Sophia de Mello Breyner Andersen registou: “Vemos, ouvimos e lemos! Não podemos ignorar!”
O primeiro livro de Poesia de Elvira
Carvalho causa alguma surpresa.
Habituado a ler contos em que a autora
apresenta uma variedade de enredos, e nos quais encontramos por vezes soluções
criativas, com desfechos positivos, neste volume o olhar de Elvira Carvalho é
uma paleta de tonalidades sombrias, desfilando em quase todas as páginas uma
espécie de cortejo bíblico com todo o tipo de seres feridos física e
espiritualmente.
Ocorre-me citar um poeta do século XIX enquanto modelo desta lírica amarga – José Duro que nos legou um dos livros mais tristes da literatura portuguesa – “Fel”.
“Onde quer que ponha os olhos
contristados
-Costumei-me a ver o mal em toda a parte-“
“Estranha concepção! Abranjo o mundo
todo
E em cada estrela vejo a mesma lama impura,
E em cada boca rubra o mesmo impuro
lodo!”
Contribuiu para escurecer as páginas de “A Cor dos Poemas” a própria história de vida da sua criadora, patente nos seus dados biográficos.
A perda do companheiro de seis décadas,
a quem dedica o livro, aumentou o desânimo que não esconde e sempre se
evidenciou na sua escrita poética, partilhada no blogue “Sexta-feira”. Ele era
o seu abrigo e apesar da sua protecção, nunca ignorou o mundo que a rodeia,
perante o qual se sente incapaz de transformar conforme os seus sonhos de
infância permitiam aspirar. Embora escrever seja transformar.
Como poeta viajante e face ao meu
próprio percurso carregado de obstáculos, sendo um pessimista optimista, sinto
alguma perplexidade pela proximidade dos versos de Elvira às favelas, às
existências sub-humanas vítimas de exploração desenfreada, sem descortinar uma
redenção para a injustiça sem limites que infecta o planeta.
Falta uma esperança, uma crença no
cosmos, na Humanidade à qual pertencemos.
Esta excelente contista, não encontra aqui pegadas de Florbela, a comunhão com a Natureza, de Cesário Verde, sequer a melancolia de António Nobre. A sua realidade poética não é ao menos a de Rosalia de Castro que cantou o abandono da terra natal, a imigração galega para Havana, o amor aos rios e aos campos que inundaram os seus poemas de identidade magoada mas de referência para um povo empobrecido que teve de dizer adeus às origens.
Em “A Cor dos Poemas” estamos diante do não retorno, do final dos tempos, em que só a Morte espera os seres, mortais sim, mas de asas cortadas, sonhos apagados, futuros sem luz.
Oxalá Elvira volte à Poesia com um
legado que aponte para dias contrários a um tempo que os seus versos espelham
com fidelidade.
Oxalá seja possível sobreviver a um
Mundo cruel, com Amor e sonhos libertadores.
Obrigado Elvira Carvalho pela verdade
sem floreados, frontal que a sua escrita nos entrega. E que possa acontecer tal
como o Poeta escreveu o desejado “mudam-.se os tempos/ mudam-se as vontades”
Luís Filipe Maçarico (Poeta,
Antropólogo)
Almada, 2-4-2024