"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, agosto 06, 2019

Apresentação em Morille de "Pastores, Guardiões de Uma Paisagem", do antropólogo Eddy Nelson Chambino


Uma grande parte dos antropólogos da geração de Eddy Nelson Chambino, que conheço, desempenha funções que os afastam da investigação.

Eddy realiza com entusiasmo as suas tarefas, continuando a recolher fragmentos etnográficos, de um todo de experiências e memórias, que como Marc Augé assinalou vão sofrendo a erosão parecida com as falésias, onde património e esquecimento, se mesclam, permitindo olhares ficcionados.



Cioso do espaço de pertença Eddy Chambino anota no seu caderno de campo vestígios, gestos sobreviventes afirmações identitárias, ainda perceptíveis, complementando os inúmeros testemunhos e as suas reflexões com apontamentos fotográficos de grande riqueza documental nos desmedidos horizontes de Idanha-a-Nova.



Aquando da criação do Centro Cultural Raiano, surgiu a primeira mostra, sobre um mundo em mudança, revisitando o passado rural.

Eddy Nelson Chambino, enquanto cientista social, contribuiu para prosseguir e aprofundar a recolha, sobre a região e a geografia humana, indagando os ritmos da pastorícia, numa abordagem extensiva à produção do queijo, á comensalidade, à lã e outros artefactos e ainda da criativa arte pastoril. Os territórios da transumância e a diversidade de saberes dão substância ao estudo “Pastores guardiões de uma paisagem”, que nasceu da necessidade de acompanhar rebanhos e seus condutores, inventariando práticas e hábitos.

Esta vivência, próxima da respiração da terra, do saber empírico, em torno da impressionante tela da Natureza, entre homens e animais, evidenciando ensinamentos transmitidos de geração em geração, abrange a ocupação das horas menos activas, que atenuam excessos climatéricos e uma enorme solidão, onde as “vozes” em redor são o vento, a chuva, os chocalhos e um ou outro balido.

Orlando Ribeiro em “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, afirma que “no plaino do Alentejo e da Beira Baixa, apascentadas em pousios e restolhos, há muito mais ovelhas que gente.” (p. 124).

“Pastores guardiões de uma paisagem”, é um livro intenso, repleto de informação sistematizada, a partir dos depoimentos dos protagonistas que são fontes primordiais para o autor, salvos do olvido pelo magnífico trabalho de Eddy Nelson Chambino.

O fulgor da obra, cuja bibliografia de cariz transfronteiriço realça a abrangência de cenários e actores, merece degustação minuciosa, até porque a diminuta letra não permite leitores apressados.



Nestas páginas de partilha ou na conversa em terras de Idanha, aprendemos com Eddy a Arte Maior de entender o Outro e os rituais quotidianos, reproduzindo costumes reconfigurados, que em “O Mundo na Era da Globalização”, Giddens lembra tratar-se o tradicional de efabulação recente.



Há livros que escutam o tempo.

“Pastores guardiões de uma paisagem”, regista uma actividade secular, essencial para a economia dos lugares.

Pelo conteúdo e pela análise realizada, Eddy Chambino não pode ser ignorado por quem pretende estudar territórios e populações de cariz agrícola.

Bem hajas, Companheiro, por este olhar que enriquece o conhecimento do que é ser andarilho nos campos onde se nasce universal e português.



24-6-2019

Luís Filipe Maçarico

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