"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, março 31, 2008

Alentejo, Um Povo, Uma Cultura - Um Artigo de Luís Filipe Maçarico no Almanaque Alentejano








ALENTEJO, UM POVO, UMA CULTURA


ONTEM


O território alentejano onde os seus habitantes desenvolvem actividades e projectos, corresponde a um terço do espaço geográfico continental português.

Os largos horizontes, o trigo, a oliveira, a azinheira marcam os indivíduos, a par das suas vivências, dos sonhos, das lendas, da poesia em que mergulham, fazendo décimas, associando-se no cante.

Nas tabernas, nos convívios, nas feiras, nas festas, os alentejanos soltam as gargantas e delas irrompe um sol de sílabas, uma brisa fraterna, um trilar de pássaros, um rumor de chuva.

A tradição, a sabedoria popular, os rituais, os costumes ancestrais, observáveis nos comportamentos, na gastronomia, na cultura, que evidencia em Fialho de Almeida e Manuel da Fonseca dois expoentes de vulto, são valores identitários, que sublinham o carácter de um povo, que foi resistindo a um certo abandono, disseminado por políticas governamentais autistas e dilatado pela desertificação e o envelhecimento.


HOJE


As autarquias locais sustêm parte substancial da população, proporcionando trabalho, estancando a sangria migratória, ajudando a manter pertenças.

Os apoios comunitários nem sempre foram parar a boas mãos. A ostentação dos bafejados, visível em espampanantes pecúlios e a falência de experiências empresariais oportunistas empobreceram ainda mais a região.

Alqueva alimentou o imaginário de gerações. A escassez de terra disponível para usufruto da população activa e o desinteresse dos jovens pela actividade agrícola, determinaram a inversão de um desígnio promissor. Entretanto, os espanhóis vão ocupando o território…

Não obstante a esperança de um Mundo mais justo, reanimada em 25 de Abril de 1974, intuitos seculares de escassos privilegiados, têm conseguido maior enriquecimento, à custa da agonia do colectivo com parcos recursos, parecendo eternizar-se.

E como se tudo isto já não fosse suficientemente acabrunhante, os iluminados bajuladores de Bruxelas inventaram um alargamento artificial da região, abarcando agora o Alentejo - para efeitos dos subsídios comunitários que visam beneficiar o distrito de Santarém - parte substancial do Ribatejo.


AMANHÃ


Restam os valores decorrentes da herança transmitida pelos antepassados. A pujança do património material constatável na monumentalidade dos castelos, das catedrais, dos paços, dos centros históricos, no espírito de lugares míticos como Aviz, Beja, Évora, Marvão, Mértola, Monsaraz, Montemor-o-Novo, Noudar, Vidigueira, só para citar alguns exemplos.

A preservação da memória - histórias de vida como as dos contrabandistas, que originaram rotas de veraneio e aventura para gente citadina, os tesouros da oralidade, perceptíveis no adagiário e no cancioneiro.

O património imperceptível, como é o caso da linguagem das velhas portas de madeira trabalhada, repletas de autênticas jóias das forjas de antanho, com artísticas aldrabas, batentes, puxadores, postigos.

O património imaterial como as saias, a viola campaniça, as modas. A preciosidade de uma gastronomia sem par. Um saber fazer que deixou na paisagem dos montados, das searas, das serras, dos rios, da raia e da costa, a taipa e a abobadilha, os tapetes de Arraiolos, os oleiros do Redondo e São Pedro do Corval, os queijos de Serpa e Nisa, o pão alentejano, os montes, a arte de abegões e ferreiros, a panóplia patrimonial que a forma de estar dos alentejanos originou.

O Turismo será o ouro do futuro.

Todavia, para que o património seja fruído, indispensável é divulgá-lo para que todos, visitantes e população residente sintam a importância incontornável do legado que recebemos. É preciso guardar as palavras que as velhas bibliotecas vivas podem partilhar. Não deixem morrer os velhos, sem registar o que eles aprenderam com os seus!

A açorda, as migas, o ensopado de borrego, o cozido de grão, o gaspacho, a sericaia, a moda da silva, as recordações do ferrador, são momentos de grande intensidade e beleza da Comunidade, que urge proteger do esquecimento. Para que haja interesse em continuar a viver nas terras do sul, proporcionando aos que buscam estes espaços uma identidade singular, genuína, com múltiplas propostas à escala humana.


Lisboa, 6 e 7 de Dezembro de 2007

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

1 comentário:

emej disse...

Parbéns pelo artigo. Parabéns pela prosa. Um abraço do miguel. Faro