Se “um poeta é sempre
irmão do vento e da água” como cantou a poetisa brasileira Cecília Meireles,
sabemos que “A vida só é possível reinventada.”
A vida vivida, como
lembra Sousa Dias, citando Manuel António Pina, é “ficção, esquecimento e
memória”.[1]
Sousa Dias diz-nos que a
Poesia é “experiência dos limites do dizível, confronto da linguagem com o
silêncio.”
Este autor evoca
Merleau-Ponty[2],
abordando o enigma da sensibilidade na Pintura, enquanto imagem poética é
questão ontológica de efeito de realidade.”[3]
Na construção dos seus
poemas, Cristina Pombinho domina o jogo metafórico e imagético, inscrevendo a
sua escrita na galeria da poesia no feminino, onde encontramos Teresa Horta e
Natália Correia, ainda que tempere (com o tom onírico de palavras-imagem) o
conteúdo primordial da sua afirmação lírica.
Montserrat Villar
González, poetisa galega que conhecemos em Salamanca salienta: “Agarro-me a ti
como me agarro à vida/ que através dos teus olhos/ aprendi a olhar”.[4]
E esta escritora
acrescenta: “Me quieres, te quiero/ a pesar del dolor que causa la vida
cotidiana.”[5]
Os versos, as artes
sublimam os dias comuns “transfigurando em luxo o próprio lixo”, como escreveu
em Muriel o criador de “Aquele Grande Rio Eufrates” e de “Despeço-me da Terra
da Alegria”. Cristina Pombinho supera a banalidade dos dias com a elegância
voluptuosa das palavras.[6]
“Para que servem / os
poetas em tempo de indigência?” questiona-se Hélia Correia, em “A Terceira
Miséria”[7]
“Intermitências” traz-nos
uma poesia alicerçada em leituras de Eugénio (“Eu ainda não te falei desta
cidade”), Rui Belo (“Esperei por ti…/ tu não vieste,/ nem sei se virás, algum
dia!”) Gedeão (“as infinitas partículas subatómicas do quotidiano”), Cristina
reflecte igualmente a boa influência de Herberto Hélder e Ramos Rosa,
confirmando o que o pintor gestualista Artur Bual disse tantas vezes, ou seja
“ninguém nasce sozinho!”
Folheando o livro
vislumbramos Freud, que define o artista como alguém que “sabe como trabalhar
os seus sonhos acordados de modo a […] que outros partilhem do seu gozo neles.”[8]
Cristina Pombinho escreve
que “por dentro dos sonhos é que a vida existe” e Sophia discorre: “Eu busco o
rasto de alguém/ que ao meu encontro vai/ no sonho de cada linha.”[9]
Entre o real e o
imaginado, “Intermitências” parte sempre da pegada para o voo, com enormes
recursos vocabulares, que constroem uma eficaz transmutação do quotidiano.
A linguagem depurada e
metafórica, evidencia a qualidade da escrita desta poetisa, por vezes irónica;
reparem nestes exemplos “As janelas são os olhos das casas”, “um soluço de
tempo”, “Deus embebeda-se e ri alto, razão da existência dos trovões.”
“É preciso falar para
inventar/ o jogo dos silêncios”, proclama Maria Alberta Menéres.[10] E Ana
Luísa Amaral confessa: “Sou condenada a ver para além deste tempo.”[11]
Com as palavras, Cristina
Pombinho urde uma envolvência simbólica, carregada de energia positiva. A
utilização de verbos luminosos acentua a vontade de ser, como é o caso de
existir, estar, pertencer, respirar, olhar, oferecer, poder, sentir, voar,
querer, crescer, caminhar e acreditar.
Temas como “A Mãe” (que
belo tríptico dedicado a Clementina Pombinho!) “os gatos”, “os pássaros”, “o
amor”, “a ausência”, “o sul”, “o vento”, “a noite”, “a solidão”, “o corpo”, “a
metafísica” e “a filosofia”( através de Aristóteles, Heraclito e Parménides),
que são filigrana de um tear cósmico, irrompem
nestas páginas, exalando o inebriante perfume da Música.
Ana Rossetti considera
que “A poesia é um vendaval de ar puro em nossas existências irrespiráveis”[12]
A autora de “Intermitências”
revela “[o] mundo habita em mim/ como um bando de aves em migração.”
Vinte anos depois, a Arte
de Mena Brito, pintora de grandes recursos, junta-se às sílabas mágicas de uma
poesia singular (“esta espécie de animal faminto que cresce por dentro e que é
quase êxtase”.)
“A alma feita luz e os
anjos “pescadores de nuvens” desafiam-nos para a leitura desta obra, onde a
pedra se torna carne e “ser um pássaro louco […] com mãos em vez de asas” exalta
uma liberdade criativa sem limites. Bem Hajas, Cristina por esta significativa
partilha que tanto nos enriquece.
18-6-2019
Luís
Filipe Maçarico
FOTOGRAFIAS: Da apresentação na Casa do Alentejo em 17-12-2019 - Mário Sousa e Manuel Silva. Das apresentações dos dois livros de Poesia da Autora em Vilarelhos, no Festival Transfronteiriço de Poesia, Arte de Vanguarda e Património, em Meio Rural/ PAN - Julho de 2019 e Julho de 2018 - Rodrigo Dias.
[1] DIAS, Sousa “O que é Poesia?”,
Documenta, Lisboa, 2014, p. 44.
[2] Ibidem, pp. 31-32.
[3] Ibidem, p. 33.
[4] GONZÁLEZ, Montserrat Vilar “Vida
Incompleta”, Lema de Origem, Carviçais, 2019, p. 23.
[5] GONZÁLEZ, Montserrat Vilar “tierra
en mármol y ternura”, Lastura, Ocãna, 2ª edicion, 2015, p. 58.
[6]
Esta parte do texto foi acrescentada ao escrito inicial, apresentado em
Vilarelhos, no início de Julho, onde a obra teve o seu lançamento inaugural.
Redigido em Almada, na madrugada de 17 de Dezembro de 2019, destinou-se à
apresentação na Casa do Alentejo, na tarde desse mesmo dia.
[7] CORREIA, Hélia “A Terceira
Miséria”, Relógio de Água, Lisboa, 2013, 2ª edição, p.7.
[8] FREUD, Sigmund “Textos Essenciais
da Psicanálise”, volume III; Publicações Europa América, Mem Martins, 2001, 2ª
edição, p. 147.
[9] ANDERSEN, Sophia de Melo Breyner, “Dia
do Mar”, Ática, Lisboa, 1961, p. 86.
[10] MENÈRES, Maria Alberta “O Jogo dos
Silêncios”, Hugin, Lisboa, 1996, p. 5.
[11] AMARAL, Ana Luísa “Entre dois rios
e outras noites”, Campo de Letras, Porto, 2007, p. 112.
[12] ROSSETTI, Ana “Fuera de Campo”,
Associación cultural “El Zurguén”, Morille, Salamanca, 2018, p. 64.