"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, julho 25, 2023

PREFÁCIO PARA "A MODA DO BOMBO VOZ DO POVO DE LAVACOLHOS" DE ISAURA REIS

 ISAURA REIS E “A MODA DO BOMBO VOZ DO POVO DE LAVACOLHOS”: EXCELENTE CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DE UM TESOURO COMUNITÁRIO


 

Em “O Mundo na Era da Globalização”, Anthony Giddens afirmou que “todas as tradições foram inventadas. Nunca houve uma sociedade inteiramente tradicional”, acrescentando que “As tradições são sempre pertença de grupos, comunidades” tendo o ritual, o cerimonial e a repetição “funções sociais importantes,”[1]

Salwa Castelo Branco e Jorge Freitas Branco escreveram que a folclorização é o “processo de construção e de institucionalização de práticas performativas, tidas por tradicionais constituídas por fragmentos retirados da cultura popular, em regra, rural”, concluindo que o povo passa a ter a sua voz ouvida e aceite na restante sociedade.”[2]

Fernando Oliveira Baptista considera que “O património passa (…) da memória das pessoas para a história dos lugares e, simultaneamente, dá aos residentes outra dimensão no relacionamento com o espaço onde habitam.”[3]

“As criações populares” - segundo Jorge Dias - “ são o produto de uma longa elaboração local em épocas em que a falta de meios de relação segregavam as populações das influências urbanas”, sublinhando que “eram obras perfeitas no seu género, porque eram puras, sinceras e totais”. Contudo, Jorge Dias adverte “Quem é que pode exigir que (…) as danças e a música popular se conservassem puros na época do plástico?”[4]

 

Esta breve introdução académica ajuda-nos a percepcionar a pertinência da singular abordagem, ao longo de quatro anos, da Professora Isaura Reis, em torno dos Bombos de Lavacolhos, registando ao pormenor, a originalidade e tradição, da origem aos nossos dias, do poder contagiante e energia libertadora, salientando mudanças na construção dos bombos, cada um com sua mestria e segredos, sem esquecer o pífaro que foi de madeira e agora é de metal.

 

Efectivamente, Isaura Reis decidiu lançar-se numa árdua mas empolgante tarefa, revisitando, com novos olhares e testemunhos actuais, a tradição dos Bombos de Lavacolhos, acompanhando todos os momentos de divulgação que o grupo de tocadores marcou na comunicação social, seguindo a performance e respectiva evolução.

A autora procedeu a uma recolha aprofundada, com pesquisa alargada na comunicação social, vasta consulta bibliográfica de obras gerais e específicas.

A sua metodologia transdisciplinar, integra testemunhos de muitas personalidades contemporâneas e de referência, ligadas à Música, à Etnografia, ao Jornalismo, escutando autores incontornáveis como Maria Antonieta Garcia, José Alberto Sardinha e Fernando Paulouro Neves, Músicos como Adelino Pereira, José Reis Fontão e Luís Cipriano, só para mencionar alguns dos citados.´

Além da análise histórica, reportando a existência do grupo através do tempo, Isaura Reis desenvolveu a observação-participante, fazendo inúmeras entrevistas ao povo local e enriqueceu a obra com uma selecção fotográfica notável, recorrendo por vezes ao magistral Diamantino Gonçalves.

Os Bombos de Lavacolhos representam o que há de melhor na tradição popular.

Uma vivência reforçada em cada actuação, que é celebração de um património identitário, herança de gerações e orgulho de uma Comunidade.

Nas páginas deste livro, evidencia-se o conhecimento geográfico de uma prática cultural repartida (e revisitada) desde a ida à Emissora Nacional, Coliseu dos Recreios, Zip Zip, Povo que Canta, Fundação Gulbenkian e TV da Galiza durante oito decénios.

Isaura Reis não prescinde da sabedoria de Ernesto Veiga de Oliveira, Michel Giacometti, Lopes Graça, Jaime Lopes Dias e Armando Leça, entre outros. Disseca a Moda do Bombo, actualizando o levantamento primordial de Carlos Gravito.

Mergulhando nas Ciências Sociais, a autora produziu uma obra de conteúdo incontornável, constatando a revitalização de uma prática que a mediatização tornou conhecida dos portugueses de Norte a Sul e que, apesar de ter ganho espaço num Museu, mantém-se viva, actuante e com futuro. Penso que faz todo o sentido citar Paulo Lima: “O Património imaterial (…) só existirá se for contemporâneo e se houver pessoas que o sintam enquanto vida e não enquanto representação.”[5]

Este trabalho aponta para a continuidade da prática emblemática, ressalvando eventuais lacunas, pois a presente publicação é um contributo para o estudo de um tesouro comunitário e dos costumes a que está ligada uma população, realçando a intensidade com que os tocadores exaltam cada contexto festivo, onde o Homem é a medida de todas as coisas.

O testemunho dos principais intervenientes - construtores e tocadores - explicando as funções, ombreia com os depoimentos dos estudiosos, reconstituem as diversas fases deste símbolo de uma povoação, através do seu pujante ritual de mestria. Revisitamos a envolvência de Fausto, António Vitorino de Almeida, Pedro Barroso, Salvador Sobral e muitos grupos que coleccionaram cancioneiros, interpretando com instrumentos de cariz aldeão, que passaram de geração para geração, canções resgatadas do olvido, introduzindo bombos nas suas actuações públicas e nas gravações que perpetuam este feliz movimento, que se multiplicou nas últimas décadas.

 

Parabéns, Isaura Reis, por esta investigação e pelo engrandecimento que “A moda do bombo voz do povo de Lavacolhos” traz ao espaço e à cultura popular, revigorando, modernizando e elucidando todo um saber fazer que, enquanto houver o gozo e o reconhecimento da transcendência do quotidiano, que desde sempre se vivencia nesta terra da Beira, juntando a tradição à actualidade, será pele, sangue e imaginário popular celebrando um território, que se deseja eterno.

 

Luís Filipe Maçarico

(Antropólogo; Poeta)

Almada, 13 e 16 de Janeiro de 2023

Fotografia de Fernando Nascimento

[1] Giddens, Anthony “O Mundo na Era da Globalização”, Lisboa, Presença, 8ª edição, 2012, pp. 46-52.

[2] Castelo Branco, Salwa; Freitas Branco, Jorge (org.) “Vozes do Povo A Folclorização em Portugal”, Celta Editores, Oeiras, 2003, pp. 1 e 20.

[3] Baptista, Fernando Oliveira “Museus e Património Imaterial”, Instituto dos Museus e da Conservação, 2009, p. 41.

[4] Dias, Jorge “O Folclore na Era do Plástico”, in “Reflexões de um Antropólogo”, Cadernos de Etnografia, Museu da Cerâmica Popular Portuguesa, 2ª série, Barcelos, 1968, pp. 37-41.

[5] Lima, Paulo “Património Cultural Imaterial. Conceitos e Formas Desadequadas de Olhar a Paisagem”, Aldraba nº 16, Outubro

quarta-feira, julho 19, 2023

GREVES NA CP:DOIS ANOS A PREJUDICAR OS UTENTES

 


No Verão passado e naquele que está a decorrer os trabalhadores da CP representados por inúmeros sindicatos insistem em prejudicar os utentes. As ligações, por exemplo, entre Lisboa e Porto ou Braga, apenas se concretizam através dos Alfas e a ligação com a linha do Minho falha. De um dia para o outro, sobretudo no caso das ligações por comboios regionais, nada é assegurado e não podemos comprar bilhetes antecipadamente.

Este ano, 17 sindicatos assinaram acordos com a CP. Bastou um (o dos cobradores itinerantes) não concordar para os utentes serem prejudicados.

Já é tempo das lutas prejudicarem empresas, na reivindicação e não os próprios trabalhadores em luta para alcançarem os seus objectivos - melhoria de direitos, condições laborais, salários, etc em vez de penalizarem aqueles que pagam os passes e garantem todos os meses o funcionamento mínimo.

Já é tempo dos Sindicatos terem outro olhar e reinventarem formas de luta inovadoras. Ou será que os Sindicatos querem que por exemplo a Transtejo passe a ter como acontece com o comboio da ponte sobre o Tejo, concorrência? É que continuamos a ter (todos os dias) barcos suprimidos...E no caso dos comboios, será que estão a abrir caminho para transportadoras alternativas, estrangeiras, entregando à concorrência (camionetas privadas, empresas ferroviárias com origem em Espanha ou noutros países) o serviço nacionalizado?

Dá que pensar a complexidade destas questões.

A primeira pergunta que a situação suscita é: Para que serve um Sindicato

*(pergunta que coloquei aos dirigentes daquele onde fui director, nos anos 70, quando pedi a reforma em 2012 e apenas ter a confirmação da aposentação quase 1 ano e meio depois de ter descontado para a Segurança Social durante um longo tempo de espera, cujos descontos não contaram para a pensão, pois o advogado sindical tinha uma postura oposta à de um defensor daqueles que trabalham...).

Sinto-me decepcionado com esta postura que repete até à náusea e ao desespero o que se faz há décadas. E ocorre-me lembrar a greve da mala da Carris antes do 25 de Abril em que não foram cobrados bilhetes e apenas a companhia foi prejudicada.

O Futuro é cada vez mais incerto, ainda que haja muita gente a lutar pelos valores de Abril - que outros tantos vão minando e destruíndo a esperança num mundo melhor. 

Luís Filipe Maçarico (texto). Imagem retirada da Internet.