Estive em Pias (Serpa) acompanhando os Jordões, tradição única no país (com características
singulares).
Este ano, no Lar de Idosos, na sede das Ceifeiras e na
associação de jovens (onde também se faz o mastro, com fogueira ritual
de S. João), a tradição cumpriu-se.
Os Camponeses de Pias, as Ceifeiras e
alguns Mainantes cantaram, durante a visita aos espaços, que
antigamente serviam para cumprir uma promessa.
Neste Junho de 2015 não
houve promessas. Apenas o reviver deste festejo ancestral, em que
se forra uma sala da casa com verdura cheirosa, no chão (atabua) nas paredes e no tecto, transformando-a numa cabana de erva, decorando-se com a figura
do S. João (e dos outros santos), duas mesas simétricas, um altar sobre
a representação - com água - do rio Jordão...
Vários textos tentaram
explicar as origens.
Fernanda Moreira, catequista, com várias licenciaturas, designadamente em Ciências Religiosas pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas "San Agustin, Madrid, escreveu um livro - "Os 'Jordões' de Pias Um fenómeno único da religiosidade popular portuguesa", 2009.
Esta autora diz que "O Jordão é símbolo de alegria e não deve ter nada que represente o sofrimento", pelo que o Jordão que era construído pelo senhor Manuel Mendes ao ostentar um crucifixo, extravasava os testemunhos que ela consultou. Eu próprio verifiquei, junto de pienses, e durante a noite de S. João deste ano, que a festa dos Jordões nada tem a ver com tristeza.
Fernanda Moreira encontra muitas ligações a cultos e cânticos judaicos. pelo que sugere que a origem desta celebração tenha a ver com os Hebreus, chegando a afirmar " o cristianismo surgiu da raíz do judaísmo. Jesus e os seus apóstolos eram judeus, São João Baptista era judeu". (Moreira, 2009: 81)
Ana Paula Fitas estudou este património da tradição, publicando na revista "Arquivo de Beja" o artigo "Os Jordões da Aldeia de Pias Subsídios etnossociológicos e etno-históricos para a compreensão da religiosidade popular no Baixo Alentejo."
Esta autora concluiu - face ao cenário que se lhe deparou, organizado por Manuel Mendes, de rezas e choro convulsivo de toda a assistência - que a origem remota pode encontrar-se no choro colectivo [memória dos prantos sírios das mulheres sobre a morte de Adonis], que aponta para cultos populares de raízes mediterrânicos-orientais.
Fernanda Moreira contesta: "verificamos, pelos vários testemunhos recolhidos, que não há memória de que alguma vez existisse esse tal choro colectivo. Pelo contrário, os "Jordões" são um espaço onde se manifesta a alegria da promessa satisfeita, onde se canta e agradece a São João Baptista o milagre realizado." (Moreira, 2009: 113)
Maria Gabriela Rogado Pereira, autora de um trabalho intitulado "Os Jordões", advertindo que "é muito difícil, senão impossível, determinar com rigor a origem deste acontecimento", conta que "O povo diz que pode ter sido trazida pelos mestres de talhar o granito, oriundos de outras regiões.
O boletim Serpa Informação, sem indicar as fontes,
aponta para a influência celta. E eu a pensar que estava no sul, entre
pessoas, cuja fisionomia me lembra os berberes, povos do deserto.
O/a autor/a do texto
afirma que estamos em presença de manifestações oriundas da Bretanha e
mistura festividades célticas, com Baal, um deus sanguinário, que a minha
cultura geral, desde a História aprendida no Curso Geral do Comércio,
até ao mestrado, concluído no Campo Arqueológico, passando pelas visitas
à Tunísia, sempre me indicaram que era oriundo de Cartago e adorado por
fenícios e cartagineses, que a ele sacrificavam crianças.
Será pura
ignorância de estagiário, armado ao pingarelho, baralhado numa
"investigação arrojada", surfando um site incredível ou tentativa
ideológica, de reinvenção da História, através de branqueamento étnico, num
tempo em que falar do passado árabe é incómodo, para jornalistas e
historiadores de meia tijela?
Com que então, os meus amigos de Pias têm
antepassados na Bretanha, Escócia, Irlanda e eu a pensar que os vossos ancestrais tinham
vindo do Magrebe....
Em carta enviada à Câmara Municipal de Serpa, alertei para o facto de o artigo associar o município a uma hipótese falível, pouco rigorosa, provavelmente bebida em sites pouco credíveis, sem cruzamento de textos científicos, nem referência das fontes consultadas.
Não se encontram em Ladislau Piçarra ("A Tradição", editada pela CMSerpa), Leite de Vasconcellos ("Etnografia Portuguesa"), Ernesto Veiga de Oliveira ("Festividades Cíclicas em Portugal") ou Aurélio Lopes ("A Face do Caos") pistas para justificar as palavras de quem escreveu o artigo.
Sublinho que a minha reacção, enquanto alentejano, comunista e ateu, pretende preservar a identidade, o património, a memória, a verdade histórica, num tempo de deriva, de inversão de valores, onde a honestidade intelectual parece ser supérflua.
Por fim recomendo que todas as chefias responsáveis pela edição do "Serpa Informação" façam uma leitura exigente dos artigos, antes de serem divulgados para não se induzirem pessoas menos informadas a papaguearem origens erróneas, pois a ignorância é sempre um terreno permeável, em época de debilidades culturais, para veicular ideias extravagantes.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)