Na presença de conterrâneos, convidados, familiares e amigos, decorreu na Biblioteca Municipal de Alcanena, a apresentação do livro "Cataventos", de Zulmira Bento, presidida pela senhora Presidente da Câmara local, Drª. Fernanda Asseiceira.
Colaboradores desta obra vindos do continente e dos Açores, vieram manifestar o seu apreço pelo trabalho da autora, que na assistência contou também com a sua professora de português.
Quero deixar aqui expressa a minha gratidão pela forma como fui recebido, quer pelo responsável da Biblioteca Municipal de Alcanena, onde o livro foi lançado, Dr. Óscar Dinis, pela Professora Zulmira e pela senhora Vereadora da Cultura, Engenheira Maria João Gomez.
A Aldraba esteve presente através das pessoas dos fundadores José Prista e sua esposa Luísa Cabrita, bem como do Presidente da Direcção, José Alberto Franco e da Tesoureira Maria Eugénia Gomes, também fundadores.
Transcrevo o Prefácio que fiz para esta publicação:
"Em boa hora, Zulmira Bento se dedicou ao
levantamento exaustivo e à reflexão sistemática acerca de um património que
ostenta a riqueza irrepetível da arte do ferro, que Aquilino Ribeiro comparou à
filigrana.
Depois de um estudo sobre as chaminés de
Alcanena, é a vez da autora olhar para os Cataventos do seu concelho, esses
utensílios quase ignorados que evocam a meteorologia dos nossos antepassados,
servindo para alindar os lugares com a criatividade popular dos mestres de
forjas e vidas evaporadas.
A Câmara Municipal de Alcanena, que
saúdo e aplaudo, é um caso singular pois apoia e divulga, de forma exemplar,
uma recolha única, que merece ser seguida por outros municípios, tão abundante
é o nosso país em objectos, monumentos, tradições e num povo que resiste em
manter a sua identidade, na variedade musical, na gastronomia e artesanato
diversos, nos vários costumes e rituais.
Zulmira Bento foi testemunha da
heroicidade dos seus ancestrais, que criaram gado, num território de pedra
porosa, por onde se escoava a água.
Vinda do ponto mais distante do concelho
- Vale Alto - o qual lhe mereceu aprofundada monografia, foi a primeira pessoa
da terra a licenciar-se em Germânicas, na mais antiga universidade portuguesa.
Muito determinada, deu aulas, sendo destacada pelo Ministério da Educação em
todo o distrito de Coimbra.
No mundo da escrita e da pesquisa onde
se realiza, evidencia um genuíno interesse pela herança colectiva. “Sou muito
curiosa e era uma pena que as coisas desaparecessem sem registo. Na linha da
cidadania, acho que tenho obrigação de o fazer”.
É assim que acompanhamos o percurso
histórico dos cataventos e do ferro forjado, conhecendo a escola de Coimbra,
Mestre Gonçalves e o grande Arnaldo Malho.
Constatamos, a par da riqueza de formas
e símbolos nos telhados de Alcanena, como são os casos dos galos, do dragão, de
um coelho, de um carro antigo, de aves, da apanha da azeitona ou de figos, do
jogador de futebol ou de um engenho voador, que de Guimarães a Tavira, de Braga
ao Crato, do Porto à Madeira e aos Açores ou de Vila Real a Alter do Chão, as
representações saídas das oficinas artísticas ou das mãos do imaginário
popular, propõem anjos, cães, naus, leões, peixes, cegonhas, os cavalos da
coudelaria de Alter, o pastor das cabras, o guardador de porcos, o campino, o
burro, o pato ou a réplica do galo que, em Monsanto - concelho de Idanha a
Nova, - assinala, na torre de Lucano, o original de prata, ganho no concurso da
“Aldeia mais Portuguesa de Portugal”, em 1938.
Zulmira percorreu de Norte a Sul o país,
conseguindo em alguns casos a ajuda de informantes que lhe enviaram imagens de
sítios onde não pôde chegar.
O resultado é impressionante e inédito,
ancorado nas investigações de Rocha Peixoto e José Prista, apresentando
referências bibliográficas que engrandecem o nosso conhecimento, acerca desta
temática, tão pouco tratada pelos nossos etnógrafos e eruditos locais, que
passam sempre ao lado do património imperceptível.
Jorge Dias escreveu que “As criações
populares (…) são o produto de uma longa elaboração local, em épocas em que a
falta de meios de relação segregavam as populações das influências urbanas e em
que os contactos com grupos vizinhos eram pouco intensos (…) Eram obras
perfeitas no seu género, porque eram puras, sinceras e totais. Um produto de um
grupo social isolado era elaborado da mesma maneira que uma ostra segrega uma
pérola.[1]
Zulmira Bento nesta sua obra aborda os
cataventos de Alcanena e do país, com a metodologia das Ciências Sociais,
comentando de forma acessível para o leitor os materiais observados. E porque
só podemos amar o que conhecemos, este é um contributo que, para além de
enriquecer a população de todas as idades de Alcanena, permite aos responsáveis
autárquicos, à Igreja e aos particulares salvaguardarem este património no concelho
e em todas as autarquias. Quem sabe se não começa aqui, pela mão desta mulher
apaixonada pela preservação de tais tesouros, um movimento de cariz cultural
que possa salvar do esquecimento estas memórias vivas de um tempo, que sendo
passado é raíz do nosso futuro?"
Luís Filipe Maçarico
Antropólogo
[Fotografias de Maria Eugénia Gomes]
[1] DIAS, Jorge “Reflexões de um Antropólogo”, Cadernos
de Etnografia, Barcelos, 1968, p. 40.