"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, setembro 14, 2005

Há 17 Anos, Uma Hepatite & Um Imbecil Encartado


Em 1988, no dia 14 de Setembro estavam 38 graus em Lisboa e tinha viagem marcada para São Vicente, Cabo Verde, para o dia seguinte.
Durante uma semana andei a vomitar tudo o que comia e bebia, água inclusivé. Nesse dia, com a Paula e o Fernando dirigi-me às urgências do Hospital de São Francisco Xavier, instituição que a comunicação social dizia ser um modelo de eficiência.
Assisti a cenas escabrosas que desejo apagar da memória.
Eu próprio, com uma hepatite, passei pelo inferno. Confundido, por usar cabelo grande e camisa fora das calças, com os toxicodependentes, fui enviado para o Hospital Curry Cabral, depois de ter pedido a uma médica jovem "qualquer coisinha para conseguir descansar", pois não conseguia dormir.
Enviado numa ambulância para o segundo estabelecimento hospitalar, associado a doenças contagiosas, uma enfermeira mestiça deu-me conselhos médicos, já que o médico, também jovem, estaria cansado.
Já em casa, para iniciar o período de tratamento e repouso, recebo um telefonema de um colega, com fisionomia de lambedor de batinas, que ostentava três cursos, um de teologia, outro de filosofia e outro de direito.
"Mandaram-te para casa?" perguntou histérico, concluíndo "Então foi para te desenganarem, tu estás é com Sida!"
O flagelo começava a ser tema de notícias e conversas e o facto de nunca me ter casado, de não ser como ele, que toca orgão na missa do bairro onde mora, e tem uma família normalzinha, para exibir na folhinha do IRS,levantou suspeitas ao inquisidor moralista.
Ao longo deste tempo, infelizmente,por algum desregulamento, engordei mais 50 quilos do que então pesava.
Depois da convalescença,quando o imbecil me encontrou, se tivesse um buraco para se esconder, para não escutar as provocações que lhe dirigi,louvaria ao Deus dos padres que o ensinaram a ser tão humano para com o próximo.
Desculpem a forma com que termino esta evocação - não estou comprometido com nenhuma religião, nem tenho nada a ver com os territórios mentais de sacanas com ar beatífico - mas espero morrer depois dele...
(fotografia de Manuel Silva, em Penha Garcia,à entrada da exposição de ti Catarina Chitas, Agosto de 2005)

1 comentário:

Dinamene disse...

Luís, temos a grande vantagem de poder rir-nos destes mestres inquisidores, pois eles não percebem sequer porque rimos.
Tudo passou, hoje podes fazer humor e flutuar acima da mediocridade reinante.
Infelizmente, os hospitais continuam a ser templos dedicados aos mortos, mas isso, sabemos porquê.
Abraço amigo.