a Silva","Ó águia que vais tão alta", "Trigueirinha", "Alentejo, Alentejo" e" Meu lírio roxo do campo", de entre as vinte modas que os cinco grupos repartiram entre si.
"Alentejo és nossa Terra" foi cantada por todos em palco.
O representante da MODA e o Presidente da Assembleia Municipal de Almada fizeram intervenções, realçando a riqueza deste património identitário.
Em Almada, uma vez mais celebrou-se o Cante, graças ao Grupo presidido por Joaquim Garrote Afonso, que tem sido incansável na promoção desta tradição, e é uma das estrelas mais cintilantes, no universo do cantar alentejano, justamente elevado a Património Imaterial e Cultural da Humanidade.

Luís Filipe Maçarico (texto) Fotos de Rosa Dias, Céu Ramos e LFM.

domingo, outubro 04, 2015

TRANQUILO


Tranquilo, porque o meu percurso de vida, cheio de encruzilhadas, armadilhas e alguns erros, encontra na Fraternidade e na Partilha um Valor, que me deixa apaziguado. Tenho um Grupo de Amigos, que me estimula e me acolhe. Tranquilo, porque cumpri sempre os meus deveres de cidadania e a caminhada foi sempre em defesa dos mais desfavorecidos.
No Associativismo, na Literatura, na Antropologia, o Eu diluiu-se no Colectivo. Cumpri a minha parte. Continuarei a ser assim. Até chegar aqui, enfrentei muitas dificuldades. Nunca alcancei - desde os dias em que andei a varrer ruas, até ser Técnico Superior, - o meu desempenho profissional ou estudantil, à custa de cunhas ou de cartões. Estar vivo, continuar a lutar pelos sonhos em que acredito, com as convicções que me alimentam, é o único lema de vida que conheço.
 
Luís Filipe Maçarico

quinta-feira, outubro 01, 2015

Exposição da Obra de Jorge Rua de Carvalho na Junta de Freguesia da Estrela: Um Património Etnográfico sobre Jogos Tradicionais e Pregões de Lisboa

Em 23 de Setembro de 2006 partilhei neste blogue o texto do qual transcrevo excertos:

"É para mim um extraordinário privilégio apresentar Jorge Rua de Carvalho, este ser multifacetado cujo percurso comecei a seguir de perto há doze anos (...)este autor com quem convivi na I Festa das Colectividades, na Arruda dos Vinhos e Alpedrinha, quando nessas terras representou os Pregões de Lisboa, e nesta última tive o prazer de estar ao seu lado dizendo poemas, nomeadamente na Capela do Leão, onde o Jorge foi inexcedível e arrebatou a plateia que o aplaudiu de pé.
Acompanhei Jorge Rua de Carvalho nas suas exposições por escolas, associações e bibliotecas.
Escutei com atenção o testemunho da sua experiência, tive a honra de representar ao seu lado e escrevinhei uns textos para sketchs que ele apurou.
Um homem assim é da nossa família.
Por isso, queremos que viva muito, porque com ele aprendemos sempre!

Jorge Rua de Carvalho é um herói.
Fez do quotidiano um espaço mágico de convivência, vencendo a doença e a solidão, que costumam ensombrar a existência dos mais velhos.
Jorge rejuvenesceu nas páginas onde revisita a infância.
Respirou o oxigénio das palavras, para enfrentar os sobressaltos da vida.
E não pára de sonhar!
Solidário, fundou a “Aldraba” e aceitou o desafio de escrever um novo livro para partilhar as suas memórias do Associativismo.
Tenho-o seguido nos últimos tempos pelas ruas de Lisboa, nos miradouros e eléctricos, percebendo o quanto a cidade significa num imaginário que repovoou de saloios e pregões.
Para lá das sílabas, escreveu poesia na madeira, produzindo uma exposição magnífica sobre pregões que sucedeu a uma primeira, idealizada para imortalizar as recordações das brincadeiras da infância.
No fim de semana de 7 e 8 de Outubro, Jorge Rua de Carvalho irá ao Festival do Chícharo, em Alvaiázere, para apresentar as duas centenas de bonecos que criou com carinho de pai.
Como Geppetto idealizou dar forma à madeira, esculpindo figuras às quais se afeiçoou de tal maneira que me parece fazer todo o sentido criar um Museu com estes trabalhos que contam a história da cidade dos humildes e laboriosos, da criatividade dos simples.
Todavia, ao contrário de Pinóquio, os bonecos de Jorge Rua de Carvalho falam a linguagem da verdade. São património e identidade. Espelhos da memória que iluminam o silêncio.

(...)Jorge Rua conseguiu escrever juntando os fragmentos da memória e do esquecimento, onde procura o rigor dos factos e cenários, embora nesse esforço de reconstituição dos acontecimentos, o factor efabulação acabe por condimentar os diversos takes do enredo, moldando as falésias da memória com a sedimentação das vagas e ventos do olvido para citar Marc Augé. (...) Este homem é o resultado do que podemos ser quando sonhamos. Cada livro seu é um capítulo do romance da sua existência fantástica.Jorge Pássaro, Jorge Sempre Menino, Jorge Amigo, Jorge Irmão, Jorge Eterno.
Prometo-te que viverás para lá da vida, no nosso coração, na nossa memória, nos nossos textos, no amor fraterno que dedicamos aos nossos Maiores.
Obrigado por tudo o que continuas a dar-nos, com tanta qualidade e carinho.
Bem Hajas pelo exemplo da tua Vida!"

Inaugurou-se hoje uma Exposição com a Obra de Jorge Rua de Carvalho, na Junta de Freguesia da Estrela, Rua do Quelhas.
Saúdo Rosário Baptista e Nádia Nogueira e o Presidente da Autarquia, por terem dado nova vida a um espólio etnográfico de grande valia.
São duzentos bonecos, representando as Brincadeiras de Rua (Anos 20-30) e os Pregões de Lisboa, constituindo um magnífico património, acerca de um tempo evaporado. 
Presentes na inauguração, que incluiu animação em torno dos Pregões, uma das filhas e duas netas. 
A mostra vai manter-se até ao final do mês. 
Recomendo visita atenta, aos que gostam de saber mais sobre Lisboa Antiga, àqueles que estudam os Jogos Tradicionais, a quem enfim entende que o Associativismo é uma forma de estar e não um penacho.

Luís Filipe Maçarico (palavras e algumas imagens) António Brito (fotografia de Jorge Rua de Carvalho)