Esta tarde, com Isabel Wolmar, Rosa Calado (dirigente da Casa do Alentejo), Natália Pinto (da Alma Alentejana) e um representante de Rui Nabeiro, participei na apresentação em Lisboa do novo livro de ROSA DIAS. De referir que Rosa Calado salientou que Rosa "tem todo o Alentejo dentro dela. Ela é Povo"e Isabel Wolmar, destacou que se trata de "Poesia de profunda filosofia existencial. A sua poesia saiu da crisálida, fez-se mariposa e voou, voou, até ao infinito".
Transcrevo agora o texto que escrevi propositadamente para este evento:
Em toda a sua obra publicada (e inédita), Rosa Dias realiza uma Etnografia da Memória, que a Poesia enriquece, num jogo de apuro, com as palavras, que são paleta e objectiva, recolhendo elementos para quadros, que atravessam a fronteira dos sentidos, transportando o leitor até paisagens de amplos horizontes, onde o verso tem escala humana.
Na sua poesia, emerge a génese alentejana e camponesa, o património imaterial, que consubstancia as Festas do Povo, as profissões laboriosas das gentes do campo, as tradições marcantes, o saber - fazer identitário dos mestres, a linguagem pródiga em regionalismos, o colorido de um humor distinto, que apenas os alentejanos sabem fruir. Há na dimensão dos seus retratos, das suas telas rimadas, o fulgor de páginas de escritores, como o Silva Picão, de “Através dos Campos” ou o João Mário Caldeira de “Margem Esquerda do Guadiana, As Gentes, A Terra Os Bichos”.
Rosa Dias recorre, qual antropólogo, à observação - participante, para descrever vivências, interacções, modos de ser e de fazer, e até para registar que certos rituais pertencem ao passado, pois “o mundo está em mudança, hoje a vida tem outro fado.”
Em “Novo Amanhecer”, o livro que já nos levou a Campo Maior, numa noite de Verão mágica, importa realçar que o género é pedra de toque, para Rosa falar da sublimação dos dias, através do olhar feminino, assumidamente como complemento vital da Humanidade, na conjugação homem/mulher, em colectivo, pelos territórios do Amor.
Na página 63 há um poema que vale todo o percurso de tão esplêndida existência, pois se Eugénio de Andrade escreveu “Num prato da balança um verso basta / para pesar no outro toda a minha vida”, Rosa Dias conta-nos, em “A força de querer”, escrito há oito anos:
“Disse um dia, vou em frente;/ Gritou a vida, isso é que não!/ Julgas-te gente? Não és gente/ Larga a escola; ganha o pão//
“Assim me roubaram o prazer/ De estudar, p’ra ser alguém/ Mas esta força, do querer/ Ninguém a roubou, ninguém…//
“Ter de novo na minha mão/ A saca, o lápis, a sebenta/ Foi dizer sim, a esse não/ A caminho dos sessenta…”
A toada aleixiana, que pode estar subjacente à origem desta poesia, de raiz tradicional, é suplantada pelo cunho vincadamente alentejano, pela pegada desta cidadã do mundo, pela tatuagem dos dias no seu ADN, pois a par dos hinos ao sul, saboreamos passagens pelos Açores, por Alpedrinha, andanças por Lisboa, reflexões onde o Mundo surge, enquanto realidade do quotidiano, ao ponto de também ter composto um texto actualíssimo: o rap rep da minha vida.
Depois de Toadas Alentejanas (1989) e Anexins e Nomes Engraçados de Campo Maior (1997), “Novo Amanhecer” marca uma indomável vontade de viver e partilhar uma arte, que explodiu um dia, com a urgência da fome ou da respiração, no sangue intempestivo do Verbo.
Abençoada arte da fala, que tem proporcionado, de norte a sul, o convívio com esta pessoa maravilhosa, que espalha a harmoniosa beleza de sílabas morenas, trazendo trigais e cantares, lágrimas, suores e sorrisos, esperanças e destinos, em rimas que embalam momentos, encontros, lugares.
Rosa Dias, a menina - ave, que enfeitou de sonho a sua partida para a grande cidade e nela trabalhou, amou e construiu um ninho de amor e poesia, é a mesma que decorrido um percurso, eivado de peripécias e mágoas, nos interroga, como Carlos Drumond de Andrade, acerca da melhor forma de ultrapassar a pedra, que ficou no caminho.
Querida Rosa: É um enorme privilégio ser teu amigo e poder celebrar neste espaço único, como é o teu coração, as décadas de experiência que já acumulaste, qual tesouro onde a luz e a harmonia estabelecem o equilíbrio da essência.
Não há um poeta como tu, és irrepetível, a tua eloquência, a tua vivacidade são uma oferenda para todos nós.
Interpretas como ninguém esse fogo que te alimenta, em cada estrofe, em cada espaço, onde o som e o feitiço de te escutarmos, seduzidos pela musicalidade, pela força telúrica, pela justeza de cada vocábulo, nos permite guardar o pedacinho de lava desse vulcão de sabedoria que só tu sabes.
Como agradecer-te a ternura de seres?
Luís Filipe Maçarico
Fotos: LFM/ Paula Cristina Lucas da Silva