"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, maio 31, 2005

"Era Uma Vida Triste!..."


JOSÉ AFONSO, 90 ANOS, BENS

“Era pelos cerros velhos, ia por além. Vão lá os carros. Então ê andei trinta e seis anos nessa rebera!...Trinta e seis anos andei ê no contrabando. Isso é uma rebera malinha! Eram mais de mil tiros! Carabineros e guarda - fiscal, uns e outros.
Olhe, aqui de roda do monte tem aí uns vinte calvários…Pois! Cargas que perdi!
(…) Na minha presença mataram…você ouviu falar no Raposo? Mataram-no ali ao Moinho das Juntas!... (…) O guarda fez o tiro para ali e não matou mais porque não calharam. (…) Então não sabiam? Pois a gente passava por todo o lado! (…) Aí às juntas ajuntava-se o Margão com a Chança. E então vieram pelo cerro e a gente passava por baixo, eu ia passando com este cunhado que morreu, o Manéli… Passei o açude, pois ia assim por baixo e vejo (…) um carabinero a correr por cima, volto para trás, por cima do açude, se você visse os tiros, era só fogo, pá! Ê tenho aqui os sinais de uma bala, era de nôte, às quatro da manhã. Aqui passava-se munto. Além a Espanha, íamos a Valverde, Rubia, Lepes, Castelejo… Comecei aí aos 28.
(…) Levávamos tudo. Café. Assabão…Trazíamos açúcar. Era tudo. Os espanhóis não tinham nada!...Isso era despachado aqui de Santana.
(…) Aqui ganhava-se vinte escudos. Vinte para cá, quarenta! Íamos ali levar café à Mina da Isabel. Abalávamos daqui à boca da noite, mas nesse tempo íamos sempre a corta-mato, o caminho era raro fazer… (…) Quilómetros! Com trinta quilos! Vinte e tal léguas!... Então cheguei a trazer também cargas de ferro. Aqui compravam o ferro, pois!
(…) Passei tantas! Cheguei a estar das cruzes para lá oito dias sem comer, nem beber. Mamávamos o café e o açúcar, chupávamos…então não podíamos ir ao povo nem a parte nenhuma! (…) Entrava e saía de noite! Era uma vida triste!”
in "Memórias do Contrabando em Santana de Cambas- Um Contributo para o seu Estudo" (no prelo)
(fotografia de José Rodrigues Simão)
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Brisas do Sul


Pois é, o festival islâmico foi uma maravilha. As ruas repletas de animação. Eduardo Ramos no Largo da Alcachofra encantou quem o foi escutar. Os Chocalheiros de Ficalho, os Gnawa, os vendedores de sonhos e pequenos encantos, os calígrafos, os moradores da vila, que também expuseram, do pão ao mel, as exposições de caligrafia árabe, dos mestres de Marraquexe, a pintura de Manuel Passinhas, a embriaguês do olhar, os cheiros, os sons, os rostos, tudo mereceu sorriso, a forma mais suave de brindar o que nos dá energia e prazer.
Nesta foto, a família Simão preparava-se para ver o Boavista-Benfica e eu aproveitei, enquanto faziam a montagem de écran na parede do quintal, para falar para Ashna Omrani e Salem Omrani, meus amigos da Tunísia.O maroto do Hélder captou o momento...
(fotografia de Hélder Simão) Posted by Hello

quinta-feira, maio 19, 2005

Vou Ali... e Já Venho!!!


Durante uns dias vou arejar. Ar da terra. Lá onde as cegonhas gostam de voar.Vou lavar os olhos na imensidão do chão de lume cercado de azul. Durante uns dias as minhas rotinas serão outras: falar com gente enrugada, tão admirável, que durante anos atravessou a fronteira para sobreviver, arriscando a vida. No tempo em que os mantrastos vestiam os mastros das festas de S. João e o nervo torcido se curava com uma benzedura aprendida escutando avós sábias.
Vou ficar uns dias em Santana de Cambas,para ver o senhor João Carrasco, homem de 101 anos, que escreveu esta quadra:
"Política e Religião
São dois grandes potentados
Que enganam multidões
Com promessas e sem pecados!"
Vou andar por Moreanes, na aridez da brisa quente, ver a horta biológica que o e outros amigos dia a dia vão criando. Talvez vá aos Bens, Salgueiros, Sapos, Formôa, Pomarão e à Mina de S. Domingos.
Espero encontrar a Nádia Torres em Mértola, professora, criadora de jóias, autora desta bela imagem. Vou andar por aquelas tascas, conviver com esses amigos que no sul resistem a tudo: à seca, à pobreza, à solidão, à estupidez!
Solidariamente, vou estar com eles, partilhar sonhos, soltar ideias, reflectir futuros, escrever parte da história deste património que são as pessoas. A sua forma de estar, a lembrança das tradições, entre memória e esquecimento, a identidade alentejana dos povos da raia.
Vou ali...e já venho!!! Ou seja: dia 1 de Junho, se tudo correr bem, estarei de novo a postar.
Um agradecimento especial a todos os leitores linkados ou não.
É com os vossos olhos, coração e opiniões que o blogue respira.
Bem Hajam!!! Posted by Hello

quarta-feira, maio 18, 2005

Myrtolah Arabi


Começa amanhã...com um Souk (mercado) de aromas, trapos, iguarias e artesanato diferente, vindos de Granada e Norte de África, pelas ruas à volta da mesquita, a terceira edição de um Festival, ao qual nunca falhei e onde, há dois anos, confundi um marroquino, que pensava que eu era árabe. Perguntava ele, no meio de um concerto dos Rádio Tarifa: "Ruiah! Arabi Maroqui?"(irmão, és árabe de Marrocos?"). Ficou sarapantado quando, perante a sua insistência, lhe respondi: "Je m'excuse, mais je suis portugais!"("desculpe, mas sou português!")
O homem nem queria acreditar, depois de olhar para a minha tez morena, que espelha o sangue árabe que me corre nas veias, e ainda por cima estando eu com uma djilaba vestida...
Em Mértola vou fazer por ser feliz, com a Ana e com toda a gente boa que por lá vai aparecer. Estive anos e anos sem ver um amigo, que é um criador pujante, designer inovador, artista marcante na sua sensibilidade de alma sem amarras. O Carlos Costa, que aproveito, a partir deste jornal, quase diário, para saudar!
Saúde e boa festa para todos! Posted by Hello

terça-feira, maio 17, 2005

O Blogue da Paula


Associada da "Aldraba" e apaixonada pela sua terra natal - Alpedrinha - a professora Paula Cristina Lucas da Silva criou um simpático blogue, que referi por estas bandas, no início de Maio (dia 4). Hoje fui lá e além de comentar várias imagens e legendas, "roubei-lhe" esta fotografia deliciosa, de uma porta (em que rua? qual o número?) que tem um batente e uma aldraba em condomínio.
Um grande Bem Haja à Paula e passem por lá para conhecerem, ou reverem, essa pérola da Beira Baixa, que a marquesa de Alorna designou por "Sintra da Beira"...

Ela é uma Déli!


"A mais loura de Lisboa" é uma déli. Descubram-na na próxima feira do livro, perguntando por este título. E nos blogs:
(fotografia da "nuvem" Vanda Oliveira)
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segunda-feira, maio 16, 2005

A Vida de Contrabandista


Acabei de receber, escrito a lápis, um depoimento de M.J. acerca da sua experiência de contrabandista, nos anos 50-60 de miséria que este povo sofreu.
O relato tem por cenário Monsanto, a tal aldeia que os antónios ferros e os salazares pretendiam de "Mais Portuguesa", mas que ocultava, por detrás do granito, dramas familiares como o desta testemunha. Mantive a ortografia e partilho na sua totalidade o documento, que é uma pulsação de vida, um retrato, um libelo:
"A vida de contrabandista é muito dura, sou duma piquena aldeia da Beira Interior; e como sou a filha mais velha e os meus pais eram muito pobres, eu ia quase sempre com o meu pai levar o contrabando a Espanha que era café ensacado em sacos de 30 ou 50 kg fazíamos a viagem sempre de noite às vezes durante o Inverno saímos da nossa terra mais cedo saíamos por volta das 20 horas que já era de noite e chegávamos a Celeiros por volta das 11 horas e por volta das 5 horas da manhã já estávamos em casa de volta, levávamos cerca de 150 kg de café em cada carga, o meu pai tinha um macho e um burro então fazíamos assim até ao rio Erges fazíamos o percurso juntos por aquelas serras cheias de mato atravessámos o rio sempre pelas partes mais baichas e com muito cuidado já que naquela zona era preciso muito cuidado com a nossa guarda fiscal, e com os cravineiros da outra margem do rio a partir daí íamos separados eu ia sempre na frente que caso aparecessem os cravineiros a mim eles não faziam mal ainda me encontrei duas vezes com eles na viagem de regresso mas não me tiraram nada e uma das vezes fartei-me de chorar pois trazia os alforjes cheios de coisas para vender na minha terra tínhamos sempre muitas encomendas. Já o meu pai ainda dormiu uma noite no xilindró em Espanha porque na viagem trazíamos muita coisa, trazíamos muito tabaco, pão espanhol que tinha muita procura na nossa terra, trazíamos roupa sapatos espanhóis que também tinham muita procura, rebuçados chocolates caramelos cacau em pó que era uma delícia loiça de pirex que era moda naquela cultura que comprávamos lá nas cantinas por poucas pesetas e vendíamos lá na nossa terra com algum ganho o que dava menos lucro era o pão mas tínhamos sempre muitas encomendas, eu às vezes zangava-me com o meu pai e pedia-lhe para não o trazer porque ocupava muito espaço na carga mas o meu pai dizia que o pão era para tapar a fome por isso trazíamos sempre as encomendas e como naquele tempo não havia farmácia lá na nossa terra até trazíamos remédios, pomadas para as dores, vitaminas, serugumil, óleo de fígado de bacalhau, pinturas, cintas e até lingerie para algumas senhoras da aldeia que viviam mais abastadas."
O estudo do contrabando, aparte alguns contributos locais, está por fazer. Em Santana de Cambas, Mértola, ainda há pessoas, de muita idade, que não querem falar no assunto. Segundo Santiago Macias, a escassez de investigações acerca daquela actividade ilícita, secreta e por conseguinte geradora de constrangimentos, prende-se com a estigmatização a que estavam sujeitos socialmente os indivíduos que a praticavam. A memória do contrabando permanece ainda como motivo de vergonha para alguns dos intervenientes.
(Fotografia de Vanda Oliveira, de navalhas utilizadas por um barbeiro de Tourém, Montalegre, que para arranjar proventos suplementares, face a uma família numerosa, além da agricultura e da feitura de cestos, também fez contrabando naquela parte da raia transmontana.) Posted by Hello

domingo, maio 15, 2005

A Avozinha Checa e Outras Marionetes


No Outono 1991 trouxe de Praga esta marionete, e desde então a "Avozinha Checa" assistiu à remodelação da casa e silenciosa escutou conversas, viu gente que deixou de frequentar a casa, ou porque morreu em vida, ou porque concluiu a sua passagem por esta terra.
Acabo de escutar as notícias que chegam da Guiné-Bissau e fico sem palavras. Os zombies andam à solta. Ocorre-me apenas perguntar: quem manipula esses fantoches, que ao contrário das marionetes de Praga não auguram nada de bom. A fantochada que se adivinha tem contornos de tragédia. E dela os governos europeus são culpados, por não terem esmagado os ovos da serpente.
A avozinha checa continua nas minhas paredes, alheia ao desconcerto do planeta, o que me agrada, porque se tivesse voz seria mais uma a dizer"adeus mundo, cada vez pior".
(foto de LFM) Posted by Hello

Viva a Fraternidade!


Dia 16 de Julho, ou seja, daqui a dois meses, o Fernando Bizarro senta-se à mesa, com os blogueiros amigos, em Carnaxide, para o festejo do primeiro ano de existência do seu http://lusomerlin.blogspot.com
Vai ser tempo de festa e convivência entre todos aqueles que se revêem no que este homem sente e escreve. Eu penso ir, pois quero conhecer o Augusto, a Teresa, esse rio de gente gira que anima esta outra forma de estar na sociedade em que vivemos. Porque estes são os que acreditam no futuro, os sempre jovens da esperança em dias melhores, nem que se inventem sonhos para aguentar! porque ao nosso lado há quem odeie a luta, a fraternidade e vomite individualismo, servindo-se deste novo meio de comunicação para atacar tudo o que lhe cheire a partilha.
Por isso estou contigo, Fernando! Por isso eu também quero ir!
(foto Picasa) Posted by Hello

sexta-feira, maio 13, 2005

A Bela Helena


Foi fotografada por Guta na Arrábida, quando era adolescente.Chama-se Helena Isabel, não é artista de telenovela, não é princesa-capa-de-revista da "Hola", mas é uma ternura silvestre, que tive o privilégio de conhecer em 1996, já lá vão 11 anos...
Apesar do tempo já passado, continuamos amigos, com uma cumplicidade mágica que ultrapassa as barreiras deste quotidiano, por vezes tão absurdo. Trabalha na Confederação das Colectividades e é mãe da Maria, o seu maior tesouro.Ela é uma rainha porque venceu grandes obstáculos e consegue rir do que não presta.
Gosto muito dela. Posted by Hello

Companheiros de Toda uma Vida


Os livros têm-me acompanhado desde pequeno, primeiro em pano, da Majora, depois com a colecção RTP, da Verbo, que se comprava na menina Mariazinha da Havaneza do Sacramento, a quem também encomendei a História da Arte, da Alfa.
Régio, Pessoa, Nobre e Cesário ficaram comigo na adolescência e com a evolução da caminhada, a nível afectivo e profissional, Eugénio ocupou um lugar importante na estante.
Sem eles, seria difícil respirar em certos dias e talvez morresse de tristeza se não os pudesse saborear, entre tintas de liberdade e asas de sonho.
Como a torrada do pequeno almoço ou a maçã reineta do jantar, necessito das suas páginas abertas para enfrentar os dias sombrios, preciso da luz que eles têm lá dentro para procurar a esperança no futuro e poder acordar amanhã com força de viver.
(fotografia de LFM) Posted by Hello

quarta-feira, maio 11, 2005

Um Tuaregue no Tecto


Há uns anos atrás, o Rodrigo Dias, que ilustrou parte substancial dos meus primeiros livros, conhecendo o meu fascínio pela Tunísia, ofereceu-me este quadro, que foi colocado na parte superior da parede da sala na casa onde moro.
Como o III Festival Islâmico de Mértola começa de amanhã a oito dias, desenrolando-se entre 19 e 22 de Maio, resolvi partilhar o tuaregue para celebrar o sangue árabe que corre nas nossas veias, aceite-se ou não essa verdade insofismável.
Se tudo correr bem, lá estarei com a Ana!
(fotografia de LFM)Posted by Hello

segunda-feira, maio 09, 2005

Santa "Camarão", Herói do Imaginário Popular



José Soares Santa merece esta abordagem, pelo que significou e continua a significar, enquanto exemplo de indivíduo tenaz mas com princípios, que idealizou e construiu uma carreira em contexto adverso. Falar de Santa “Camarão”, cem anos depois do seu nascimento, é , parece-me, uma necessidade para todos os que reflectem sobre o desenvolvimento civilizacional e defendem um futuro, onde valores como a fraternidade e o espírito desportivo proporcionem saudáveis e harmoniosas cumplicidades, sociabilidades com respiração à escala humana, das quais resultem cidadãos empenhados e criativos.
Falar de Santa “Camarão” hoje é dar a conhecer aos jovens de agora o percurso de um atleta que, num tempo de poucos recursos conquistou um lugar cimeiro no boxe, de prestígio e dignidade, respeitando os adversários e contribuíndo para reforçar a auto-estima dos portugueses emigrados na América, enfrentando os campeões de então, com melhor preparação técnica, muitos dos quais venceu no ringue.
VIDA E CARREIRA DE UM PORTUGUÊS LENDÁRIO

José Soares Santa, “Camarão” por alcunha de família, é um filho dilecto de Ovar: consagrado na toponímia, no museu local, no espólio fotográfico e de recortes guardados na Biblioteca Municipal, na Imprensa e na memória dos vareiros.
Nascido no dia de Natal de 1902, na mesma casa morreu em 5 de Abril de 1968, após uma existência aventurosa, repartida por Lisboa, Brasil, Berlim e Estados Unidos da América...
Foram sessenta e cinco anos de uma intensa existência que o trouxe à capital para aprender o árduo trabalho de fragateiro, ofício de seu pai e de um tio, ou seja estivador de fragatas, barcos do Tejo.
Nos anos 10, com algum desconforto por ser grande- em homem atingirá 2 metros e 2 centímetros de altura e terá 49,5 de pé- o adolescente sofreu com esse gigantismo, que o tornou aos olhos das pessoas com quem tinha de cruzar-se em terra, durante o desempenho de recados, uma espécie de atracção de circo, um fenómeno motivador da chacota de um povo, que ainda agora paralisa estradas para ver os despojos dos acidentes...
Uma ida ao Coliseu encaminhou-o para a escolha: se o público aplaudia, respeitava e delirava com indivíduos grandes e grotescos em exibição, então queria ser como eles.
Após uma breve incursão na luta, dedicou-se ao boxe. Rapidamente, em meados dos anos 20 tornou-se campeão nacional de todas as categorias da modalidade, título que manteve consecutivamente durante sete anos.
Partiu para o Brasil em 1926, mas esta primeira experiência internacional foi mais benéfica para empresários oportunistas que se serviram da sua humildade e lealdade para o explorar, tentando auferir chorudos proventos à sua custa, em detrimento de uma preparação física adequada que lhe proporcionaria outros resultados. Mesmo assim, José Santa não esmoreceu e sozinho visitou jornais, fazendo o seu próprio marketing e tratando ele mesmo de alguns contratos, dispensando intermediários.
Em 1929 atreveu-se a desafiar o campeão europeu, o belga Pierre Charles, que aceitou o combate num Campo Pequeno pejado de adeptos.
Sem conseguir o troféu, mas averbando um dos melhores momentos da sua carreira, José Santa estreou-se na 7ª arte, integrando o elenco da primeira película onde a língua portuguesa foi falada em cinema: “Amor no Ringue”, realizado por Reinhold Schuntzel, cujo protagonista seria campeão do Mundo e ídolo de Hitler: Max Schmeling.
Infelizmente a nossa Cinemateca, para onde escrevi em Janeiro deste ano, propondo um ciclo de boxe no cinema, perdeu uma excelente oportunidade de homenagear e dar a conhecer o nosso pugilista...
Entre Julho de 1930 e o Outono de 34, Santa tornou-se num espantoso símbolo de portugalidade para a Comunidade emigrada na Califórnia, que lhe prestou as mais emocionadas homenagens promovendo em sua honra chás dançantes, banquetes e outros encontros sociais que contaram sempre com a presença do boxeur.
Alvo de poemas exacerbados, casou com Mary Loreto, uma luso americana, em 1932, e além de participar noutro filme, protagonizado por Mirna Loy e Max Baer, campeão americano de boxe (The Prizfighter and the Lady”), enfrentou, após uma sucessão de vitórias estrondosas, o próprio Baer e o colosso Primo Carnera, campeão da Itália, que tinha menos 1 cm de altura e era conhecido como “a montanha que anda”, futuros campeões mundiais.
No regresso a Ovar, onde teve uma curta experiência de proprietário de um café, Santa foi pai de Renaldo, levado pela mãe para os EUA aos 14 anos e que tive o privilégio de entrevistar na cidade vareira.
Apesar de uma vivência discreta, não foi esquecido por alguns jornalistas como João Sarabando e participou com entusiasmo no Carnaval de Ovar ao longo da década de 50.
Aparições em festas de beneficência, visitas regulares de admiradores e o civismo da sua personalidade serena, deixaram uma lembrança carinhosa que os seus contemporâneos sublinharam, quando cheguei a Ovar, incumbido pela Câmara Municipal de Lisboa, de fazer a sua biografia, e comecei a tentar descobrir quem foi Santa “Camarão”...
HERÓI DESPORTIVO

Para compreender os processos da criação de um herói do imaginário popular,- no caso de José Santa, herói desportivo- importa saber que conjuntura propiciou o seu surgimento.
A aprofundada pesquisa bibliográfica, fotográfica, iconográfica, os testemunhos orais de conterrâneos do atleta (grupos e indivíduos, gente anónima e notáveis) e até de familiares, como o filho Renaldo Santa, a vasta troca de impressões e correspondência com o historiador dr. Manuel Bernardo, funcionário da Câmara Municipal de Ovar, permitiram-me arriscar uma hipótese de trabalho acerca das circunstâncias que contribuíram para a organização da carreira, que passo a explanar:
- As origens modestas e o desejo de ascensão para poder proporcionar uma vida desafogada aos pais (efectivamente, o boxe realiza mais facilmente o acesso ao estrelato dos jovens das classes desfavorecidas, para escapar a uma vida problemática. Neste sentido, filmes, biografias e obras como “Corps et Âme. Carnets Ethnographiques d’un Apprenti Boxeur” de Loïc Wacquant, permitem testemunhar esta ideia) ;
- Os triunfos iniciais aparatosos (7º ao 2º round, 3 ao 3º e 2 ao 1º, havendo apenas em 19 combates dois que se disputaram até ao 10º round. 1 até ao 12º e 2 que acabaram, respectivamente, ao 4º e 6º ), todos travados com adversários estrangeiros: 9 franceses, 2 ingleses, 1 belga, 1 espanhol, 1 polaco, 1 húngaro e 1 americano, obtendo 17 vitórias- sendo as primeiras onze e as últimas cinco sucessivas- 1 match nulo e 1 derrota por pontos;
- A admiração do público, ávido de emoções fortes;
- O corpo e a energia de José Santa;
- A afabilidade e correcção desportiva, geradores da simpatia dos espectadores e dos repórteres;
- A imagem que a Imprensa transmitiu;
- O desmoronamento de valores instituídos, que produz fenómenos de transferência, criando no imaginário popular heróis mais próximos das pessoas.
Tendo em conta o conteúdo histórico, ocorre perguntar como foi possível a carreira nessa época?
Face aos dados recolhidos, podemos considerar vários factores, tais como:
- A história de vida humilde de José Soares Santa, cuja identificação encontrou no povo, não obstante a compleição física distinta, o feed-back que o elevou à categoria de herói;
-O físico e a força surpreendentes, num tempo em que se apreciavam nos recintos de feiras e circos exibições de homens descomunais;
-A escassez de adversários portugueses, à altura, e a consequente necessidade de projecção internacional, desafiando os categorizados Pierre Charles, campeão europeu e o campeão de Itália, futuro campeão mundial, Primo Carnera, o que amplificou o fenómeno;
-A crise sócio- económica. É sabido que o aparecimento destes ídolos tem mais impacto quando a sociedade está em crise... Ex: o moçambicano Eusébio apareceu décadas depois, no início da Guerra Colonial, sendo utilizado pelo regime salazarista na sua propaganda em prol do império multirracial;
-A ascensão do boxe nos anos vinte como consequência da diminuição do indivíduo face à Sociedade (Joyce Carol Oates, in “O Boxe”);
-“O entusiasmo dos portugueses com exteriorizações de coragem e destemor, que apreciam os momentos emotivos, onde haja temeridade e impulsivismo, audácia, valentia e actos irreflectidos de heroicidade, é propício à aparição de um super-homem, pois vive imaginosamente das aventuras maravilhosas da idade média e das loucuras quase lendárias dos descobrimentos marítimos” (José Pontes, in “Quási um Século de Desporto Português”);
-O tratamento jornalístico do personagem por parte de articulistas como Rafael Barradas;
-O cuidado posto por Santa Camarão, relativamente à divulgação dos seus feitos e da sua personalidade em autobiografia (“A Vida de José santa contada por ele mesmo”) e na Imprensa da época, visitando as redacções, concedendo entrevistas, alimentando os jornais e revistas com fotos autografadas e notícias referentes às suas performances;
-O envolvimento das associações e dos jornais dos emigrantes luso-americanos;
- O convite do empresário Palhares ao manager Cal para apresentar José Santa no Brasil;
-O conhecimento com o manager Berty’s Perry, que o levou à América;
-A participação no cinema em Berlim e em Hollywood.
Desenrolando-se nos EUA uma parte substancial da carreira de Santa Camarão, que durou nove anos, entre 25 e 34, algumas pistas permitem responder a uma terceira questão: Porque razão foi considerado símbolo da identidade nacional na comunidade luso-americana?
-A eufórica sucessão de 12 vitórias no início da sua estadia na América, assim como o total de 32 combates triunfantes, colocaram-no numa posição de ídolo desportivo, que as qualidades humanas reforçaram e popularizaram;
-A imprensa luso-americana concedeu-lhe um estatuto de semi-deus e novo Viriato, que arrebatou os adeptos;
-Os emigrantes, nos seus jornais e clubes e nas mais variadas iniciativas encararam-no como uma figura de eleição, merecedor de todos os encómios, na medida em que consideraram as vitórias do gigante português sinais de uma identidade guerreira à procura de estímulos para enfrentar vitoriosamente todas as adversidades decorrentes do facto de serem obrigados a viver ausentes da Pátria;
-A veneração do mito actualizou a admiração pelos heróis do passado, transferindo para este virtudes que integram os traços identitários de um imaginário popular;
-A "colagem" dos cônsules à exaltação popular da figura de José Santa reforçou a eficácia do símbolo.
Não terá sido então por acaso que o azeite da marca “Triunfante”, consumido nas residências dos portugueses emigrados na América, ostentasse nas latas de folha onde era comercializado a efígie do pugilista a fazer músculo, sendo rebaptizado de azeite “Santa”.
Não terá sido também por acaso que os músicos ceguinhos, que andavam de rua em rua a cantar fados, vendendo literatura de cordel sobre acontecimentos fatídicos ou situações caricatas em verso, tenham deixado na memória de lisboetas septuagenários a seguinte sextilha:

José Santa “Camarão”
No mundo foi campeão
Por ter uns pés delicados.
Também a Ilda Fernandes
Por ter umas mamas grandes
Foi rainha dos mercados.
*Excertos de uma conferência, apresentada em 11 de Setembro de 2003, na Biblioteca Municipal D. Dinis, Odivelas. A tese de mestrado que entreguei na passada sexta-feira aborda "Os Processos de Construção de um Herói do Imaginário Popular"
(foto: capa da revista "Stadium", anos 20-30)Posted by Hello

sábado, maio 07, 2005

Família


"A família gera-se quando há um encontro verdadeiro" (Madalena Vitorino, há pouco na Antena 2- programa "Jardim da Música")
fotografia de GIA Posted by Hello

No Oásis*


No oásis onde o corpo
se entrega à melancolia
As tuas mãos são carícias
de tamareira afagando
o vento morno do
crepúsculo...

Luís Filipe Maçarico

*escrito em 20-10-1995, em Tozeur-Tunísia, durante a minha sétima viagem àquele país
(fotografia recolhida na web, e trazida aqui através da dupla "Picasa+Hello) Posted by Hello

Matinal nas Ilhas Kerkennah


Olhar o mar sem canseira
Entrar no silêncio docemente
Saborear o sol furtivo
Uma manada de nuvens e
o rumor do vento
A despentear palmeiras.
Na ilha perdida
Só esta música
pode ser a casa.

Luís Filipe Maçarico

Poema escrito em Sidi Frej, no dia 9-10-1995 (segunda-feira)

(foto recolhida da net com a ajuda do Picasa) Posted by Hello

sexta-feira, maio 06, 2005

Dont Say Good Bye


Como se diz no Alentejo "Não vaias!"
(fotografia V.O.)

Bual, a tese e a cerveja...


Artur Bual está nas minhas paredes e na minha lembrança. Tenho boas memórias. Por isso venho dar as boas tardes ao meu amigo Artur, que uma noite no atelier, ao receber um trabalho meu sobre a sua pintura, à luz da psicanálise, abriu uma garrafa de Carcavelos dizendo"Até podes estar aqui a dizer que eu sou um grande filho da mãe, mas vou brindar por teres feito este trabalho...tiveste tomates para o fazer, mereces a minha homenagem!"
Esta manhã entreguei a minha dissertação na Comissão de Mestrados do ISCTE e festejei o evento com os colegas da minha sala. Bebi 3 canecas de Guiness ao almoço... afinal de contas estou a viver um momento especial...
(foto de LFM)Posted by Hello

Adeus a Tozeur


1.
deixo o teu nome
nos lábios do tempo
lá onde o beijo foi
de poeira e silêncio.
2.
quem sabe de sabor mais
amargo que um peito aberto
à secura das montanhas
e ao sal das lágrimas
no momento da partida?

Luís Filipe Maçarico
1-11-1994
(fotografia de LFM) Posted by Hello

quinta-feira, maio 05, 2005

Erva Daninha


Este blogue foi criado com o intuito de ser um lugar de partilha. Não há muitos neste mundo infernal...
A má formação de certas pessoas, as paixões inúteis, a agressividade gratuita não têm cabimento por aqui. Opinião é uma coisa, falta de educação e ataques pessoais têm de procurar outro viveiro.
Aqui é espaço de amizade, reflexão, intervenção e troca de ideias, quiçá diferentes. O que se pode confirmar lendo tudo o que está para trás, desde que em Agosto do ano passado se ensaiaram os primeiros passos.
Quem quiser gastar o seu tempo agredindo, ofendendo, maltratando não encontra aqui abrigo. Opinião, sublinho, é aceite, mesmo que oposta. Incorrecções são devolvidas aos ninhos de víbora onde são geradas. Ou seja: são apagadas. Posted by Hello

quarta-feira, maio 04, 2005

Dois Blogues Novos


Há dois anos eu e o Fernando Duarte fotografámos vários batentes e aldrabas em Montemor-o-Novo. Como este-batente em forma de ferradura com suporte de cabeça de cavalo- que ponho aqui para desejar boa sorte a duas novas bloguistas. Descubram-nas!!!
Posted by Hello

Objectos Biográficos-II


Este cesto foi executado pelo pai de Rosa Branco, de Tourém, Montalegre, Trás-os-Montes. De quem já falei há uns dias e mostrei as navalhas que aquele senhor utilizou durante 40 anos para fazer a barba aos homens da aldeia.
Agora, do mesmo percurso, outro testemunho:
"São trabalhinhos que ele fazia durante o Inverno, que tinha menos trabalho...E fez este para a minha mãe meter a costura. Havia também cestos muito grandes para as batatas..."
Da caminhada dos homens ficam estas recordações: navalhas, cestos, memórias. É igualmente a marca do tempo que fica em cada objecto e nos recorda vicissitudes, heroísmos, respirações. Neste caso, estamos a falar também de alguém que teve de fazer contrabando para sustentar uma família com poucos recursos e vários estômagos para alimentar.
Curiosamente, vivemos numa época em que o sofrimento do passado é apresentado como motivo lúdico. Na verdade, por todo o lado, junto à raia, dos dois lados da fronteira, surgem os trilhos e as rotas do contrabando, desfrutados por turistas ávidos de conhecer paisagens e estórias de aventura.
Já o poeta dizia
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança.
Todo o mundo é composto de mudança.
Tomando sempre novas qualidades"
(fotografia de Luís Filipe Maçarico) Posted by Hello

Primavera no Gabinete


O colega Dias Anjos decidiu oferecer antes de ontem às três mulheres que trabalham no gabinete onde também estou, rosas amarelas do roseiral do jardim da sua casa em Sobral de Monte Agraço. Estas rosas foram um sol de mel que proporcionaram sorrisos de alegria na tarde, das felizes contempladas.
A este pequeno acontecimento poético juntou-se a minha satisfação por ter recebido das mãos da minha manager para a Tecnologia, Vanda Oliveira, uma máquina digital. A rosa da Graça serviu de modelo para uma das primeiras tentativas de fotografia digital que fiz e agora partilho com vocês. A poesia também é isto: trazer para o quotidiano a cor de um gesto simples, mas tão cheio de significado. E o prazer de participar. Posted by Hello