"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, junho 30, 2015

Os Jordões de Pias e as Diversas Hipóteses para a sua Origem


 
Estive em Pias (Serpa) acompanhando os Jordões, tradição única no país (com características singulares). 
Este ano, no Lar de Idosos, na sede das Ceifeiras e na associação de jovens (onde também se faz o mastro, com fogueira ritual de S. João), a tradição cumpriu-se. 
Os Camponeses de Pias, as Ceifeiras e alguns Mainantes cantaram, durante a visita aos espaços, que antigamente serviam para cumprir uma promessa. 
Neste Junho de 2015 não houve promessas. Apenas o reviver deste festejo ancestral, em que se forra uma sala da casa com verdura cheirosa, no chão (atabua) nas paredes e no tecto, transformando-a numa cabana de erva, decorando-se com a figura do S. João (e dos outros santos), duas mesas simétricas, um altar sobre a representação - com água - do rio Jordão... 

Vários textos tentaram explicar as origens. 
Fernanda Moreira, catequista, com várias licenciaturas, designadamente em Ciências Religiosas pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas "San Agustin, Madrid, escreveu um livro - "Os 'Jordões' de Pias Um fenómeno único da religiosidade popular portuguesa", 2009.
Esta autora diz que "O Jordão é símbolo de alegria e não deve ter nada que represente o sofrimento", pelo que o Jordão que era construído pelo senhor Manuel Mendes ao ostentar um crucifixo, extravasava os testemunhos que ela consultou. Eu próprio verifiquei, junto de pienses, e durante a noite de S. João deste ano, que a festa  dos Jordões nada tem a ver com tristeza.
Fernanda Moreira encontra muitas ligações a cultos e cânticos judaicos. pelo que sugere que a origem desta celebração tenha a ver com os Hebreus, chegando a afirmar " o cristianismo surgiu da raíz do judaísmo. Jesus e os seus apóstolos eram judeus, São João Baptista era judeu". (Moreira, 2009: 81)

Ana Paula Fitas estudou este património da tradição, publicando na revista "Arquivo de Beja" o artigo "Os Jordões da Aldeia de Pias Subsídios etnossociológicos e etno-históricos para a compreensão da religiosidade popular no Baixo Alentejo."
Esta autora concluiu - face ao cenário que se lhe deparou, organizado por Manuel Mendes, de rezas e choro convulsivo de toda a assistência - que a origem remota pode encontrar-se no choro colectivo [memória dos prantos sírios das mulheres sobre a morte de Adonis], que aponta para cultos populares de raízes mediterrânicos-orientais. 
Fernanda Moreira contesta: "verificamos, pelos vários testemunhos recolhidos, que não há memória de que alguma vez existisse esse tal choro colectivo. Pelo contrário, os "Jordões" são um espaço onde se manifesta a alegria da promessa satisfeita, onde se canta e agradece a São João Baptista o milagre realizado." (Moreira, 2009: 113)

Maria Gabriela Rogado Pereira, autora de um trabalho intitulado "Os Jordões", advertindo que "é muito difícil, senão impossível, determinar com rigor a origem deste acontecimento", conta que "O povo diz que pode ter sido trazida pelos mestres de talhar o granito, oriundos de outras regiões.

O boletim Serpa Informação, sem indicar as fontes, aponta para a influência celta. E eu a pensar que estava no sul, entre pessoas, cuja fisionomia me lembra os berberes, povos do deserto. 
O/a autor/a do texto afirma que estamos em presença de manifestações oriundas da Bretanha e mistura festividades célticas, com Baal, um deus sanguinário, que a minha cultura geral, desde a História aprendida no Curso Geral do Comércio, até ao mestrado, concluído no Campo Arqueológico, passando pelas visitas à Tunísia, sempre me indicaram que era oriundo de Cartago e adorado por fenícios e cartagineses, que a ele sacrificavam crianças.

Será pura ignorância de estagiário, armado ao pingarelho, baralhado numa "investigação arrojada", surfando um site incredível ou tentativa ideológica, de reinvenção da História, através de branqueamento étnico, num tempo em que falar do passado árabe é incómodo, para jornalistas e historiadores de meia tijela? 
Com que então, os meus amigos de Pias têm antepassados na Bretanha, Escócia, Irlanda e eu a pensar que os vossos ancestrais tinham vindo do Magrebe....

Em carta enviada à Câmara Municipal de Serpa, alertei para o facto de o artigo associar o município a uma hipótese falível, pouco rigorosa, provavelmente bebida em sites pouco credíveis, sem cruzamento de textos científicos, nem referência das fontes consultadas. 
Não se encontram em Ladislau Piçarra ("A Tradição", editada pela CMSerpa), Leite de Vasconcellos ("Etnografia Portuguesa"), Ernesto Veiga de Oliveira ("Festividades Cíclicas em Portugal") ou Aurélio Lopes ("A Face do Caos") pistas para justificar as palavras de quem escreveu o artigo.
Sublinho que a minha reacção, enquanto alentejano, comunista e ateu, pretende preservar a identidade, o património, a memória, a verdade histórica, num tempo de deriva, de inversão de valores, onde a honestidade intelectual parece ser supérflua.
Por fim recomendo que todas as chefias responsáveis pela edição do "Serpa Informação" façam uma leitura exigente dos artigos, antes de serem divulgados para não se induzirem pessoas menos informadas a papaguearem origens erróneas, pois a ignorância é sempre um terreno permeável, em época de debilidades culturais, para veicular ideias extravagantes.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

sexta-feira, junho 26, 2015

Conversa Escatológica

 
Três perguntas, três retratos de uma sociedade pacóvia.
Primeira. Porque há tanto burgesso a fumar, nas paragens de autocarro, intoxicando quem aguarda pelo transporte público? Hoje, uma senhora pouco depois de ter chegado ao abrigo, com bastante sol ainda, começou a tossir sem parar, pois um idiota de um velho fumava, como se não houvesse amanhã, dentro da paragem.
Esta atitude vai ser permitida, até quando?
Segunda: Para quê o paleio demagógico, sobre o perigo de uma população, que engorda cada vez mais, a partir dos bancos do ensino básico, quando a Câmara de Lisboa e ou as Juntas de Freguesia permitem (como é o caso na Rua Prior do Crato, perto da fronteira entre as Juntas da Estrela e de Alcântara) roulottes de farturas.
Encham a mula de frituras doces e depois não se queixem que estão obesos e diabéticos!
Terceira: O primo de Ricardo Salgado, que é vereador na Câmara Municipal de Lisboa, e a quem devemos, entre outras obras-primas o alargamento do Hospital da Luz (Grupo BES) à custa da demolição do quartel da Luz e respectivo Museu dos Bombeiros, lançou a bujarda - A estação de Santa Apolónia deveria ser desactivada, para surgir no seu lugar um Parque Verde (proposta que os papalvos e os parvos, que não saiem do mesmo lugar e passam uma vida, sentados num banco, ao pé de casa, seguramente adoram), quiçá mais uma especulação imobiliária, apresentada como um novo projecto de habitação, que faz falta à cidade, mais uma carrada de hostels e como cereja em cima do bolo, um hotel de charme, etc.
E se todas as criaturas mencionadas fossem cagar?

Luís Filipe Maçarico (Texto e fotografia)

terça-feira, junho 23, 2015

Tentativa de Privatização de uma Festa no Alto Minho


Que raio de povo é este, que só reage no futebol - e de forma desastrosa?
Que tipo de gente é esta, que se alheia da herança patrimonial, recebida dos seus antepassados e permite (ou colabora) na desaparição do que nos distingue, na arquitectura popular, nos monumentos de antanho, nos centros históricos, transformando praças nobres [com pelourinhos vetustos ou catedrais emblemáticas] em parques de estacionamento, destruíndo os materiais antigos, substituíndo - em nome da liberdade individual - a porta de madeira, pelo alumínio, que nem sequer imita a madeira, diversificando tipologias, tornando aldeias, vilas e cidades em paisagens de pechisbeque e sucata?
Que sangue corre nas veias, destes "heróis do mar/ nobre povo, Nação valente", que no Minho da pancada de criar bicho, em feiras, por dá cá aquela palha, varridas a varapau, segundo os escritores (estarei errado na geografia?), dos excessos, por causa das divisões de propriedade e da gestão da água, deixaram alguém registar uma festa comunitária, em nome de um grupo restrito?
Cito uma amiga professora, para quem "A tradição não é pertença de ninguém em particular, mas de uma comunidade."
A providência cautelar movida pelo presidente da Comissão de Festas da Senhora das Neves, em Barroselas (Viana do Castelo) tentou proibir o Núcleo Promotor do Auto da Floripes, de representar aquele texto, que é um património bicentenário da Comunidade.
A judicialização e a privatização das festas, começou a ser ensaiada por aquelas bandas. 
Mas o mais extraordinário é a mansidão do povo...[Serei incivilizado?]
Que geração é esta, que permite todas as humilhações, sem reagir e teve de ser o Tribunal a decidir (segundo a Rádio Geice), que a Comissão, no dia 5 de Agosto, representa o Auto, em exclusividade, mas que durante o resto do ano qualquer cidadão pode representá-la?
Sem querer ser acusado de defensor da violência, sempre vos digo que tenho a certeza, que em alguns locais do país, quem se atrevesse a  patrimonializar um ritual, que passou de geração para geração, através da memória oral, levava um enxerto de porrada, que ficava logo com amnésia e nunca mais pensava em apropriar-se do que pertence ao colectivo.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

terça-feira, junho 16, 2015

Companhia Luminosa

                                             


A Catita viveu largos anos da sua existência, na minha rua, sem eu quase dar por isso...
Habituado a sair cedo do bairro e a voltar, muitas vezes, à noite, ignorei o seu desempenho.
Mas ela sempre permaneceu aqui, de volta do restaurante-esplanada, onde conquistou amigos, devido à sua doçura e formosura.
São diversas as vizinhas, que a apaparicam e até a Aurora, antiga vendedeira, ao ver as fotografias que fiz esta tarde à Catita exclamou: "Olha-me os olhos desta gata! Tão linda!
Ninguém escapa ao seu fascínio felino.
Houve em tempos uma idosa que logo de manhã, vinha ter com ela e a esplendorosa gata ia esperá-la ao autocarro, o seu ritmo biológico sabia que era hora de mimos especiais, deliciando-se com as iguarias que a senhora lhe trazia todos os dias...
Um dia deixou de vir e a Catita deve ter sentido que a amiga partira.
No primeiro trimestre deste ano, desenrolaram-se inexplicáveis acontecimentos na minha vida e de repente, a Catita, começou a vir ter comigo, quando assomava ao largo onde fui criança e envelheci, acarinhando-me, protegendo-me...
Nasceu então uma bela história entre o humano e o animal e por vezes, compro tiras e patés para lhe oferecer e é com enorme prazer que a vejo delamber-se, com essas oferendas.
Esta tarde dei comigo a fazer nova sessão fotográfica com esta princesa, que tem olhos cor de céu, pensando que a vida, com estes pequenos pormenores, nos ensina o quanto a caminhada pode ser compensadora e mágica.

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Há dois anos, numa Urbanização de Braga, com simpáticos ajardinados de relva e árvores, um gato de rua, baptizado pela amiga Marta de Zulinho, foi resgatado, após um ataque - felizmente não consumado - de um rotweiler, ou solto, ou abandonado pelos donos, que como sabemos, aproveitam o Verão para se ver livres dos animais, sejam eles cães, gatos ou até tartarugas....
A Marta recolheu o portentoso gato e ele foi-se habituando a conviver com outros irmãos que ela foi retirando do abandono.
Ontem, o Zulinho deixou de habitar o planeta.
Não há muita gente como a Marta. No Facebook parece que abundam. Imagens e likes são recorrentes. Mas atitudes consequentes, como ela tomou, não me parece que sejam comuns.
No Mundo em que vivemos é fácil estar de acordo com a ideia de protegermos os animais, mas ser consequente é bem diferente.
Confesso que no meu caso específico não tenho casa para albergar outro ser, tal é a exiguidade e o desalinho do espaço.
Não quero porém deixar passar este momento, sem registar a minha solidariedade com as Martas deste mundo, que dão o seu afecto aos bichos indefesos e celebrar a ternura com as Catitas e os Zulinhos que enriquecem os nossos dias nas cidades, brindando-nos com a sua luminosa companhia.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)


segunda-feira, junho 15, 2015

Circulações Suspensas

Os novos horários da CP apresentam neste Verão de 2015 uma surpresa negativa:
Aos sábados e domingos, não circulam as composições, que nos últimos estios andaram sempre cheias, ao fim de semana, com passageiros que vinham da linha da Azambuja, para as praias do Estoril.
Alcântara Terra passa a servir como estação da linha da cintura, apenas de segunda a sexta, contribuíndo para que as populações fiquem impedidas de sair de casa, em tempo de lazer ou férias, servindo apenas para transportar os trabalhadores no circuito casa-trabalho-casa...
Querem folia? Vão até ao Rossio, depois apanhem o metro e finalmente a linha do Estoril, no Cais do Sodré (isto mesmo foi sugerido na apresentação dos novos horários).
Não posso deixar de me chocar com esta forma de gerir, com este pensamento inqualificável, pois recentemente os jornais fizeram alarde dos prejuízos na área dos transportes públicos.
Que fazem os Administradores? Suprimem comboios, aos fins de semana, impedem o povo de ter acesso ao lazer, remetem o cidadão comum para a impossibilidade de circular.
Portugal está cada vez mais parecido com os países chamados do terceiro mundo...
Só as tias e os endinheirados, e sobretudo os novos ricos, alheios às dificuldades da populaça, ignoram este estado de coisas, desde que as suas negociatas jorrem, como fontes prenhes. Os outros, que se fodam.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)


sexta-feira, junho 12, 2015

Estigmas


1. Não entendo o que se passa na cabeça de certas pessoas.
Há uns meses largos, uma criatura, que julgava amiga, mostrou-me a arrecadação, na cave do prédio que habita. E para meu espanto, no meio dos detergentes, guardava livros.
A Santa Televisão, comprimido diário para dormir, dominava a sala...
Em quantas casas portuguesas, a Cultura se resume a isto?

2. Muitos portugueses dizem que não vão votar em Costa. O estigma do negro, que a psicologia do marcelismo inculcou no cérebro dos ex-soldados, do chamado Ultramar, para quem o africano, se não fosse terrorista, era um dissimulado colaborador dos movimentos de libertação, e portanto adversário, está latente naquilo que oiço. Depois, o cerco a Seguro despoletou o ódio ao personagem.
Ainda por cima, Isabel dos Santos anda a comprar meio Portugal.
Outubro será claro?

3. Sardinhas a 1,5€ no arraial que frequento. Sêcas. Temperaturas em baixa. A Grécia no pingue pongue. O FMI num vaivém. Não há quem aguente. Apetece citar O'Neill:

(...)

"Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser"
 Alexandre O'Neill

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)