"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, junho 23, 2019

FILARMÓNICAS: ESCOLAS POPULARES DE MÚSICA - MITOS E PRECONCEITOS


Da revista nº 25 de Abril de 2019, da Associação Aldraba, transcrevo este artigo de minha autoria:




Assistimos recentemente a uma comunicação de um professor universitário que, ao falar de cultura, enunciou o facto de no tempo do Estado Novo existir uma classificação de Alta Cultura e Cultura Popular. A dissertação visava o futuro do Cante, mas o palestrante alongou-se em considerações sobre a música operática, omitindo as bandas filarmónicas, enquanto fontes de aprendizagem e formação dos jovens, os quais acabam por ingressar nas orquestras sinfónicas, como é o caso da Gulbenkian, ou até de instituições europeias, onde a qualidade dos seus conhecimentos é apreciada e validada.



Susana Bilou Russo, na sua tese de mestrado em antropologia “As Bandas Filarmónicas Enquanto Património: Um Estudo de Caso no Concelho de Évora” (ISCTE, 2007), assegura que “é possível considerar qualquer prática musical como testemunho e património cultural da Sociedade onde está inserida”. (Russo; 2007:6)

Esta antropóloga salienta “o papel das Sociedades filarmónicas no ensino e divulgação da música dentro dos meios mais populares” (Ibidem: 12) evidenciando o facto de Michel Giacometti, Lopes Graça, Veiga de Oliveira e Jorge Dias não terem dado grande importância, nos seus estudos, às bandas filarmónicas.



Susana Bilou Russo dá grande relevância a Pedro Freitas, que, em 1946 escreveu a “História da Música Popular” abordando duzentas bandas, mostrando aquela obra o carácter associativo, que valoriza a comunidade e a música popular das filarmónicas, vistas por dentro através do espírito crítico de um filarmónico que valorizou o povo, enquanto protagonista da cultura popular.

O trabalho das bandas civis “é uma prática musical que está enraizada no ouvido popular que a canta e sente” (Freitas, 1946:29).

Para Susana Russo, com o liberalismo, novos direitos (de reunião e associação) originaram a Sociedade Filarmónica fundada por Domingos Bomtempo, em 1822, que terá sido o embrião das associações musicais de cariz popular que se formaram na segunda metade do século XIX, distinguindo-se das bandas militares.

Abertas à participação universal, unificavam e atenuavam através de uma farda, as classes sociais dos executantes.



Nas conclusões da sua investigação, Susana Bilou Russo considera que o seu estudo “acaba por integrar as bandas filarmónicas como um objecto inovador, na medida em que o seu valor patrimonial se espelha na fusão entre duas realidades que contribuem para a sua própria formação e dinamização. Através deste trabalho, concluímos que a prática filarmónica não é caracteristicamente urbana, mas também não exclusivamente rural, não é de todo tradicional, mas também não se confina a uma prática erudita, ou seja, estamos a abordar um objecto que define o seu estatuto dentro de um terreno que flutua entre dois mundos que cada vez mais têm atenuadas as suas fronteiras, influenciando-se mutuamente o que faz da prática filarmónica um interessante objecto de abordagem que nos permite fazer um exercício interpretativo sobre o modo como são reformuladas e revitalizadas no presentes as práticas que se reportam ao passado.  (Ibidem: 136).



“À Sombra de um Passado por Contar: A banda de música de Santiago de Riba-Ul”, dissertação de doutoramento de Helena Marisa Matos Lourosa, foi apresentada na Universidade de Aveiro, Departamento de Comunicação e Arte, cinco anos depois do estudo de Susana Russo.

Neste trabalho académico, recorda-se que as bandas militares terão tido origem nos músicos de sopro e percussão, que integravam agrupamentos de militares, a partir do século XVI.

Helena Lourosa afirma que existem cerca de oitocentas bandas em Portugal (Lourosa, 2012:74) abordando na sua investigação a questão do mito fundacional das bandas, detendo-se no caso daquela que é considerada a mais antiga do país, desmontando alguma efabulação, que foi causada a partir da leitura precipitada da documentação histórica da colectividade, argumentando a investigadora que a antiguidade da banda de Santiago de Riba-Ul se apoia em personagens mencionados nos testemunhos escritos, pelo que a data da criação da banda não pode corresponder à verdade. Diz ela: “A possibilidade de ler “diferentes datas” [num] manuscrito foi aproveitada pela banda de Santiago de Riba-Ul como forma de poder ampliar a sua ancestralidade.” (Ibidem: 148) Helena Lourosa realça: Com o conhecimento que hoje temos sobre a história da música em Portugal, e também com o cruzamento de dados e a própria inquirição que naturalmente fazemos hoje à história, torna-se evidente que a data de 1722 não poderia nunca corresponder à data do manuscrito autógrafo. Em primeiro lugar porque António da Silva Leite [compositor] nasceu em 1759, e depois porque a princesa Carlota Joaquina, a quem é dedicada a obra, nasceu em 1775, tendo vindo a casar-se com o rei D. João VI de Portugal com apenas 10 anos em 1785. “



Esta autora no final da sua importantíssima tese, conclui: “Ao iniciar a minha investigação com um estudo de caso, vi nesta pesquisa a oportunidade de contribuir, de forma mais abrangente, para o conhecimento do meio filarmónico português (…) O uso dos acervos das bandas é, em meu entender, um instrumento de enorme relevância para o estudo deste campo institucional desde que analisado a partir de uma perspetiva intertextual. Só assim poderemos redescobrir a história, inquirir a memória semântica e estabelecer uma aproximação mais coerente com o passado. (…) Expandir esta metodologia de trabalho permitir-nos-á aceder a um conhecimento mais sólido sobre a vida musical intensa que esteve durante pelo menos dois séculos nas mãos de músicos amadores. Foram eles que ajudaram a concretizar e a consolidar um tipo de agrupamento que ainda hoje, em alguns contextos, mantém a designação que porventura melhor o define: a música.” (Ibidem: pp.253-254)



Estes contributos académicos, que finalmente ousaram interpelar a história e a função social das bandas filarmónicas, enriqueceram o conhecimento geral sobre um património que é transversal e movimenta milhares de indivíduos, nos corpos sociais como no ensino e na aprendizagem da música, ao alcance de todos.

Quisemos falar com cidadãos ligados a este movimento, para completar este breve olhar acerca dos músicos que animam largos, coretos, teatros, festividades religiosas e profanas.

Aos 76 anos de idade Joaquim Barata Silva[1], Presidente da Direcção da Sociedade Filarmónica União e Capricho Olivalense, “com quarenta anos ininterruptos como dirigente da SFUCO”, revela “tenho mais anos de dirigente que o Pinto da Costa. Não ganhei campeonatos europeus e não recebi nem escudos nem euros.”

Joaquim Silva, na breve conversa que entabulámos, lembrou que os alunos do Conservatório Nacional “começaram todos nas escolas das Bandas Filarmónicas.”

Alberto Pereira Ramos[2], dirigente associativo durante toda uma vida, falou-nos assim da Banda da Academia Almadense, que este ano festeja os 124 anos: “Depois do 25 de Abril, a banda estava semi-desfeita e parou durante um ano. Reabriu renovada com uma quantidade de miúdos na rua a tocar. Desfilou sempre.”

Pereira Ramos evidencia que no concelho de Almada existem quatro bandas: Incrível, Academia, SFUAP e Trafariense. “Todas vivas!”

Este sábio do Associativismo revela que “Quando foi das invasões, os franceses tinham por hábito acompanhar o exército com charangas musicais. Levaram daqui músicos (havia grupos de cidadãos que se juntavam para executar música). A partir daí terá surgido a banda de Santiago Riba-Ul.” E acrescenta ao seu testemunho, uma confidência. Pereira Ramos conta que Pedro Freitas “queimou o resto da edição da “História da Música Popular” no seu quintal do Barreiro por não se ter vendido.”

Curiosamente, passado mais de meio século, essa obra de referência para os investigadores do fenómeno filarmónico, é citada em duas teses académicas, sendo suporte dos estudos anteriormente referidos.



Sobre este incontornável (e identitário) património muito há ainda para estudar.

A Aldraba, com este artigo quer chamar a atenção para o manancial de saberes que a Música guarda, enquanto espelho das comunidades e dos construtores de Futuro, que são os componentes das Filarmónicas, - Dirigentes, Maestros e Executantes.

Portugal é um país rico nesta prática, que tanto contribui para a Cultura da sua população. A fruição da Música eleva o espírito e torna os seres humanos mais aptos para a Sociabilidade, à luz dos ensinamentos da Revolução de 1789: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.



Luís Filipe Maçarico (texto) Rui Elias (fotografias)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


(consultada em Abril de 2019. Acedida várias vezes)


(consultada em Abril de 2019. Acedida várias vezes)



[1] Depoimento em Abril de 2019.
[2] Depoimento em 27-4-2019.

segunda-feira, junho 17, 2019

Rúben de Carvalho A Essência da Poesia

Rúben de Carvalho acompanhou-me com a sua sabedoria e cultura, através da rádio. 
Ouvi-o muitas vezes, na Antena 1, com Iolanda Ferreira, apresentando, divertidos, as "Crónicas da Idade Mídia", uma hora semanal de excelência, viajando por épocas e geografias, sendo a música contemporânea o pretexto para a conversa e a partilha. As noites de segunda para terça nunca mais serão assim, empolgantes. Estranhei, quando na semana passada repetiram uma edição antiga do programa, sobre as marchas populares de Lisboa…

A sua forma de comunicar era cativante, quando ao lado de Nogueira Pinto dava alma aos "Radicais Livres", deixando sonoras gargalhadas no éter, dando largas a um sentido de humor que o distinguia. 
Rui Pego, tal como David Ferreira foram comoventes, celebrando a genialidade deste ser humano que se transcendeu, ao enfrentar as diversas prisões que o fascismo lhe montou, pelos seus ideais, ou na criação de grandes eventos em tempo de Liberdade, como a Festa do Avante.

Há pessoas que ao longo da sua caminhada e pela qualidade da escala humana dos seus gestos são a essência da Poesia.

Este domingo escutei o Ricardo Rocha dedilhando a guitarra cuja genialidade herdou do avô e um trecho sinfónico baseado na Carvalhesa, durante o funeral deste homem que um dia me telefonou para felicitar a revista da Aldraba - Associação do Espaço e Património Popular, por incluir um testemunho sobre a vida no bairro da Musgueira, artigo esse escrito por Manuel José Graça da Silva. Para Rúben, depoimentos como aquele podiam ajudar bastante os responsáveis das autarquias com o pelouro da Intervenção Social, nas intervenções de realojamento, pois era um olhar por dentro e não o registo de técnicos, geralmente distanciado.

Conheci-o com esta diferença de atitudes e pensamento. 
Rúben foi alguém que passou neste Mundo com a sensibilidade dos sonhadores, entre a magia da criação e a crueza do quotidiano, interpelando-nos com a subtileza da árvore que todas as primaveras floresce de novo e as asas das palavras mais fraternas, que iluminam a caminhada. Melómano e musicólogo, os seus conhecimentos eram vastos. Mas o intelectual procurava não se distanciar do território popular, junto do qual foi recolhendo profunda informação sobre o Fado, a par das fontes eruditas.

Estive no cemitério do Alto de São João para abraçar a Madalena Santos e homenagear uma Vida que inventou um pouco do perfume de paraíso, fruído nesta terra, lembrando-nos todavia que para o sentirmos é preciso lutar, lutar sempre!
De luta se fez a sua existência, ajudando a construir o futuro, acreditando que é possível viver melhor!
Obrigado Rúben, pelo fantástico fôlego e pela incansável persistência que nos ensinaste!

Luís Filipe Maçarico (texto) Fotografia recolhida na página da Antena 1.


sábado, junho 15, 2019

A DESTRUIÇÂO DE UMA PAISAGEM CULTURAL


Transcrevo da revista "Alentejo", nº 45, pp.24-25, este artigo de minha autoria:



Embora existam notícias menos negativas sobre a actualidade no Alentejo, optei uma vez mais por falar do que não está correcto e merece reprovação colectiva.

Algumas associações, cujo objectivo é a salvaguarda do património ambiental, têm apresentado publicamente libelos questionando a justeza e a legalidade de práticas intensivas, que afectam os humanos, os animais e a natureza.



Pergunto-me, face ao que leio, vejo e escuto, onde estão as autoridades os cidadãos, as colectividades, as autarquias, os abaixo assinados, as manifestações, as preocupações evidentes de todos e até os autores populares do Cante, para se insurgirem contra a agressão ao Alentejo, que sob o pretexto do desenvolvimento e do progresso, está a matar a identidade alentejana. Será que protestaram nas diversas cidades e foram silenciados pela comunicação social? Desconhecemos qual a atitude (perante estas más notícias) dos cidadãos e dos seus representantes locais e nacionais.



Há que falar nos pássaros que morrem aos milhares, sugados pelas máquinas que substituíram o varejo da azeitona nos olivais super-intensivos e da monstruosa invasão de herbicidas, pesticidas e fertilizantes, que afecta a terra e o indispensável equilíbrio ecológico, pondo em causa a saúde de todos os seres.

No DN de 20-2-2019, noticia-se que foi pedida a proibição da apanha nocturna de azeitonas, através de meios mecânicos, que sugam olivas matando milhares de aves migratórias, alojadas nas ramagens, para descansarem antes de atravessarem o mar, rumo a África.

É preciso que os alentejanos reajam a estas notícias tristes, que foram difundidas na rádio, nos telejornais, no “Jornal de Negócios”, no “Público”, no “Expresso”, etc.



Sabemos que o Cante é a representação de um tempo, que através das vozes e dos trajes revive a época em que os homens foram jovens trabalhadores.

Esta tradição reinventada tem contudo assimilado algumas modas, onde o desemprego e a ignorância arrogante dos senhores dos gabinetes em Lisboa, que do campo sabem nada integram o repertório. Porém, não chega denunciar os desmandos, mesmo se cantando frente aos principais representantes dos órgãos do poder, com os meios de comunicação social presentes. Os media transformam tudo em folclore e consumo, é sabido…



É preciso reinventar também uma intervenção mais eficaz que mostre a funesta situação que se vive e que sem esclarecimento ilude os incautos.

No Facebook já encontrei amigos que elogiavam o Alentejo verde, arborizado, sem perceberem bem os contornos nocivos do que estavam a elogiar, até porque estes novos meios de fazer agricultura, não dão trabalho aos muitos alentejanos que são obrigados a deixar o território.



Entretanto, o “Público” de 30 de Outubro de 2018 titulou “mais de um milhar de azinheiras [foram] arrancadas para dar lugar a olival intensivo.” A tenebrosa ocorrência decorreu entre Avis e Sousel e apesar de negada, fotografias do antes e depois provaram a devastação.

Constatou-se então que a dimensão deste atentado não foi detectada por “nenhuma autoridade nacional ligada ao Ambiente ou à Agricultura”, tendo uma associação entregue uma queixa pública.

Prejudicial às pessoas e ao próprio turismo, o que aconteceu configura destruição de uma paisagem cultural.

Quem está atento e se revolta com estes atentados?

O associativismo é que nos salva, afinal, de ficarmos completamente reféns de interesses tubarónicos para os quais o lucro, mesmo que para o atingir se corram terríveis riscos, como desequilibrar o ecossistema que nos protege de calamidades, pragas, infestações, doenças.

Até quando os olhos estarão fechados, pactuando por omissão, face ao alastramento desta tremenda contaminação de solos e almas?



Luís Filipe Maçarico

EUGÉNIO DE ANDRADE E O ALENTEJO



Transcrevo da recente edição da revista da Casa do Alentejo (nº 45, Junho/Novembro de 2019, páginas 38 e 39) o artigo em epígrafe:



Em entrevistas, ou nos seus escritos, Eugénio de Andrade (nascido a 19 de Janeiro de 1923, na aldeia da Póvoa de Atalaia, concelho do Fundão) manifestou afinidade - por via das influências mediterrânicas da sua Poesia - com o sul e particularmente com o Alentejo. Há registo de ter afirmado que a sua pertença identitária se integrava numa terra que prolongava o Alentejo na Beira Baixa, seguindo assim o que o Professor Orlando Ribeiro escreveu na obra “Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico”

O seu convívio com grandes vultos da Cultura e das Ciências Sociais, como Sophia de Mello Breyner Anderson ou o etnólogo Veiga de Oliveira, contribuíram para a consolidação dessa matriz.

Em 1997, com a chancela da Câmara Municipal de Beja e da Fundação Eugénio de Andrade foi publicado o livro de versos e prosa poética “Alentejo”.

Nessa obra, podemos ler frases e estrofes como estas:

“o branco obstinado” (p.5) , “a marca do fogo no avesso da pele” (p.9),  “o descampado, os sulcos da sede” (Ibidem), “um delírio de luz sobe à cabeça, com a música das cigarras” (p.13). “O que me fascina aqui é uma conquista do espírito sem paralelo no resto do país, numa palavra: um estilo. O melhor do Alentejo é uma liberdade que escolheu a ordem, o equilíbrio” (p. 13), “Povertá[1] é talvez a palavra ajustada a uma estética alheia ao excesso, ao desmedido (…) Ao luxo prefere-se a modéstia (…) Não se nasce impunemente no Alentejo” (p.14). “Meu coração, Alentejo de orvalho” (p. 31). “Nasci na Beira, em terras interiores que prolongam o Alentejo. (…) tenho a nostalgia do sul” (p. 47).

Na evocação do olhar de Eugénio de Andrade sobre o Alentejo, transcrevo um texto belíssimo que enche de orgulho os que amam o sul e, talvez por isso, exija de todos os alentejanos que nunca deixem de contribuir para reforçar a sua identidade que o Poeta tão bem enaltece.

Luís Filipe Maçarico


“No Alentejo, em fins de Julho ou princípios de Agosto, o olhar atinge o seu zénite. No horizonte raso e limpo tudo parece pegado à terra: muros, árvores, medas de palha, montes, quando se avistam distantes. Um delírio de luz sobe à cabeça, como a música das cigarras, e faz doer. As coisas todas estalam como romãs maduras, e ficam cheias de brilhos. Mesmo dentro de casa, com portas e janelas trancadas, a luz entra pelas frestas, entorna-se pelas tijoleiras e reflecte-se, tenuemente rosada, na brancura das paredes. No pátio, uma oculta água ergue-se num repuxo exíguo - e é pura delícia. Cheira a barro e a cal, cheira a coentros e a queijo seco. Cheira ao que é da terra e regressa à terra. Um som de guizos, o trote miúdo das mulas, o grito de uma criança, custam a distinguir, de tão longe vêm. Neste longo, ardente verão do sul apenas as cigarras têm modulações amplas. À roda tudo é silêncio e secura. Os próprios homens quase não têm fala, mas os seus olhos queimam como duas pedras expostas ao sol durante milhares de dias. Só eles afirmam que nem tudo no Alentejo nasce e morre acachapado à terra. Eles, e uns pombos bravos que subitamente rasgam o céu, como quem foge ao áspero, ardido, amargo coração do meu país.

Falei da luz do Alentejo, mas não é ela que verdadeiramente me liga e religa a esta terra: é demasiado ácida, falta-lhe uma doçura última, mediterrânea, que só encontraremos mais a sul. O que me fascina aqui é uma conquista do espírito sem paralelo no resto do país, numa palavra: um estilo. O melhor do Alentejo é uma liberdade que escolheu a ordem, o equilíbrio. Estas formas puras, sóbrias de linha e de cor, que vão da paisagem à arquitectura, da arquitectura ao vestuário, do vestuário ao cante, são a expressão de um espírito terreno cioso de limpidez, capaz da suprema elegância de ser simples. Povertà é talvez a palavra ajustada a uma estética alheia ao excesso, ao desmedido, ao espectacular. Ao luxo prefere-se a modéstia; à anarquia, o rigor; à paixão, um concentrado amor. O Alentejo é inimigo do barroco em nome da claridade. Mundo cerrado (quase apetecia escrever: encarcerado), sem dúvida; mas dos seus limites tira o alentejano a força. O seu olhar, na impossibilidade de ir mais longe, irá cada vez mais fundo, e o que lhe sai das mãos é fruto de uma paisagem enxuta, quase hirta, de uma magreza reduzida ao osso. Uma paisagem essencial, de que pode orgulhar-se um homem, quando lhe reflecte o rosto ou a alma.”



Eugénio de Andrade, Alentejo (1997).



[1]   Creio que Povertá define (por oposição ao excesso e ao luxo) o despojamento. O próprio Eugénio escreveu que “Vitorino Nemésio (…) a propósito de um dos meus primeiros livros, falou em estética da povertà e apologia do desprendimento. (.,). Uma tal estética não podia, naturalmente, deixar de me aproximar cada vez mais de uma linguagem substantiva, magra, seca, e a tornar-me odiosas todas as formas de exibicionismo, a começar pelas culturais.” (Andrade, 1993: 129-130)

terça-feira, junho 04, 2019

Chá de Tremoço - Uma Verdade Inquestionável com Benefícios Maravilhosos

Metodologia
Deixa-se de um dia para o outro, todos os dias num total de 60 dias, uma quantidade de tremoços secos em água.
Na manhã seguinte, essa água - porque absorveu os alcaloides tóxicos, presentes nas leguminosas - deita-se fora.
Retalham-se os tremoços e ferve-se, numa água nova, bebendo-se em jejum.

Quantidades e Fases das Tomas
Durante 20 dias usam-se 25 tremoços.
Cinco dias de descanso.
Nos 20 dias que se seguem, usam-se 20 tremoços.
Cinco dias de descanso.
Nos últimos 20 dias usam-se 15 tremoços.
É fácil, mas trata-se realmente de um ofício de paciência. Que vale a pena, pelos imensos benefícios que o tremoço produz no nosso organismo.
Baixa glicémia, colesterol, fonte de fibra e minerais (cálcio, potássio, ferro e zinco) - regulariza trânsito intestinal, emagrece, faz bem à pele, pobre em calorias e gorduras, faz bem aos ossos (vitaminas do complexo B), combate cansaço e dá energia.

NOTA: Os diabetes andaram descontrolados. Lembrei-me de voltar a fazer esta mezinha que conhecia contra o ácido úrico. Os resultados das análises foram espectaculares. Os triglicéridos, o colesterol e a glicémia tiveram uma colossal redução.
Experimentem, sobretudo se forem diabetes tipo2 e boa energia para cada dia!
Luís filipe Maçarico (texto/receita e fotografia) 

segunda-feira, junho 03, 2019

Apresentação de "Uma Casa é Como Uma Árvore por Dentro" em Oledo (Idanha-a-Nova)

Quinze dias após a apresentação em Mértola ( que ocorrera na sexta 17 de Maio), viajei até Oledo (Idanha-a-Nova) para, com o apoio da Associação Raia Gerações e da Junta de Freguesia de Oledo, prosseguir a divulgação do meu 22º livro de poesia, na sexta 31 de Maio de 2019.
Na assistência estavam, entre outros, o Amigo Francisco Miguel Barata Roxo de Alpedrinha, que fez a reportagem fotográfica, o  doutorando Vasco Teixeira e o jovem poeta João Nery (que foi convidado a dizer um texto de sua autoria), além de público oriundo de vários lugares da Beira Baixa e do próprio presidente da Junta de Freguesia de Oledo, senhor Joaquim Laranjo. A sessão terminou com uma intervenção musical, a cargo de Tom Hamilton, músico escocês radicado na Idanha há cerca de três décadas que acompanhou a Jovem cantora Solange de Sousa, cujas interpretações peculiares de temas da música tradicional impressionaram pela qualidade.
Coube ao querido Amigo e Antropólogo Eddy Nelson Chambino apresentar o autor e a obra, desta forma magistral:


"A poesia do Luís é solar mas por vezes ganha um estranho impulso de sopros nocturnos que são também vertigens de sonhos e de viagens.



O poeta-antropólogo é um viajante de olhares fascinados, percorre os escaparates das cidades e esses lugares tão próximos e tão distantes.



 É clássica a sua persistência, principalmente quando se abeira das sombras dos caminhos na procura de saberes tão diversos e sempre tão claros.



O Luís é amigo de tenras e fraternas amizades que no mundo de hoje, tão hiperconectado de solidões, soam já como uma música das coisas perdidas.



A noite na poesia do Luís surge quase sempre como um continente de anseios e de mansas vertigens, mas não pensem só nos tectónicos adormecimentos, porque há gritos, roucos e frenéticos, na poesia do Luís.



E finalmente o poeta chega a casa, esta casa que é uma árvore por dentro, por onde as viagens entram e saem como cristais lapidados. Mas também parece uma casa que o poeta quer deixar, como se deixam as palavras a arder num papel embrulhado ou as partidas depois dos encontros.



E nós aqui, combinados e encontrados no centro deste final de tarde de Maio, em Oledo, tão silenciosos havemos sempre de nos lembrar até ao profundo dos nossos dias que os poetas hão-de acender sempre muitas casas como nós….Bem hajas Luís…"

 

Eddy Chambino 


"Uma Casa é Como Uma Árvore por Dentro", em Mértola, durante o X Festival Islâmico, numa apresentação alternativa

A apresentação do meu 22º livro de poesia "Uma Casa é como Uma Árvore por Dentro", em Mértola, em programa alternativo [do Campo Arqueológico, no Centro de Estudos Islâmicos e do Mediterrâneo], à programação do X Festival Islâmico, juntou cerca de duas dezenas de pessoas, participativas, algumas das quais leram poemas daquela obra.
O livro foi apresentado pela Professora Doutora Susana Gómez Martinez, que realçou o facto do autor ter sido aluno de um mestrado naquela instituição, mostrando-se tocada pelos versos, tendo lido aquele que é dedicado a Mabrouk (de Jerba).
José Alberto Franco e Maria Eugénia Gomes convidados pelo poeta, colaboraram nesta iniciativa dizendo alguns poemas e na assistência, Maria Branco Martins leu o poema "Tomoko em Tozeur" e Manuela Barros interveio também, lendo um poema.
Presente na sessão, Cláudio Torres acompanhou com visível satisfação o evento, tal como José Rodrigues, e antigos colegas de trabalho e de estudo como Eduardo Nascimento, que estando a fruir o Festival quiseram associar-se a este momento tão significativo de fraternidade.
Maria José Lascas e Manuela Rosa, juntaram-se ao grupo, aquando da sessão de autógrafos.
Na ocasião, fiz a seguinte intervenção:

"Começo por agradecer tudo o que me foi proporcionado, ao longo da última década, pelo Campo Arqueológico de Mértola.
Desde que fui aluno do mestrado "Portugal Islâmico e o Mediterrâneo", que concluí apresentando a dissertação "A Mão que Protege e a Mão que Chama: Orientalismo e Efabulação em Torno de um Objecto Simbólico do Mediterrâneo", tenho tido a Amizade e o Apoio Académico e Literário, que permitiu trazer, em época de Festival Islâmico, os livros de poemas "Ilha de Jasmim", "Aquela Pequena Sabedoria de Estrelas Repartidas" e "Os Pastores do Sol". 
É com imensa gratidão que sublinho a envolvência de Cláudio Torres e Susana Goméz nestes eventos, depois do lançamento de "Cadernos de Areia", no Largo da Alcachofra, nos primórdios do Festival, onde o Professor Cláudio Também esteve.
Seria ingrato da minha parte se não exaltasse hoje e aqui a interacção que o vosso companheirismo permite. A vossa relação com os alunos é de tal forma grandiosa que vos coloca num plano singular, em relação ao mundo dos académicos, que geralmente funciona em sistema de vasos comunicantes, perpetuando um ecletismo que é sinónimo de fechamento.
O quinto livro que trago hoje para este Maio de 2019, é um contributo para a arqueologia da memória, para a antropologia das viagens, para a história da vida nas cidades, para a etnografia do olhar, para a sociologia das emoções, para a geografia da pertença.
Esta semana, a Professora Zulmira Bento, fez-me chegar uma mensagem onde diz que a minha escrita tem uma "verticalidade que não é agressiva, o que não é fácil de conseguir."
Recorro à entrevista que concedi a José Serrano, do "Diário do Alentejo", cuja primeira resposta resume "Uma Casa é como Uma Árvore por Dentro": "Durante muitas décadas vivi em Lisboa, no bairro de Alcântara. A casa foi cais de partidas e chegadas. Em criança, a chuva repassava soalhos e caía na minha cama  de menino pobre. Em velho, a chuva voltou a cair junto ao ouvido, no quarto.
O porta-voz dos dez proprietários assegurou que não tinham intenção de fazer obras. Foi um convite para sair.
Moro há 3 anos em Almada.
O livro fala da casa antiga e da nova: metaforicamente comparo-a a uma árvore e nas suas páginas o leitor é convidado a viajar dentro do mundo do poeta e dos sítios onde deixou uma pegada de afecto ou do espanto: Madrid, Tozeur, Jerba, Alpedrinha, Beja.
Termino desejando uma leitura onde cada um se identifique com este percurso que sendo meu é também de todos vós, na luta por uma Terra Melhor!"

Almada, 13-5-2019
Luís Filipe Maçarico