Fotografias de Luís Filipe Maçarico
*Publicado na Revista "Alentejo", nº 43, pp. 30-31.
Galopim de Carvalho recebeu a equipa da
revista da Casa do Alentejo, na companhia da sua esposa, com grande
cordialidade. Senhor de grande humanismo, partilhou de forma simples e afável,
estórias da sua caminhada que ora nos fizeram sorrir, ora nos comoveram, tal é
a riqueza de conteúdo da sua experiência, enquanto cidadão e académico.
CA- De onde vem o nome Galopim?
GC- “Veio de Alcanede, ah mas há Galopins
por todo o Mundo. No Facebook descobri primos em Galveias (Ponte de Sor),
estabeleceram a relação e chegaram à conclusão que tinham parentes próximos. Há
um restaurante com o nome Galopim nos Estados Unidos. O meu avô veio de
Alcanede, a minha avó era Almaça (do Alvito). Os filhos varões da minha avó
ficaram Almaça. Essa geração vive em Moura”.
CA – De onde vem o seu interesse pela
Ciência?
GC- “É muito fácil. Quando estava no 5º
ano do Liceu, tive um professor que veio aqui de Lisboa que me meteu aquele
“bichinho”. Pegou naqueles caixotes de pedras…
No princípio do século havia mais de cem
minas a laborar (pequeninas, artesanais). Agora com a mundialização só temos
volfrâmio e cobre para exportar.
Esse professor começou a fazer uma
colecção de minerais. Pediu-me para ajudar e eu gostei muito. Lavava as pedras,
rotulava (feldspato, etc) e fizemos uma pequena colecção.
A influência do professor…um bom professor
não tem alunos maus!
CA- E os dinossauros, como apareceram na
sua vida?
GC- “Eu faço Geologia, sou Professor de
Geologia. Nunca estudei dinossauros e no ano de 1990 aparece o projecto da CREL
que ia destruir jazida com pegadas descobertas por alunos meus. Era uma
pedreira abandonada e viram o trilho muito importante. Depois, denunciaram. Eu,
nessa altura, era director do Museu [Museu Nacional de História Natural e
Ciência]. Nunca tinha estudado dinossauros. Empenhei-me ao limite das minhas
forças. Mexi com jornalistas, professores, ministros, o próprio Mário Soares
[então Presidente da República]. Só quem resistiu foi o Cavaco que não queria
dar 1 milhão e 600 mil contos. A pressão foi tão grande, pûs as crianças a
enviar postais “Senhor Primeiro Ministro: Salve as Pegadas!”
Para falar à Televisão, jornais e escolas
tive de estudar os livros de grandes divulgadores. Estudo aquilo muito bem e
transformo aquilo num livro, em artigos nos jornais, trago exposições de
dinossauros…
Aqueles colegas verdadeiros cientistas
devem dizer: “Então a gente é que estuda e ele é que aparece? Não escondo esta
coisa… Sou especialista…nas generalidades!
Eu estava na Alemanha quando a família
Mateus descobre ovinhos com embriões. A Televisão alemã veio entrevistar-me
para explicar o achado das pegadas da Lourinhã.
Vou a qualquer lado e apresentam-me como
“o avô dos dinossauros, o grande especialista”, o que cria um embaraço.
A divulgação tem outra vantagem: O Governo
percebeu que era importante e já vai havendo bolsas para investigação.
Na exposição que houve tínhamos dias com
8000 crianças de todo o país. Havia camionetas do Rato até ao Cais do Sodré.
Foi uma loucura. Na última noite, fechámos as portas às seis da manhã.
Às 3 da manhã chegou uma carrinha com
mulheres de pescadores de Sesimbra, para ver. A partir da meia-noite deixámos
de cobrar bilhetes.
Infelizmente, as pegadas estão a
degradar-se.
O projecto que fizemos de musealização não
avançou. Os autarcas dão muitas palmadas nas costas e as acácias invadiram a
pedreira, estão a destruir a pedra. O Poder não está interessado, tem outras
preocupações.”
CA- Como olha para o Futuro?
GC- “Não sei! Acho que a Terra não vai
suportar a pressão da grande indústria poluente. A Terra está a dar sinais
evidentes de esgotamento e agressão. O Capitalismo explora e socializa a poluição.
Já não se come peixe - espada preto,
porque tem muito mercúrio. A gente já não sabe se está a comer trigo
transformado. A pera rocha está contaminada com antibióticos…
CA- A Dieta Mediterrânica integra o seu
quotidiano?
GC- “O fundo tradicional está lá sempre.
Eu entreguei ao editor um livro que se vai chamar “Açordas, Migas e Conversas”.
Isto para dizer que a tradição gastronómica alentejana está na minha cabeça.
Vivemos 3 anos em França. Íamos arranjando
os produtos que cozinhávamos…”
CA- Que significado teve o 25 de Abril
para si?
GC- “Olhe (sorriso largo), nessa altura
tinha um gravador daqueles com bobines, tinha música gravada. Publiquei um
artigo “Gravar Zeca por cima de Ravel”. O Zeca tinha canções proibidas…
Foi um dia muito bonito!
Às 4 da manhã uma aluna da minha mulher
telefona-lhe a dizer que tinham recebido telefonemas de Santarém a dizer que
vinha uma coluna militar a caminho de Lisboa.
Telefonei ao Henrique Pina [descobridor do
cromeleque dos Almendres] que respondeu “São os bons!”
A esposa: “Sem eu saber e ele, tivemos em
casa, as reuniões dos capitães, guardei sem saber o que guardava!”
GC – “Foi uma data muito bonita e aquele
1º de Maio logo a seguir!”
Ao longo desta entrevista, o Professor foi
revelando que a Música o acompanhou sempre e que “Naquela noite do 25 de Abril
tinha ouvido a Grândola no Rádio Clube Português, nessa altura deitava-me tarde
e procurava música, para fazer ambiente!”
Não sendo grande leitor de Poesia, gosta
de ouvir ler poemas: “Olhe, o Vítor de Sousa, o Mário Viegas…Gostava de ouvir a
Alice Cruz. Devia-lhe muitas atenções porque fui várias vezes ao programa
dela.”
CA- Quando veio para Lisboa?
“Os estudos até ao 7º ano, foram feitos em
Évora. Vim fazer um curso que não queria: Biologia. Para o meu pai, tinha pelo
menos a garantia de ser professor de Liceu. Faço o primeiro ano mal, o segundo
ano mal e atropa chama-me, vou para Vendas Novas, colocam-me em Évora, não
tenho emprego, não tenho futuro, estou em casa do pai, estou 3 anos na tropa,
chego a tenente. Eu sou um contestatário do regime mas cauteloso. Tive zero em
aprumo militar. A informação que o regimento de vendas Novas envia para Évora
diz muito mal.
Fiquei em segundo lugar, a contar do fim,
num curso de 120 cadetes. Sou militar sem perfil. O fim da carta dizia o
seguinte: “Não devendo nunca serem-lhe confiadas missões que exijam
discernimento mental”. Fiquei rotulado.
O comandante testou-me para ver qual era a
minha capacidade. Fui nomeado oficial da limpeza. Eu tinha um sargento que era
o Limpinho, ele tinha a alcunha do “Cheira Merda”, porque antes das limpezas,
entrava e dizia “Cheira a Merda” e chateava os soldados para limparem tudo com
creolina.
Quando saio da tropa digo “o que é que eu
vou fazer à minha vida?”. Arranjo emprego na venda de máquinas registadoras e
de escritório e propaganda médica. Em 1957 caso e vivemos num quarto na Rua
Cecílio de Sousa, ela está em Lisboa, ganha, eu ganho uma miséria, nunca vendi
uma máquina, e assim fiz a licenciatura em Geologia, já casado e com empenho.
Fiquei lá [na Faculdade de Ciências] quarenta anos!”
Galopim de Carvalho lembrou-se que foi a
reuniões e jantares à Casa do Alentejo e tornou-se associado, conhecendo o
então Presidente da Direcção, Dr. Vítor Santos. E recordou ainda que falou com
Natália Correia, na Casa do Alentejo.
Acerca da sua incursão na ficção revelou:
“Eu escrevia muito no domínio da
comunicação científica, mas nunca tinha ensaiado a escrita ficcionada.
Li o livro de Zélia Gattai “Anarquistas,
Graças a Deus” onde ela relata a vida em São Paulo, no bairro dela e pensei
tenho uma riqueza de histórias que vivi e depois tenho memória de cavalo. E aos
61 anos publico o meu primeiro livro - “O Cheiro da Madeira”. O Vergílio
Ferreira instigou-me a escrever, Agostinho da Silva também.
A Câmara de Évora, com o Abílio Fernandes
como Presidente, compra o livro. Os lucros da venda foram entregues à Escola de
S. Mamede, para compra de equipamento. A escola onde apanhei muita reguada!”
A última pergunta irrompe ao fim de duas
horas de agradável convívio. Inevitável seria indagar como e quando tomou
consciência política?
GC- O Antunes da Silva era meu primo. Era
preso muitas vezes, chegava a Évora cheio de mazelas. Quando venho para Lisboa
aos meus 18 anos, já conheço amigos fugindo e presos. Todos nos calávamos, no
café, quando apareciam indivíduos da Pide.
Eu faço a minha formação social e política
no campo. Aos 13-14 anos começo a fazer campismo. Andava pelas herdades no
Alentejo e conhecia os trabalhadores rurais.
Aquilo que vou contar é síntese ficcionada.
Conheci um pastor, que começa como porqueiro, não vai à escola e faz toda a
carreira como trabalhador agrícola até chegar a moiral das vacas.
Estou com ele debaixo de uma azinheira,
ele já sabe ler [começou a ler no livro da 4ª classe do irmão] eu levo-lhe “A
Mãe” de Gorki, o “Livro de São Michel”, “As Vinhas da Ira” e ele desdobra um
papelinho que passa de mão em mão, já gasto, que é o “Avante”. Não sou
militante, mas fiz-me simpatizante, com esta vivência de um rapaz da cidade, a
ouvir os operários agrícolas.
“A gente não tem de comer”, dizem um dia
ao agrário. E ele responde “Comam palha” e eles reagem assim: “A gente quando
comer palha, vossemecê come navalha!”
Luís Filipe Maçarico e Rosa Calado.
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