Actualmente, quando a rádio não fica infestada de vomitado de futebol, [que é quase todos os dias], tento escutar música.
Porém, as letrinhas gorgeadas pelos novatos das cançonetas, destinadas a cabeças de esferovite, constrangem-me:
"Ficas-me tão bem/ Enfeitas os meus dias", insinua a voz de um cantor jovem.
Então a mulher é como um emblema, para ostentar?
Logo um quarentão assegura (quem plagiou quem?):
"Tens qualquer coisa de filme francês/ Tu, tu ficas-me bem/ Tão bem, tão bem, tão bem, tão bem…"
Mantenho a sintonia, na esperança que a qualidade mude.
Porém, e apesar de surgir uma música mais agradável para o ouvido, apresenta-se outra letra que é uma lástima:
"Falam, falam, falam/ Do teu vestido/ Uns dizem que é curto/ Outros dizem que é comprido/ Que tens cara de santa/ Mas que és um perigo/ E que eu dou ares de senhor/ Mas tenho alma de sem abrigo".
Resisto a mudar de emissora e, não sendo masoquista, levo com mais esta:
"Fazes isso tão bem/ Deixas-me ser e crescer também/ Fazes isso tão bem/ E eu não quero saber de mais ninguém" (Será a apologia de uma boa cozinheira? Ou da robot Sofia?)...
Estas "novidades" portuguesas surgem no meio de sucessivas avalanches de temas dos anos oitenta, numa antena onde era suposto ouvir-se José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e os demais clássicos da música portuguesa, ou até expoentes jovens e veteranos, como Ricardo Ribeiro, José Mário Branco e Janita Salomé, só para citar alguns.
A par das televisões pimbas esta rádio, através da qual, durante anos me habituei a acompanhar, todas as manhãs, a irreverência luminosa do António Macedo, passou a dar a mão a "artistas" com escasso talento, que gorgeiam, entre uma play list - com trinta e quarenta anos, elaborada ao sabor do saudosismo de locutores, que possuem boa dicção mas cuja escolha musical é sofrível , parecendo evitar, como se fizessem um esconjuro, canções interventivas. Há excepções, como é óbvio, quer nos apresentadores, como nos discos divulgados. Depende de quem dirige (com dignidade) a emissão. É o caso de David Ferreira, Edgar Canelas, Jorge Afonso, João Gobern, havendo outros protagonistas, dignos de menção, marcando pela diferença programas, que nas mãos dos actuais ocupantes de manhãs e tardes ficariam no avesso do som.
Desmedida é a panóplia de textos cacarejados, na rádio da qual já fui mais fiel, que espremidos contêm um quase vazio, porque quem os escrevinhou parece desejar um público acéfalo e acrítico, que consiga habituar-se a versos tipo "amar" rimando com "falta de ar".
E eu, que aprecio temas com qualidade, mudo para uma rádio de standards e fico a escutar Sinatra, Bublé, Aretha, Norah Jones e tantos outros, que fizeram de determinadas melodias, pela sua interpretação, referências de bom gosto.
Luís Filipe Maçarico