"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Maternidade de Elvas-Uma Carta de RosaMaria


Recebi ontem, ao fim da tarde, um texto urgente de RosaMaria, que transcrevo, dando voz à sua indignação, que, dizem, é um direito que ainda nos assiste...

"Dizia o jornal de notícias na edição da passada segunda-feira dia 5 de Dezembro:

Falta de Obstetras obriga maternidades a contratar reformado

Palavra infeliz que um jornal imprime, numa mistura de palavreado sem conhecimentos desta mesma causa, envolvendo um presidente da especialidade na Ordem dos Médicos (O M).

Esta foi a minha visão de profissional dessa mesma Maternidade que foi focada como a primeira a ser fechada nesse mesmo jornal.

Trazer vida ao mundo com amor, onde a qualidade é importante, mas passa para segundo plano, quando os propósitos são ultrapassados por cifras, isto é, Euros que só são mal gastos num povo a quem Nascer incomoda aos custos. Tão pouco valemos? Porque será?

Que tristeza, que país este, onde tudo se acaba e nada se constrói, a não ser, claro, as belas vivendas e solares em terras Alentejanas. Mas de quem são? Sim, de quem são essas maravilhosas casas e montes, dos que têm dinheiro, neste país e à custa de apertar o cinto e de tantos impostos.

Os enfermeiros trabalham de noite e de dia, por amor, esquecendo muitas vezes a família; entregam-se de corpo e alma até à exaustão, por um preço miserável chamado salário, que comparado com o país vizinho é uma esmola.

Hospitais do Interior que trabalham com qualidade e amor, onde o doente não é um número e é tratado pelo seu nome, onde a qualidade dos serviços prestados é premiada pela qualidade e tem lugar de notícia televisiva.

Que país é este?

Que notícia infeliz, que nem soube ser sensacionalista e quem a escreveu devia ter vindo averiguar no terreno como se trabalha num hospital pequeno, mas que tem profissionais competentes, que trabalhando em equipa fazem dos serviços um luxo para os utentes. Deviam ter vindo ouvir esse povo e saber da sua verdade, ouvir a sua justiça para com esse Hospital e como estão ou não satisfeitos, como são tratados, em vez de divulgar a mentira. Não há médicos reformados a trabalhar e maternidade também não é verdade, que esta maternidade tem menos de 200 partos por ano e maternidade não é só partos, tem muito trabalho dentro desse sistema, que não se vê mas que mantêm uma equipa ocupada 24 horas por dia, com trabalho; é só averiguar e falar verdades que o povo entenda e em português.

Somos Alentejo mas não somos as anedotas contadas nos meios de gente abastada, que come e se lambuza com o que este povo criou, mas que por necessidade vendeu por meia leca. Trabalhamos, não andamos aos encontrões em corredores, e não se paga a falsos médicos durante anos. Como aconteceu num desses hospitais onde tudo se amontoa e os doentes/utentes são apenas um número Nós somos reais.

Que politica tão suja a de destabilizar e desorganizar, para que fim? Alguém com interesses mais altos? Ou quem vai responsabilizar-se com o fecho duma maternidade que foi deixada em testamento a esta cidade?

E lembrar-me eu, que ergui bandeiras e andei de braços no ar, naquele dia 25 de Abril contente, porque ia viver num país livre! Livre de quê, afinal? As ervas daninhas continuam a germinar, os ricos a encher cada vez mais a pança, engordando as suas contas bancárias e a verdade, cada vez mais escondida dos trabalhadores portuguesitos.

Fecham-se escolas agora. No tempo do ditoso salazarismo nem se abriam.

Agora fechem-se hospitais e todos os postos de trabalho que vinham do antigo regime e olho para trás e que diferença faz?

Só mudaram os nomes, tornando-se tudo tão virtual, pela implementação da net e do mundo cibernauta…mas onde ficaram os sentimentos, a vida real, o amor ao próximo? Na conta bancária de quem fala do que não sabe, do que não chega ao fim do mês e vê os filhos a pedir pão.

Vergonha de ser Portuguesa não tenho, mas tenho vergonha de ter no País tantos cérebros iluminados, ricos de sabedoria sim, mas para governar as suas casas, onde as suas dispensas estão cheias de tudo, esquecendo aqueles que foram postos na rua dos seus empregos e ficaram sem ter como dar de comer aos filhos (meus pais dividiam uma sardinha para quatro bocas, na casa de meus avós no tempo da 2ª guerra mundial.)

Onde está o meu país de Abril, que abria as portas ao povo em promessas de viver bem? Onde estão tantos valores perdidos, com a entrada da globalização feita de imitações pobres e onde o ensino se esqueceu da sua própria História que já nem se lembram do quem foi o primeiro Rei de Portugal…

Trabalho na mais pequena maternidade do país, desde há quase 24 anos… Desde sempre foi a mais bem apetrechada de meios complementares de diagnóstico. Com Parteiras formadas pela Faculdade de Medicina de Coimbra, que a tornaram até aos dias de hoje, numa maternidade de amor, como refere a revista “Visão” num trabalho que tem por titulo “Como se nasce em Portugal - Da maternidade Maior à Mais Pequena”(Revista “Visão” edição nº465, de 31 de Janeiro a 6 de Fevereiro de 2002).

Que pena não ser tomada como exemplo, em vez dessa notícia monstruosa com cheiro a morte de tudo o que é lido com a vida.

Mas as palavras fechar, acabar, ou simplesmente abortar pertencem aos fracos e impotentes, na sua incapacidade de gerir um passado que vai agonizando, porque o País de Abril já lá vai e a história agora é feita de causas perdidas e portas fechadas. E porque será?

Que país que se acomoda num pasmo de morrer e não reage aos abusos e ofensas a quem trabalha!!!

ACORDEM e digam de sua justiça, somos portugueses e não temos que copiar ninguém, não é obrigatório ou é?

Haverá por aí de novo a PIDE? Não sei, mas o terror existe no trabalho que obriga quem o tem a sujeitar-se a tudo para o não perder e não ser ameaçado ou chantageado.

Voltamos ao princípio, mas sem valores, sem respeito, cavalgando selvaticamente, passando por cima de tudo e todos, espezinhando e desvalorizando o trabalho honesto que sai das mãos desta gente do Alentejo, que também é Portugal caso não saibam.

Rosamaria Abrunheiro

Parteira da Maternidade de Elvas

4 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

Bom dia Anjo....este é o país que se deixou fazer....deixámos?....



abraço. aquele.

isabel mendes ferreira disse...

Querido L. não vou poder ir ao lançamento do livro....e tenho pena...sei como tu sabes "cativar" auditórios....mas estou contigo. e sabes que sim...espero que te ouçam e leiam com o mesmíssimo prazer com que Tu escreves.e desejo-te aquela sorte que só os Audazes e humildes servos da palavra alcançam! abraço. Certo. Solidário. e terno. sempre.

Anónimo disse...

Somos um país de gente pequena e mediucre porque o país de Abril foi tragado pelos abutres que se empoleiram neste país.

A.B.

Ze de Mello disse...

Com a devida autorização da D. Rosa Maria, que adoro ouvir cantar, gostaria de publicar também esta carta no meu blogue! Como infelizmente não tenho o prazer ser visita dela deixo aqui o apelo para o consentimento de publicação!
A bem de Elvas!