"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

domingo, abril 13, 2014

EVOCANDO ARTUR BUAL: UM GÉNIO ESCANDALOSAMENTE HUMANO (1)





Artur Bual costumava dizer que “ninguém nasce sozinho”. E se de facto, “O Mestre aparece, quando o discípulo está pronto”, foi graças ao Eduardo Nascimento, que o conheci, primeiro na Galeria Municipal da Amadora, através das suas telas, e depois no programa que ambos fazíamos, na Rádio Horizonte - o “Desafios”, de boa memória, onde a par de uma selecção musical requintada, entrevistávamos artistas e debitávamos textos, da nossa lavra, a propósito do país que tínhamos no final dos anos 80.
A primeira impressão que Bual me causou foi de algum constrangimento, face ao carão cerrado, com que se apresentou…
À medida que o ia entrevistando, respondia-me com uma linguagem que me cativava - luminoso, sensível, poético, envolvente.
Assim é o mistério da sua pintura.
No atelier, um pouco de nós, dos silêncios e das conversas, ficava na pele dos quadros, numa alquimia, que recolhia da realidade, a abstracção mágica.
Do tédio à asfixia, que cada um ia sentindo, no quotidiano, tudo se reflectia nos Cristos, no gesto impetuoso, através do qual a tinta se derramava, sobre a menina ou uma qualquer impressão, de paisagens da memória, ou reinventadas.
Magistral, na sua recriação, entre as paredes do seu abrigo-cela de reflexão, interacção e criatividade.
Artur Bual respirava tintas, imaginários, cigarros, paixões, fúrias, emoções, ternura. Era um menino grande, brincando sem limites.
Um Génio, um extraordinário gestualista, que não pode ser olvidado.

Tive o privilégio de fruir essas ambiências, onde conheci muita gente; devo-lhe o ter feito o meu primeiro livro de poesia, por via de uma ida ao “Botequim”, de Natália Correia, depois de termos escutado Eugénio de Andrade - o que motivou desenhos dele e um poema meu que a Diva elogiou. Presente, um editor atento, logo me incentivou a publicar esse longínquo “Da Água e do Vento”.
É também biográfico, falarmos de alguém, que tanto nos marcou.
Falar de Bual é lembrar a decisão de ter ido jantar o seu bitoque, após longa espera, por um subsecretário de Estado da Cultura que, ao chegar à Galeria, em Oeiras, não tinha o autor da exposição, para o receber.
A irreverência sempre foi o seu cunho distintivo.
Falar de Bual é evocar uma enorme sucessão de momentos de partilha e aprendizagem, sem endeusamento, porque era escandalosamente humano.
Andei com um quadro ao colo, pelas ruas de Lisboa, o melhor que o poeta de “Branco no Branco” recebeu dos seus amigos pintores, sendo objectivo maior essa obra integrar uma mostra de retratos, assinados por grandes vultos da Arte Contemporânea Portuguesa.
Com uma personalidade fortíssima, capaz de num instante expulsar os convivas do atelier (ena a que escapei), como noutro telefonar, lamentando que os amigos verdadeiros não estivessem ao seu lado, “obrigando-me” a sair da cama, engripado, e voar para a Amadora, num táxi para jantar com ele, a verdade é que - por tudo o que ele significa - a sua morte criou um vazio na Arte e no Círculo de Amigos, que a Associação criada para o celebrar, da qual fui co-fundador, em parte procurou colmatar.
Ficou a obra e esse grupo, que se esforça para não deixar apagar a sua memória, num país ingrato.
O atelier desapareceu, a Guilhermina também partiu…
Subsiste a eterna, grande energia, que se depreende da intensidade dos Cristos, da força telúrica dos Alentejos, elaborados com terra do sul, da tinta-sangue-de-boi, trazida de Torres Novas, do lambriz das casas do Largo da Infância, das meninas impetuosas, daquelas mãos que eram o olhar do menino que a professora primária garantiu que não sabia pintar…
E os Amigos que nunca o esquecerão.

Lisboa, 3/3/2014; 15:30
Luís Filipe Maçarico

(1) Texto incluído no Catálogo da Exposição "Bual Revisitado", que inaugurou a nova galeria municipal da Amadora, situada na Casa Aprígio Gomes.

2 comentários:

Mar Arável disse...

Conheci-o em carne e osso

em boas viagens

Abraço

Mar Arável disse...

Conheci-o em carne e osso

em boas viagens

Abraço