"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, janeiro 31, 2016

Texto da Apresentação do Autor e do livro "É de Noite Que me Invento" na Biblioteca Municipal de Beja, por MIGUEL REGO



Ocorreu na Biblioteca Municipal de Beja, na passada sexta feira 29 de Janeiro, a apresentação de "É de Noite Que Me Invento", que foi lançado na Casa do Alentejo, em Lisboa, a 29 de Outubro e dois dias depois na "Casa do Cante", em Serpa.

Antes de tudo, Filipa Barriga disse um poema do livro e apesar de lhe ter sido pedida essa intervenção, poucos minutos antes, deu o melhor de si e foi aplaudida pela assistência. Curiosamente, Filipa interpretou, inserida no Grupo de Teatro "Águas de Março", o poema "Oração" com que o "É de Noite" fecha.
Entretanto, a Drª. Maria Paula Santos, responsável pelas "Sextas com Livros", saudou os presentes e apresentou a mesa, composta pelo Professor José Orta, antigo director da revista "Arquivo de Beja", que lecciona no Politécnico local, que dirigiu ao Poeta, palavras muito sentidas, celebrando uma amizade que se teceu de vários encontros e projectos, alguns ainda por realizar. Por seu turno, e antes do autor intervir e de algum diálogo com a assistência, Miguel Rego leu o seguinte texto:

"No seu “reino da estupidez”, editado em 1961, Jorge de Sena incluiu uma crónica de dez anos, poesia portuguesa e lugar comum, em que afirma que: somos um país culturalmente pequeno, onde a probabilidade de ser-se grande é muitíssimo reduzida e onde é muitíssimo mais reduzida a probabilidade de se não ser nivelado com o pano de fundo.
Cada tempo tem as suas modas, os seus referentes, a ambiência cultural e social que contextualiza o nosso estar. Talvez por isso, o papel de quem escreve, de quem pensa as coisas, de quem provoca, de quem ensina e reflete apreendendo, se vê tão cheio de olhares acutilantes, por norma pouco adocicados, que apenas resiste se tiver um bom par de meias, para não dizer cunhas, que resistam como solas cardadas.
Escrever é difícil “neste reino”, mais difícil é ser-se lido. Mas é fundamental que alguém o faça. É necessário que a escrita seja o motivo para o encontro, para a reflexão, seno da discórdia inteligente, que sena praticava. E por isso ostracizado. E é no paradigma entre a essência de um momento em que produzir é uma necessidade e criar é uma obrigação, mesmo sendo ignorado, é nesta representação, de um tempo imensamente vivido, que encontro aqui o Luís Filipe Maçarico.
Trago aquela citação de Jorge de Sena, porque é importante que se repita até à exaustão, que há momentos em que a memória é muito mais do que uma simples invocação. É o marcar de um tempo, deste tempo, em que, cada vez mais, é necessário lembrar aqueles que tiveram a coragem de, ao longo da sua vida, ser “inteiros”, como dizia um Pessoa, ele Pessoa. Porque a memória do nada não existe. Porque lembrar torna-se de forma emergente, um exercício de cidadania na sociedade do instante, do banal, da ausência silibina de memória. É por isso que a comunicação é a recusa do esquecimento e a arte do escrever é um exercício do todo em que a grandeza de um nome é, logo à partida, sinónimo de identificação.
Por isso trouxe sena para abrir uma espécie de palco de vida onde coloco a figura do Maçarico. 
Quando nos conhecemos pessoalmente já lhe lia alguma escrita. Já o reconhecia nalguma escrita que aqui e ali ia encontrando. Tá aí um tipo que havias de gostar de conhecer, disse-me um dia na estação do Metro do Rossio o Fernando Grade, debaixo da sua boina guevariana e barbas à adriano, anos oitenta passados. Mas seria em Barrancos o início de uma amizade e de um respeito que permanece há quase vinte anos e que é a razão maior de estar aqui hoje.
Não sou crítico literário e tenho dificuldades em fazer escrita literária. Acho-me incompetente em história da literatura, como tal, tenho alguma dificuldade em encaixar o poeta numa escola, num estilo, arrumá-lo numa gaveta. Uma tarefa difícil, diga-se, não apenas pela sua volumetria, salve seja, mas sobretudo, pela diversidade do tempo e pelo tempo diverso que recebeu e transmite a sua escrita, balizado entre um momento em que o homem descobre a rua e a coragem, na madrugada acolhedora da esperança, aquele dia inicial inteiro e limpo, como lhe chamou sophia, e o momento em que se refugia em casa, pensando que tem os destinos do mundo na polpa dos seus dedos.
Ao mesmo tempo, a sua escrita recusa a perplexidade da língua para descrever o cristalino dos dias; não é indiferente ao abjecto silêncio dos homens perante o sofrimento dos outros homens e a escrita, essa dita poética, é um pouco mais do que a sua simples arrumação lexical.
Como tal, é nestas premissas que leio o Maçarico. Conheço-o, como tal, com vários olhares. Em algumas das suas mais diversas nuances.
Temos colaborado de há algum tempo a esta parte em vários projectos, nomeadamente num trabalho que apelidámos de Morada da poesia e que juntou alguns amigos “alentejanos” para homenagear Manuel da Fonseca.
Manuel, nome de terra e sol, morada da poesia, ardendo na pegada, escreveu Maçarico naquele ano de 2011 na edição da Câmara Municipal de Castro Verde.
Aí Luís Maçarico entranha-se neste ser sul dos camponeses// sentados no largo da aldeia/ ao postigo da casa ou comendo o cozido de grão, falando como se fossem pássaros,
homenageando o poeta Manuel da Fonseca
o poeta que falou de futuro // na página mais gritante do silêncio// e iluminou todos os nomes// todos os montes// todos os olivais todos os montados.  
Esse trabalho, que então coordenámos juntos, são uma espécie de corolário numa relação de amizade quase paternal, pela forma solidária, como se predispõe a fazer, pela forma comprometida como se envolve no fazer, pela recusa insofismável do esquecimento. E é nesses momentos do seu estar, do seu saber estar, que encontro, como num espelho, o reflexo do homem que temos à nossa frente, e que sabe juntar numa única frase a palavra amizade, memória e solidariedade.
De há muito que o reconheço nesta maneira de estar que transvasa a sua escrita e o seu estar nas coisas e aventuro-me a dizer que
Temos em comum a respiração daquele lugar
Poema aceso do seu livro a secreta colina.
Com esse caldeador de palavras com sabor a sul, tenho a experiência deliciosa de juntar gente despretenciosa, no Museu de Entradas, há três anos, na apresentação do seu livro “Transumância das pequenas coisas”.
Ali, algumas crianças e gente maior desfolharam alguns dos seus 23 poemas e encheram aquele espaço de representação museográfica com palavras.
Verás oliveiras e limoeiros// na tua viagem// em busca de inspiração// e sentirás as aves irrequietas// Hortas de sol e paz// encontrarás// onde castanheiros singram// e ciprestes dançam// Inundando a luz da tarde// a coluna// de gado// entrará no estábulo// então abrirás em plena eira// o livro da memória// e do futuro.

Ali estivemos a ler os seus Poemas
que são ovelhas tresmalhadas// à procura de casa
Oração ao cosmos// procurando harmonia nos abismos.

Uma harmonia que encontramos no seu fascinante livro “Ilha de Jasmin”, fruto de uma viagem incessante que Luís Filipe Maçarico fez durante vários anos entre Portugal e a Tunísia e que editou num tempo em que a Primavera tunisina, que não foi árabe, abria as suas portas à esperança. Um livro onde estende pontes entre o lado de cá e o lado de lá, “
Paisagens de areia, de castanhos de café e pó e branco e anil dos castanhos que só o norte de áfrica tem, povoada de sombras e imagens eternizadas na leveza da história que carrega.

No diálogo interior que mantém consigo mesmo, diz Luís Filipe Maçarico// diz-nos:
«Reconhecerás o aroma das / especiarias nos mercados / plenos de zumbidos. / O tempo eternizado num olhar / numa palavra / dolente, cantada / sagrada.»
Ou então
«São ancestrais os gestos / do pescador da ilha / de jasmim. E o mar / guarda ainda / a mesma esmeralda / que Ulisses não pôde levar… / Bebo chá de menta / aquecido numas brasinhas / e escuto as vagas onde / as redes de Atef / se enleiam nuns versos / de Garrett.»
E ainda,
“entrei no sol das ruas / com a luz das palavras fraternas».

São estes os olhares reflectidos nestas palavras que reconheço este poeta.
Mas hoje estamos aqui a propósito de “É de noite que me invento”. Um livro que me surpreende apesar de conhecer o Luís Maçarico há alguns anos.
Porque este livro traz-nos um poeta, quase naif, de antes de todas as poesias, trazendo o amor, e a revolta, e a incessante busca da liberdade apesar de ser feita de
“serenas palavras”
palavras doridas pela impotência dos homens em impedir a intromissão dos deuses no consumar dos seus desejos. Mas homens
“que apenas se encontram ou reencontram às seis da tarde, quem sabe, para de forma conformada regressar a casa”.
Este livro vem em contraciclo com aquela que é a escrita do Luís Filipe Maçarico, mas é a génese de um trabalho que ao longo de trinta anos recusa o banal
Onde a linguagem de gestos simples ganham uma dimensão majestática, mesmo que sirva apenas para mostrar a miséria e a incapacidade de mudar o imutável
O gato preto imprevisível
Ou
O autocarro dos dias iguais
Onde a manhã apesar de soalheira
Era de faces cinzentas
E uma mulher de meia-idade
Vendia cravos
Na banca improvisada
À esquina do chafariz
Dum apertado e obscuro casario.
Tanta Lisboa aqui vivida… digo eu.

Trouxe aqui um pouco do Luís Filipe Maçarico da forma simples e não simplista como o vejo num misto de companheiro de sonhos e de camarada de confidências. Não é mais do que isso esta minha intervenção.
Mas é um momento em que ouvi-lo
Me faz voltar a casa com os bolsos transbordantes de palavras.
E essa é a melhor imagem que a sua escrita me pode dar
 “e de repente reparo// num pássaro perdido// à procura da sua árvore”
Como é ele. Como somos todos nós sem poesia. Sem a poesia. Como somos nós menos a sua poética forma de estar.

Volto a sena do início desta nossa conversa. Somos um país pequeno, mas de homens maiores. Um país invejoso, mesquinho,
Montra de detritos//
Diz Maçarico
“onde no seu aventalinho// desbotado// a vendedeira guarda uma nota de cem
Da tesourinha
Articulada
Rangendo
A dentadura lúmpen.

Mas um país em que há homens, como o Luís, que constroem imagens que reflectem um tempo em que o amor é canção e liberdade lembrando o sul de todas as palavras que vestem a sua poética. Tão Sul, tão palavra.
Obrigado"
 

quarta-feira, janeiro 13, 2016

Estamos a Perder a Qualidade de Vida obtida no século XIX

Lendo monografias, que nos relatam o pulsar da vida, no interior do País, em pleno século XIX, reconhecemos o valor de homens influentes, aos quais populações como a de Alpedrinha, conquistaram estação de comboio, estrada principal, posto dos CTT e outras regalias. Estávamos em Monarquia e reinava D. Carlos.
Leio que a Farmácia local pode ser transferida para o Fundão. 
Há anos os CTT passaram a ser assegurados pela Junta de Freguesia.
O acesso ao túnel da Gardunha, prometido por uns, retirado por outros, deixou os Centros mais distantes e quem trabalha fora da vila, tem de percorrer mais quilómetros do que era suposto vencerem, na sua luta diária pelo pão.
O comboio é tão precário, que a estação foi entaipada.

Por estas e por outras é que tendo sonhado ir viver para longe da capital ruidosa, desumana e saturante, acabei por ir ficando, não obstante também aqui me roubarem as farmácias, os correios, alguns transportes, e tudo o que idealizam furtar-nos, em nome da boa governança, que das autarquias até ao governo, não se percebe qual o ganho e de quem efectivamente lucra com tanto corte, tanta poupança, tanta austeridade (com troika e sem troika)...

Decididamente Portugal é a Califórnia (ou Marrocos) da Europa e o que está a dar é comprar prédios, no Porto e em Lisboa, para os alugar/vender aos estrangeiros impedidos de visitar/viver no Norte de África, e noutras paragens, tão baratas para a avalanche, que vem dos gelos nórdicos, em termos de clima e de comportamento, ameaçada pela perda da tranquilidade nesses antigos paraísos.
Pobre Portugal, em constante perda, ferindo o seu povo, para se tornar no capacho dos invasores, dispostos a comprar, instalando-se como se lhes pertencesse - só porque têm dinheiro - o produto do trabalho de gerações, que construíram com sangue suor e lágrimas casas, lugares e quotidianos. Veja-se o cultivo intensivo de olivais no Alentejo, os hostels que surgem como cogumelos e instalam-se nos sítios menos adequados...Os culpados disto saltitam de cadeira em cadeira, ora são governantes, ora são administradores...
Chamar a isto democracia faz-me sentir de outro planeta....

Luís Filipe Maçarico (Texto e foto)

Triste Sina

 
Pergunto-me, por que razão Portugal há-de ser um paraíso fiscal, para aposentados estrangeiros, que têm muito mais dinheiro, do que a maior parte dos nossos velhos, que recebem insultuosas pensões de reforma?

Sol, mar, boa comida, preços baixos, são alguns dos ingredientes para atrair esses outros idosos, que vivendo em países tão bons e desenvolvidos, optam por passar uma velhice dourada, entre nós.

Estou anojado, não pela opção que fazem (pois até acho que têm bom gosto), mas por ficarem isentos de impostos, ao escolherem este "Pátio das Cantigas"....

É Imoral.

E recordo as palavras proféticas da fisiatra que me curou - graças à fisioterapeuta com quem trabalhava - quando um dia me disse estar convencida que esta terra ia tornar-se num país de serviços para estrangeiros. O El Dourado dos séniores da Europa e da América. 

Eu acrescento: E graças aos famosos Vistos Gold, até os chineses endinheirados, podem fruir do maná, que Portugal oferece, a quem venha de fora, com a carteira recheada.

Triste sina nascer aqui....

Luís Filipe Maçarico (texto e foto)


quarta-feira, janeiro 06, 2016

Lisboa é um Zoo de Feras Humanas

Um empreiteiro de uma obra, alheia-se das consequências da derrocada do andaime, que tomba sobre uma tubagem do serviço de electricidade e de fios de empresas, que fazem os seus subscritores aceder à televisão por cabo. 
Questionado, opina que agora já não se usam fios em lado nenhum. Lisboa inteira desmente-o. As tubagens e respectivos cabos proliferam, até em edifícios públicos.
Na perspectiva humorística do funcionário da Meo, que tentou devolver-me a Internet, a bombar com eficácia, coisa que não sucede há tempos, o tal empreiteiro deve acreditar na "electricidade em pó"...
De facto, a pesporrência dos bimbos, armados em sábios e a arrogância inerente, transformam o quotidiano numa espécie de concurso de obstáculos. E então quando estão a soldo de estrangeiros, esquecem-se que viveram com candeeiros a petróleo e fazem peito, para darem a entender que são destemidos e que só têm uma verdade: A sua arcaica convicção.
Infelizmente (ou não) tenho vários troféus. Um dos mais recentes, conquistado num autocarro - vaivém, com uma mestiça petulante, que entrou intempestivamente, antes de dois velhos com muletas e se sentou no banco reservado para grávidas e aleijados. Admoestada pela minha incorrigível reacção, face à injustiça, ainda teve a lata de me responder "Você é milhor tá calado sinão..." "Se não o quê? A verdade custa ouvir, não é?"
Lisboa é um zoo, onde interagimos com as mais diversas feras humanas....

Luís Filipe Maçarico (foto e texto)

sábado, janeiro 02, 2016

Meteorologia

Começo o novo ano com uma dúvida.
Porque razão, sempre que os meteorologistas "obrigam" o António Macedo, da Antena 1, a dizer que se prevê chuva - acima do sistema Montejunto-Estrela, - Lisboa não fica imune e chove a cântaros na cidade?
Já não há meteorologistas como antigamente...

Texto e fotografia LFM