A
professora Justina é uma das clientes da pastelaria Sino Doce, da Almada
antiga.
Chamou-nos
a atenção o carinho de algumas senhoras para com a nossa entrevistada,
cumprimentando-a com uma gentileza fora do comum, anunciando com esse gesto estarmos
na presença de alguém que marcou positivamente o crescimento e a aprendizagem
de gerações, gratas por esse saber-fazer e sabedoria que só algumas pessoas têm
o privilégio de partilhar.
O
nome não podia ser mais adequado pela justeza de um percurso a fazer o bem,
ajudando muitas crianças a serem adultos melhores neste mundo de dificuldades.
Quisemos conhecer melhor esta Senhora, que nasceu em Faro, na freguesia de S.
Pedro.
-
Como foi a infância?
-
Normal, com uma família normalíssima. O pai era do exército. E a mãe professora
primária.
-
Como se tornou professora?
-
Calhou, porque estava na cidade e havia a escola do Magistério ali à mão de
semear. Na altura, os pais é que decidiam. Eu fiz o liceu e depois a mãe era a
pessoa que orientava a casa. O pai era uma santa alma que não abria a boca. Nem
parecia militar. Era uma casa de mulheres. A avó, a tia, a prima. Como as casas
eram grandes, quando a pessoa tinha dificuldade, a mãe orientava o assunto. Fiz
o Magistério.
As
colocações boas eram para os privilegiados e apesar da mãe ser professora nunca
fui privilegiada. Fui colocada numa escola numa aldeola para os lados de
Portimão. Eu sempre fui um bocado reguila e disse “não vou!” – e fiquei à
espera (de vagas) Fui colocada mesmo na cidade de Portimão. Tinha lá família e
foi confortável. Tinha lá família e foi confortável. Fiquei na escola do plano
dos centenários. E fiz aquele ano. Já eram aulas a sério. Fui para lá em 1956.
Para ir ver a escola tinha de ir a mãe com a filha.
A
directora da escola tinha sido a companheira de carteira da minha mãe e o filho
meu colega. A directora da escola, amiga da mãe, passou-me a classe dela, o 4º
ano, com exames de admissão ao liceu. Era só meninas. Para começar foi difícil.
-Ao
longo do seu percurso, foi ensinando gerações de crianças. Que balanço faz
desse seu empenho?
-
Muito bom! Nunca aconteceu nada menos positivo. Por isso, agora quando os
encontro é uma festa! É curioso, do que eu me lembro, pequenos desencontros
(por causa das crianças que tinham menos aptidões) os pais levantavam problemas
mas não era como agora. Ao fim de uma conversa já estava tudo bem. Gostei
destes anos! E agora gosto deles virem ter comigo. São todos impecáveis. Também
gostei quando mudaram as classes (passaram a ser mistas). Foi bom.
-
Em quantas escolas ensinou?
-Depois
de Portimão, passei para cá. Estive na Cova da Piedade, depois trabalhei na
escola dos centenários da Costa da Caparica, no bairro dos pescadores. No
Inverno tinha água até ao joelho. Por último estive no Feijó. Apanhei lá
colegas do Algarve que vieram para cá. Depois fiquei colocada aqui (Almada) em
Setembro de 1960 até 1991.
E
fiz muitas amizades com alunos e colegas. Davamo-nos muito bem. Eram
divertidas.
-
Há algum episódio que deseje destacar?
-
Tenho uma carta de uma aluna que no 4º ano escreveu num cartãozinho que ia para
o ciclo mas queria que eu fosse com ela. Deve ter agora 51-52 anos. Era uma
adoração com a professora. A miúda era um doce e tive boa ligação com a mãe.
-
O que sente nos dias de hoje ao ser reconhecida e cumprimentada efusivamente
por antigos alunos?
-
Ih! Tantos abraços, tantos beijinhos, tanta conversa!
-Mas
diversas épocas em que lecionou, sentiu algumas diferenças nos comportamentos
dos alunos?
-Não,
não! Nunca! Não houve diferença de comportamento. A avó de um aluno, o Nuno
Ricardo, que é bailarino, é grande amiga minha!
Em
1987 a professora Justina teve descolamento de retina. “Depois em 1990 isto
descambou pois fui operada por uma médica para a qual apenas interessava o
dinheiro. A operação custou 200 contos. Acabei por meter os papéis para a
reforma.”
-
Que memórias Guarda da sua profissão? Como são os seus dias?
-
Dias felizes. Há outras coisas para pensar. As memórias estiveram no tempo para
se expandir, Sabe que idade tenho? 89 anos!”
Luís
Filipe Maçarico
(artigo publicado na revista Aldraba nº 38 de Outubro de 2025, pp. 22-23)

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