"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quinta-feira, setembro 30, 2004

Abutres e Escapadelas

Os dias passam rapidamente, talvez porque há alguma saúde e várias tarefas interessantes para desempenhar, a vida à espera de ser vivida, e a vontade sôfrega de sempre, de viver intensamente cada momento.
Os jornais leem-se pela rama, com os minutos contados, não há tempo para aprofundar artigos e notícias: há livros de poesia aguardando as mãos dos leitores, um livro -em preparação- sobre colectividades de Lisboa, a tese de mestrado, correspondência, telefonemas, teclagens no messenger, tanta coisa destes dias que voam.
Durmo ainda de janela aberta e o banho continua a ser de água fria, porque este Setembro está a ser uma boa surpresa para quem não aprecia chuva.
Apesar de tudo de vez em quando há uma escapadela...
A Feira da Transumância em Alpedrinha foi de novo um belo reencontro com o melhor das pessoas, mesmo quando se esgatanhavam para ver passar "o rebanho"...
Afinal, para meu espanto, eram apenas umas dezenas de animais que desciam a estrada romana, vindas do Fundão. Que tiveram direito a recepção de vips no chafariz D. João V. Com os chocalheiros de Vila Verde de Ficalho, gaiteiros de todo o país, bombos, os presidente da Câmara e da Junta e uma panóplia de fotojornalistas e de repórteres televisivos que queriam captar o momento etéreo da chegada das rezes.
A serra da Gardunha estava linda, ainda com amoras e lá do cimo foi magnífico escutar de novo o silêncio e um ou outro melro.
Setembro está a ficar quente, como se fosse Julho ou Agosto. O Outono vai começar com uma lua de lume. Sorrio, daqui a pouco vou ter um tempinho de férias e ainda quero voltar à praia, fazer inalações, dar uma banhoca...
Sorrio, eles não sabem nem sonham que Outubro é um mês de férias delicioso.
Vou-me embora para o sul, enquanto os abutres congeminam sacanisses.
Vou recuperar forças para lhes fazer frente.
A luz de Setembro não me ilude: eles andam aí e querem triturar-nos os ossos, depois de terem devorado a carne.
"Vou-me embora, vou partir/ Mas tenho esperança"
Obrigado Mané, obrigado Maria José, obrigado Luís, obrigado Chico, pela força que me deram este fim de semana, na terra mágica onde a música nasce nos olhos felizes das crianças e dos que não desistem de sonhar.

segunda-feira, setembro 06, 2004

Setembro

Setembro é um mês estranho...
Em 88, quando me preparava para partir para Cabo Verde, adoeci com uma hepatite e no dia 14 passei as passas no hospital modelar de S. Francisco Xavier, onde me deram, segundo a Liliana, as análises de um moribundo, trocando com ele as minhas...enquanto jogavam no computador.
A temperatura tinha subido aos 38 graus e o caos da dor nas urgências foi algo que tenho pudor em partilhar.
Setembro foi todavia mês de esperança.
Convalescente, recuperei e voltei à luta de todos os dias.
Setembro é agora o tempo da feira da transumância em Alpedrinha, festa de chocalhos e de transmutação de uma terra mágica em transcendente, graças à criatividade e entusiasmo dos seus habitantes...
Setembro era o tema de uma canção de Madalena Iglésias, que tinha esta quadra surpreendente, cujo poema completo não consigo encontrar em lado nenhum:
"Setembro desfolhou-se
Numa agonia lenta
Eu esperava Setembro
Para voltar a ver-te!"
Setembro é mês de vindimas. Mês de espera pelo vinho e pela transformação da vida.
Em Setembro os socalcos do Douro protagonizam o clímax de uma paisagem povoada de pernas e braços campesinos em movimento...
Quem dera ser ave para, entre a luz do fim do Verão e a dourada cabeleira das árvores, poupadas à inquisitoriais fogueiras de mais um Julho maldito, poder juntar a voz ao canto colectivo que anima as encostas durienses...
Gostava de mergulhar os olhos num rio de ternura.
Mas tal como na canção, a espera é estéril e como o quotidiano, dia após dia, se apresenta cheio de ruído e tragédia, apenas anseio a carícia de uma harpa de sol e a graciosidade de um grãozinho de silêncio...


Ângela Maria, Carmen Sevilha, Sarita Montiel...

De repente, sem avisar, a infância retorna.
Dou comigo a trautear canções dos anos sessenta, daquelas que ouvi tantas vezes no velho rádio roufenho, que Ângela Maria cantava:
"encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora..."
A Vanda deliciou-se, quando em pleno serviço desatei a cantar, com a Amélia, em dueto, a "Garota Solitária"...
Para quem tiver saudades, pode procurar no google, bastando escrever para pesquisar, entre aspas, o nome daquela artista...
Na semana passada, ao regressar de uma viagem a Campo Maior e às suas festas, onde tive oportunidade de conviver com a poetisa Rosa Dias, desatei a lembrar-me de músicas de filmes que vi no Odeon: "Violetas Imperiais", com Carmen Sevilha e Luís Mariano, "La Violetera" com Sarita Montiel, "A Noiva", com António Prieto".
Gostava de saber porque razão o meu cérebro congelou estas coisas e de repente vomitou-as, deixando-me sem jeito?
Será que estou a ficar louco?