Há dois meses que o país não pára de arder, o fogo entra pelos parques dos perímetros citadinos, ardem casas nas vilas e cidades, como nunca se tinha visto, evacuam-se aldeias, a insegurança e o medo fazem estremecer idosos, que precisam de cuidados especiais e sobretudo de tranquilidade, as vias férreas, as estradas nacionais, as autoestradas tudo é encerrado devido às chamas. As perdas são enormes.
Do Norte ao Sul, passando pelo Centro, de forma impiedosa Portugal arde como nunca tinha sucedido e a culpa é das trovoadas secas, da seca, da descoordenação, das avarias do maldito Siresp, de tudo, - menos dos inimigos da Natureza e da escala humana, cada vez mais debilitada, com mortes e abandonos, com muitos feridos, com a intranquilidade e o sofrimento desventrado, por estagiários dos mírdia, a carregar com black & decker nas feridas da alma, de quem perdeu familiares, animais, tractores, viaturas, haveres, agricultura, sonhos, vida.
Depois do corrupio de abraços chorosos e de ter ficado tudo como dantes, o país continua a ser, desde Junho até Agosto, uma sangria de lumes ferozes, a devorar mais e mais árvores, casas, avifauna e flora, pintando de negro os lugares que não escapam à sanha destruidora.
Não sabemos quem está por detrás disto, se são interesses económicos (parece que sim) se são motivações políticas (há quem desconfie) ou sobre quem serão os que mandam deitar fogo a tudo (nunca sabemos quem são esses mandantes), além das incúrias e do desmazelo, que enche os lugares, com teias de verde a envolver os edifícios, quem quiser que desbaste e depois chora-se baba e ranho aqui d'el rei que o fogo está a abeirar-se da residência...
Nunca sabemos - para lá das imagens dignas dos filmes mais horrendos, do fogo a engolir o verde - porque sucede todos os anos e em 2017 mais do que nunca, esta calamidade que arrasa tudo, estremecemos por cada hectar que desaparece com a riqueza que antes tinha e deixamos de acreditar em misericordiosas entidades, que recebem dinheiro com fartura, em programas televisivos que parecem festivais de vaidade travestida de caridade. É a seiva comportamental do país que temos: vale mais parecer em vez de ser. Alardear no lugar de actuar. Não se aguenta tanta miséria mental.
Entretanto, anunciaram-se medidas, fez-se uma lei, reuniões de conselho de ministros, pressões partidárias, para execrar o eucalipto.
Contudo, nos sítios ardidos replantou-se a planta "maléfica". O caricato (e eterno) ministro da agricultura chegou a anunciar que não se podiam perder os fundos europeus no valor de milhões para a reflorestação com eucaliptais em barda...
Impedir o negócio em torno da madeira queimada, denunciar quem são os bandidos deste desmedido atentado, mudar os ministros que fingem não estar mortos, continua a ser tabú e nada se altera.
Bombeiros acorrem, com meios terrestres e aéreos, por vezes obsoletos, autarcas deploram a falta de actuação inicial mais eficaz, populações criticam o atraso, entre o fogo que começa e a acção salvadora, que apenas se desenvolve passados dias...
Baseio-me no que oiço na rádio, no que leio em jornais, no que vejo de soslaio nas imagens insuportáveis.
Até quando vamos assistir a este desmoronamento da nossa essência?
Não posso calar esta revolta!
Luís Filipe Maçarico (texto)
Fotos da Internet.