Em 31 de Outubro, dois dias depois do êxito que foi o lançamento do meu vigésimo livro de versos na Casa do Alentejo, que segundo o "Comércio de Alcântara" contou com uma assistência de 130 pessoas, foi a vez de rumar a Serpa e graças a Paulo Lima, director da Casa do Cante, estrear-me naquele local,apresentando a minha Poesia. Na assistência, Maria João Bual, marido e filha, Madalena Borralho, criadora do espaço museológico rural de Pias, Mariana Borralho, das Ceifeiras de Pias, o presidente da direcção da Aldraba, José Alberto Franco, os arqueólogos Maria João Marques e Marco Valente, entre outros companheiros e serpenses, curiosos de conhecerem a minha escrita poética. Maria Eugénia Gomes disse alguns poemas e os Amigos Paulo Lima, Santiago Macias e Ana Isabel Veiga, falaram do autor e da sua obra.
Pelo interesse da abordagem, transcreve-se o texto da Antropóloga e Amiga, que aceitou o repto de me apresentar:
"Soubesse eu de poesia e esta seria a oportunidade para fazer
um brilharete. Poderia fazer análises poéticas, construções académicas sobre
composição de poemas ou mesmo tecer profundas considerações acerca da arte de
versejar. O campo, esse, é dilatado e fértil.
Pois é … mas não percebo grande coisa de poesia!!
Perguntarão vocês (a assistência) com toda a legitimidade …
mas porque convidará o Luís uma pessoa que não percebe nada do assunto para
falar sobre a sua obra poética?
Pois … isso é, também, o que me pergunto!!
No entanto, este não é o primeiro convite. Estes desafios
tiveram sempre justificações como: porque tu és minha amiga; porque temos
trabalhado e viajado juntos; porque partilhamos o gosto pelos lugares e pelas
pessoas, porque conheces todos os meus livros.
Fui-me esquivando sempre, até porque esta função de apresentadora
do que quer que seja sempre me assustou um bocadinho.
Mas desta vez o Luís acrescentou uma razão que fez a
diferença:
É em Serpa! E na Casa do Cante!
E o cante, não posso deixar de referir, embalou-me a infância
na voz do meu pai, às vezes acompanhada pela da minha mãe – ambos trabalhadores
do campo, filhos desta terra luminosa e branca que o latifúndio e os duros anos
50 empurraram para a capital. Ele regressou, há curtos anos, mas para pagar a
sua divida à terra, como diz a moda que tantas vezes cantou.
Não tive argumentos e cá estou para vos tentar falar de forma
simples e despretensiosa, porque de outra maneira não poderia ser, do autor e
dos seus poemas.
Do autor posso falar com a propriedade que mais de uma década
de convivência próxima me confere, já da poesia … !! Acho que vou apenas evidenciá-la
recorrendo à tal ciência chamada - gosto pessoal.
Isto de falar dos
amigos tem que se lhe diga! Fica-se sempre a dever muito à isenção e à
objectividade. Tendemos, com frequência, a ser parciais, a deixar-nos toldar
pela admiração e pelo sentimento. Mas, ainda assim, corro o risco. Até porque
quero contrariar essa tendência e parece que tive “carta branca”. “Podes falar mal
de mim” – disse-me o Luís. E eu não quero perder a ocasião, com carta branca ou
sem ela.
Muito já foi dito sobre a pessoa. Em quase todos os seus
livros há um prefácio que o enaltece enquanto ser humano e cidadão do mundo e poeta
e viajante, e em cada apresentação da sua obra há sempre um amigo que lhe
contabiliza as virtudes e lhe acrescenta elogios. Mas ele continua a gostar que
falem dele!! Vá-se lá saber porquê!!
Supondo que ainda ninguém lhe enumerou os aspectos menos
virtuosos, posso dizer que é uma pessoa que, por vezes, radicaliza posições, é contraditória,
ansiosa e intempestiva e, algumas vezes, incoerente. Como ele costuma dizer:
“que monótono seria eu se fosse sempre coerente!!”
Tende a sobredimensionar acontecimentos
- os bons e os maus. Muitas vezes as nossas conversas telefónicas começam por :
Sabes lá o que me aconteceu hoje… uma coisa horrível!! Depois de narrado o
acontecimento, verifico que afinal foi alguém menos correcto que passou à sua
frente na fila dos correios, ou lhe disse palavras mais ou menos insultuosas (bem
à moda de Alcântara) na tentativa de chegar mais depressa ao lugar sentado no
autocarro da carris que serve o seu bairro.
Mas o contrário também se verifica – encontrar um livro que
procurava há muito, fruir do sol numa manhã clara ou almoçar com os amigos, por
exemplo, podem contribuir para uma felicidade imensa que lhe vinca o sorriso e
lhe incendeia o olhar.
Enumerar-lhe as qualidades é sempre um risco. Já outros
esgotaram, certamente, os adjectivos. Arriscando repetições posso dizer que o
Luís é uma pessoa simples, desafiadora, cativante, sensível, sonhadora, divertida
mas, essencialmente, fraterna e amiga.
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Não sendo tarefa fácil falar do poeta a questão complica-se ainda
mais quando abordamos o seu percurso na poesia. A sua caminhada poética é já
longa e são várias as dimensões da sua escrita: saliento apenas duas: a poesia
mais intimista e a poesia de viagens.
A primeira revela-se no último livro “É de noite que me
invento” mas também no seu primeiro trabalho editado “Da Água e do Vento”, a
que se seguiu “A Essência”, e outros como “Íntim(a)idade”, “A Secreta Colina”, “Geografia
dos Afectos” ou “Caligrafia do Silêncio”.
A poesia de viagens expressa-se em “Mais perto da Terra”, dedicado
à Beira Baixa, e a beleza dos lugares de
Eugénio de Andrade é desvendada, em mais
dois dos seus escritos: “O Vagabundo da Luz” e “Ar Serrano”.
Era uma rua de cravos
E versos antigos.
Por ela chegava-se ao campo
Das oliveiras que eram corpos
Abraçados escutando o silêncio.
(excerto do poema Póvoa de
Atalaia – terra de Eugénio de Andrade – in “Ar Serrano”)
Os seus versos foram também à descoberta de outras geografias
e trouxeram o perfume de horizontes diferentes. O poeta cativa-nos para o seu
deslumbramento com a Tunísia em “Pastores do Sol”, (em português, francês e
árabe), já com 2ª edição; “Cadernos de Areia” e “Ilha de Jasmim” (dedicado à
ilha de Jerba)
Na manhã fresca
entre o azul adormecido
e a cal do silêncio
a flor da laranjeira
espalha aromas quentes
ao sol do poema:
guitarras de brisa,
barcos de bruma…
(Poema Sidi Bou Said, in “Pastores do Sol”)
Lisboa é o lugar do poema, diz José do Carmo Francisco e o
poema, como a cidade, é, em simultâneo, misterioso e oculto, claro e luminoso e
surge como desejo de encontro em “Lisboa Cais das Palavras”;
O desejo debruça-se na
varanda
É uma carícia esta
peregrinação
Da brisa ao fim da tarde.
Na procissão dos cabelos
Desalinhados
Surgirás de repente…
Em que beijo? Em que
palavra?
(poema Campo de Ourique, in “Lisboa - Cais das
Palavras”)
As odes a Lisboa, aos seus lugares e à sua luz, não se
esgotam aqui - o poeta encontra-se e reencontra-se com a cidade e o rio em
“Lisboa Asas de Água” e “Lisboa - Pegadas de Luz”.
Os campos, o branco, o olhar
que prende o verde esperança, o vento, as oliveiras, os homens, são cantados em
“O sabor da cal” e “Celebração da terra.”
Pinta telas, o poeta – dizem
muitos. E se a palavra é sempre cor, é nestes poemas sobre o Alentejo que mais
se acentua, talvez por encontrar raízes mais profundas. Exalta a cor da terra,
da água, do sol num louvor às coisas elementares - os largos horizontes e o
silêncio. Mas as tonalidades fortes das vozes do sul atravessam os poemas e a
paisagem humana sobressai.
A voz humaniza o silêncio
grandioso, chorando a solidão dos campos (…)
Entre balidos e chocalhos,
sobre caminhos de espigas e papoilas, nas longas horas de pastoreio
A garganta é flauta (…)
São de água e sonho alguns
versos cantados
Semeiam sagradas crenças de
pão e liberdade
E insistem
Até o coro se derramar nos
largos horizontes do sul
Onde nascem manhãs de esteva
e esperança.
(Humanos cantes,
sagradas crenças, in “A Celebração da Terra”)
Há apenas dois dias deu à
estampa um sumarento livro com os seus poemas mais longos – “É de noite que me
invento”. Quando me mostrou e me ofereceu este seu último trabalho salientou: “Este
livro é como eu - simples e despojado.”
Cristina Pombinho disse, na
altura da apresentação desta última obra, que quando a leu sentiu que tinha nas
mãos um dos maiores poetas portugueses!
Desafio-vos a lê-lo.
Em jeito de brincadeira e conclusão - recuperando um
tempo longínquo, cito uma sua grande fã que, de olhar pestanejante e luzidio,
se lhe dirigiu, dizendo:
“Obrigado poeta por existires!”
Ana Isabel Veiga
30.10.2015"