A
HISTÓRIA DE UM ENCONTRO DO PATRIMÓNIO TRANSFRONTEIRIÇO
1.O
PAN DE MORILLE. ORIGEM DO NOME, OBJECTIVOS E SEUS CRIADORES
Sopram bons ventos de Espanha, desde o
início do século XXI, através da realização anual, em Morille, do Encontro Transfronteiriço de Poesia,
Património e Arte de Vanguarda em Meio Rural, que completou em 2018 as
dezasseis edições. Manuel Ambrosio
Sánchez Sánchez[1], alcalde daquele município, da província
de Salamanca, comunidade autónoma de Castela e Leão, que tem 22,94km2 e 258
habitantes[2]
contou-nos como nasceu este evento: “O PAN surgiu na Primavera de 2003, numa
casa particular em Morille, em torno de uma mesa composta pelo então estudante
universitário Germán Labrador Méndez, pela professora do ensino secundário
Nuria Benito Manjón e pelo próprio Manuel, vereador do Ayuntamiento local, que desejava pôr em marcha um acontecimento
cultural, anual, com alcance internacional.
A Poesia seria a coluna vertebral - e o
Festival surgiu, também, com Arte de Vanguarda e espectáculos de todo o tipo. O
seu carácter rural, festivo (daí o nome do deus grego PAN - que presidia às
festas campestres) promoveria o encontro entre escritores, artistas visitantes
e a população local. Desde as primeiras edições, quisemos destacar os contactos
com Portugal, dotando o encontro de um deliberado carácter hispano-português. A
secção “Património” foi incluída mais tarde. A direcção do PAN esteve nas mãos
de Fabio Rodriguez de la Flor, editor de prestígio.”[3]
Nos últimos anos, além do autarca, “a
equipa integra o escritor e editor António Lopes, Carlos de Abreu, homem
multifacetado, geógrafo, escritor e em 2018, Francisco José Lopes, escritor e
gestor cultural”.[4]
Na Internet lê-se que o PAN de Morille
ocorre durante o 2º ou 3º fim - de - semana de Julho, sendo seus objectivos,
além da vocação transfronteiriça, uma orientação interdisciplinar e
multicultural, onde se incorpora a provocação e o inconformismo.[5]
2.O CEMENTERIO DE ARTE
Segundo um artigo de Paola Maulén,
intitulado “Museo Mausoleo - Cementerio
de Arte de Morille Una nueva tipologia de museo?”[6], este espaço nasceu em 17-12-2005,
tendo a autarquia local cedido o terreno (90.000m2) e Manuel Ambrosio assumido
o compromisso da elaboração, desenvolvimento e financiamento do projecto.
Idealizado pelos artistas Domingo Sánchez
Blanco, Javier Utray e pelo crítico de Arte, Fernando Castro Flórez, em 2016 já
teriam sido enterradas 31 obras de Arte.
Através da observação-participante, em
2015 assistimos ao enterramento de um objecto de estúdio, pela filha do pintor
Jose Antonio Arribas, cuja magnífica exposição “El Quijote”, estava patente no
refeitório do Encontro e Leandro Vale (que várias vezes visitou o PAN) falecido
em Abril desse ano, foi homenageado com uma peça de fantoches, de sua autoria,
“Uma Outra Forma de Contar Abril”, pelo grupo “Nova Morada” e através da curta
- metragem, de Rui Pilão, “Aqui Jaz a Minha Casa” (iniciativas bastante
concorridas, com uma parte da população da terra a assistir, tendo sido
sepultado o televisor, que continuava a exibir o filme).
Em 2017, Maria Lino cujo atelier, em
Trancoso, se chama “Temos Tempo”, enterrou uma peça escultórica de sua autoria,
em protesto contra a falta de apoio à Cultura, no seu país e em 2018, outra
portuguesa, Laurinda Figueiras, com a filha Carolina, celebraram a memória do
pai e avô, o poeta e etnógrafo, criador da Ronda Típica da Meadela, José
Figueiras, depondo ali, numa caixa, o diploma de mérito, concedido ao ilustre
minhoto, a título póstumo, pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, ao som de
uma salva de tiros, disparada por cinco rapazes.
3-LITERATURA, PATRIMÓNIO E ESPECTÁCULOS
Obras de escritores ibéricos foram
apresentadas em 2015, 2017 e 2018, no Saalón de Plenos”, e todos confluíram no
Poetódromo, um recanto especial, com bancadas, em pleno campo, rodeado de
pastagens, onde os vates de vários lugares de Espanha e Portugal mostraram o
seu lirismo.
Em 2015, o poeta albicastrense António
Salvado, foi alvo de tributo, com o lançamento do seu livro “Igaedus”.
Jovens poetas, de entre os quais Suso Sudón,
Fernando Dias San Miguel ou Raúl Vacas, ombrearam com nomes consagrados, como Monserrat
Vilar e Ana Rossetti, só para citar alguns. Portugueses, como Fernando Fitas,
João Rasteiro, Aurelino Costa, Carlos de Abreu, Fernando Duarte, Cristina
Pombinho, Leocádia Regalo, Sara Timóteo e Maria José Fernandes, além de muitos
outros, completaram o elenco dos protagonistas luso-espanhóis.
A presença das filarmónicas transmontanas
e do teatro de cariz popular integrou a animação de rua, em Salamanca, Morille
e Vilarelhos.
O contributo do Património evidenciou-se
na exposição, no volume e declamação de poemas, relativos a viagens de comboio,
com “A linha do Vale do Sabor: Um Caminho-de-ferro raiano do Pocinho a Zamora”
(2015). Mas também em “Caminhos de Santiago”, “O Saber Médico do Povo”, da
autarca de Alfândega da Fé, a médica Berta Nunes, as “Línguas Raianas estudadas
por Leite de Vasconcelos, “Usanças de Antanho”, de Laurinda Figueiras (2018).
A Arte de Vanguarda levou a Morille o
pintor Rodrigo Dias, que por não poder pregar pregos no espaço ao seu dispor,
uma cochera, expôs as telas da
colecção “O Minotauro e Lendas da Minha Terra”, em trilhos e manjedouras
(2017), tendo pintado ao vivo, quer na sede do Encontro, como na réplica
portuguesa, na encantada Vilarelhos[7]
Ao longo das edições que acompanhámos,
assistimos a Concertos Musicais significativos, dos quais salientamos “Sonidos
del mundo” do argentino Pablo Messelani, Salamenco e o memorável cantautor
estremenho Miguel Ángel Gómez Naharro que brincou o auditório repleto cantando
“Bella Ciao”, “Ay Carmela” e “Grândola Vila Morena” (2015).
Morille e o seu PAN, como ficou largamente
demonstrado, é um lugar muito especial na raia, pela sua oferta cultural, tendo
o apoio da Diputación de Salamanca e Junta de Castilla y Léon. Oxalá se
mantenham as parcerias, com Alfândega da Fé e Fundão, com quem foi firmado um
protocolo pelos respectivos edis, e que num futuro próximo, a Aldraba
participe, para falar da caminhada em torno do património imperceptível e pela
salvaguarda da sabedoria material e imaterial do povo português. Quem sabe?
Luís Filipe Maçarico
[1] Professor do Departamento de
Literatura Espanhola e Hispano-Americana da Universidade de Salamanca. Além de
Presidente da Câmara Municipal, é Deputado na Diputácion Provincial.
[2] www.lagacetadesalamanca.es/viva-mi-pueblo/morille
[Gazeta de Salamanca, on line, consultada em 23-9-2018]
[3] Testemunho de Manuel Ambrosio
Sánchez Sánchez, em mensagem de correio electrónico, 16-9-2018.
[4] Ibidem.
[6] Fonte: Sophia Austral nº 17, 1er
semestre, 2016-1-14, on line [Consultado em 23-9-2018]
[7] Anteriormente houve uma versão em
Carviçais, Torre de Moncorvo, com a curta duração de dois anos.
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