"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quinta-feira, julho 31, 2014

Empaturrados de empolgação

Gostava que alguém me pudesse explicar, por que razão alguns locutores matinais, da rubrica de Desporto da Antena 1, bombardeiam os ouvintes, com textos lidos num stress alucinante, como se tivessem de ir apanhar um avião e aos berros, como se todos nós fôssemos surdos e estúpidos.

Se eu entender a lógica de tal performance, talvez possa igualmente compreender o porquê de os mesmos, sempre que há um campeonato (europeu, mundial), terem um discurso de vitória antecipada. 

Os gingles para essas épocas (que também passam na RTP) são invariavelmente construídos, a partir do triunfo imaginado. Empaturrados de empolgação.
Por isso, a derrota é sempre certa, restando a insuportável sensação do ridículo.
Podem elucidar-me, se faz favor?

LFM (texto e fotografia)

quarta-feira, julho 30, 2014

Paulo Ribeiro: A Arte de Cantar Bem, em Português


 
Conheço Paulo Ribeiro há alguns anos. A Poesia e a Música, a Fraternidade e a Solidariedade são palavras que nos aproximaram. 
Lemos e escutámos, o que um e outro fomos criando e respirado, ao longo do tempo.
O Paulo canta em português. E espelha preocupações comuns, com o quotidiano: a Terra, a Pertença, o Trabalho, o Amor, a Sensibilidade, a Amizade, a Alegria, o Sonho, o Futuro. Coisas que nos ligam a um sítio, a um coração, a um olhar, à vontade de celebrar a Vida.
As suas canções têm alicerces fortes. Palavras bem escolhidas. Certeiras. Ternurentas. 
Em 1993 com o grupo Anonimato gravou um álbum com o nome da banda. Seguiu-se "O Dia Mais Longo do Ano" em 1994.
Quando em 2002 gravou a solo "Aqui tão perto do sol", já fora distinguido com o Prémio Jovens Autores. 
Em 2010 integrou, com João Gil, o projecto "Baile Popular". Quem não se lembra da sua magnífica interpretação de "Rosa Albardeira"? 
 
 
Em 2012 consolidou uma carreira que o distingue, com o álbum "No Silêncio das Casas". Oiçam-no, desta feita com Viviane, cantando um poema de Alexandre O´Neill:

 
Sábado 26 de Julho reencontrei-o em Serpa, nas Noites da Nora, com o Grupo "Anonimato". Foi excelente, o concerto deste jovem nascido em Beja, que desde cedo se encantou pela música e particularmente pelo cante.
Paulo Ribeiro tem dado a cara por vários projectos, cantando com os mais diversos músicos, o mais recente chama-se"Tais Quais", e integra Vitorino, Jorge Palma, Celina da Piedade e Tim.

O espectáculo dos "Anonimato", em Serpa, com os seus companheiros de banda, ainda está vivo na memória, pois ao contrário dos Davides Fonsecas, das Áureas, das Ritas Red Shoes, e outros que só gorgeiam em inglês, Paulo cantou integralmente em português, poemas que reflectem a profundidade de quem está aqui para agir, intervir e não virar as costas aos problemas. 
É uma forma de estar pessoal e artística, que saúdo pela qualidade da voz, da interpretação, da envolvência. O público encheu o recinto e correspondeu.
Parabéns a Serpa, pela iniciativa, ao Paulo e ao seu grupo "Anonimato", por darem tão bons sinais de vida, numa época em que a identidade alentejana e a cultura com qualidade, são a marca dos que privilegiam a resistência ao vazio reinante.

Para escutarem Paulo Ribeiro - e os "Anonimato" (os que o/s desconhecem) ou para aprofundarem esse conhecimento ( os que já o viram/ouviram), abram a pgina do Paulo, cujo link aqui deixo:
 
 
Luís Filipe Maçarico (pesquisa, texto e fotografias)

terça-feira, julho 29, 2014

Poder local democrático?

 

O Poder Local é muitas vezes apresentado, como uma das melhores consequências do 25 de Abril.
Todavia a realidade parece desmentir esse mito...

As novas gerações, que nas eleições dos últimos tempos conquistaram lugares de relevo, nas autarquias, não correspondem aos pergaminhos. 
Em vez de servir o colectivo, muitos servem clientelas, amigos, familiares... servindo-se a si  mesmos....
Senão, veja-se:

Num concelho transmontano, documento histórico, editado pelo anterior presidente (da mesma força política do actual), ao que parece não circula, por causa de ter foto e palavras do amtecessor do autarca eleito em setembro de 2013.

Num município do sul, o catálogo de exposição do museu local, com carácter nacional, repousa em gavetas, armários, armazéns, não podendo ser adquirido, pois o presidente anterior, do partido actualmente na oposição, cometeu o pecado de escrever e assinar a introdução à obra...

Mais a sul e na raia, o pesidente, que esteve no poder duas décadas, foi reeleito, mas como vereador. O novo presidente queixou-se do antecessor, ainda no executivo, por segundo ele, ter contribuído para haver dois executivos. A vereação demitiu-se ou está em vias disso.

Em Lisboa, o quartel dos bombeiros da Luz, construído ao lado do hospital com o nome do bairro, vai ser demolido, pois o edifício hospitalar quer a claridade toda.
Os jornais falam destas coisas e, no caso da polémica do terreno do quartel dos bombeiros, devorado pelo hospital, acrescentam que o arquitecto do hospital é vereador e familiar de um banqueiro caído em desgraça, o que não deixa de ser perturbante...
Num país outro, estas situações, até para evitar leituras erróneas, levariam à demissão de alguém, que em nome da honra descartaria a insinuação de promiscuidade...
E assim se arromba o desenvolvimento e se mancha o prestígio, que era motivo de honra e orgulho dos velhos autarcas. 

As actuais gerações, à frente da administração política municipal, têm uma fome vampírica de poder; veja-se o exemplo do senhor, que disputa eleições internas, no seu partido, com vista a ser primeiro ministro, descartando as funções para as quais foi eleito...e das quais tão má conta parece dar do recado, pois sabemos (vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar) que recambiou cerca de quinhentos, dos mil cantoneiros de limpeza, para as juntas de freguesia, desiquilibrando a função do serviço público, tendo a Câmara ficado sem pessoal suficiente, para a recolha dos resíduos sólidos (os trabalhadores da limpeza urbana, empurrados para as freguesias, têm a seu cargo a lavagem, varredura e recolha de dejectos caninos e fizeram o manguito, quando o senhor presidente os requisitou depois de os retirar do quadro da autarquia central.) E que dizer da entrega de bibliotecas históricas e equipamentos desportivos às freguesias? A sede de ficar bem visto, pelos correligionários do chamado arco do descarrilamento colectivo, é insaciável.
A lei Relvas foi aliás, aos trambulhões, seguida por este senhor, numa ânsia de mostrar trabalho.
Não serão todos estes sinais o prelúdio para privatizar tarefas que deveriam ser do domínio público? O Costa Concórdia também parecia um navio seguro...

Isto para não falar das equipas de conselheiros, que estimulam posturas instáveis...nem das Câmaras, com dívidas impagáveis, da especulação imobiliária, da dissolução anunciada de algumas, de autarcas, que perderam mandatos, por abuso de poder, etc. Limito-me a evocar o que a imprensa noticiou...

Os valores foram substituídos pelos interesses. E isso é péssimo. Ficamos todos a perder.
O que se vê à vista desarmada, não nos agrada e merece reflexão urgente.

Poder local democrático?

quarta-feira, julho 16, 2014

Os Novos Monstros

Na rede social Facebook, existem Grupos, com milhares de seguidores, que possuem regras e mentores, castradores da liberdade individual e da cidadania plena, impedindo que sejam discutidos assuntos candentes como política, religião e até futebol. 
No caso de uma das muitas páginas, que supostamente pretendem valorizar o Alentejo, o leitor assiste, estupefacto, à publicação exaustiva de clichés, com imagens de animais, flores e alguma gastronomia, não se reflectindo o Alentejo actual, com centros de saúde, escolas e tribunais a encerrar, e nas fotografias das localidades, que suas Excelências, os Guias Supremos autorizam a publicar, os alentejanos estão ausentes...

Custa a acreditar, que se limite a liberdade daqueles que se queiram exprimir, contribuíndo para o alheamento, a falta de intervenção, amarfanhando com grande desprezo conquistas duramente obtidas, que custaram a vida a muitos portugueses.
Como é possível que centenas de indivíduos aceitem ser conduzidos, até um lugar que não existe, consumindo ilusões, abdicando de usar o cérebro?

Quando subscreverem páginas nas redes sociais, percebam bem onde se metem, pois há quem tenha saudades de outros tempos, da paz podre, onde os répteis chocam os ovos dos novos monstros e se disfarce de santo, alegando que discutir certos assuntos provoca divisões...
Não foi para isto que se fez o 25 de Abril. E nunca será nesse território fraudulento da ilusão, que nos tornamos pessoas melhores...

Luís Filipe Maçarico

sábado, julho 12, 2014

Silêncio...Morreu um Poeta. que era Fadista!!!

A notícia surgiu pela voz de uma amiga comum. Abílio Duarte não resistiu mais e partiu, numa maré de despedida. Foi a enterrar esta semana, após uma existência muito rica em amizades e criatividade. 
Deixo aqui um lamento, relativamente a uma parte do associativismo lisboeta, que desconhece quem foi este SENHOR! Ignorância que não podemos desculpar aos dirigentes do movimento associativo popular. Abílio Duarte além de ter sido presidente da mesa da Assembleia Geral do "Vai Tu", participou em tudo o que foi apoio solidário (bombeiros, doentes com cancro, etc). Só isto serviria de motivo para o celebrarem. Nem o facto de José Manuel Osório, um especialista do Fado, ter garantido que Abílio Duarte tinha a categoria de um Linhares Barbosa, Carlos Conde ou Francisco Radamanto, fez com que se curvassem perante a sua obra. É com grande pesar que constato o desinteresse, de quem tinha a obrigação de promover um grande momento evocativo em honra de um ser humano que venceu tantas adversidades. O problema em Portugal é que anda tudo a tratar da vidinha (ou à babugem, como diz um amigo meu). Todos se curvam perante as vedetas, os grammys, não querendo ficar de fora do retrato com o produto que vende, a higienização do fado a património de qualquer coisa...e fico-me por aqui, para não ser acintoso...
Em homenagem singela a Abílio Duarte, aqui fica de novo a biografia, que neste mesmo blogue publiquei há alguns anos, aquando da edição do seu livro "Marés da Minha Vida":

ELEMENTOS PARA UMA BIOGRAFIA DE ABÍLIO DUARTE -FADISTA, POETA E MAREANTE
Fui um Saltimbanco
Abílio Duarte nasceu em 28 de Novembro de 1937, na freguesia das Mercês, em Lisboa. O pai, natural de Setúbal “foi pescador e descarregador de peixe” e a mãe, originária da Madragoa, “vendia peixe”. “Em miúdo, conta este filho do mar, cheguei a estar aqui na Ribeira; apanhava baldes de água para lavar as tecas do peixe.” Criado entre a Bica, Madragoa, o Casal Ventoso e Chelas velho, Abílio Duarte é neto de um algarvio, pescador dos galeões (avô paterno) e de um serralheiro do Arsenal (avô materno).
Reformado da marinha mercante e tendo sido serralheiro de precisão de moldes para plástico e de cunhos e cortantes, Abílio assegura, com ironia: “O Salazar ensinou-me a ser comunista!”[1] Acerca do seu percurso profissional afirma: “Fui um saltimbanco, sempre entendi que trabalhar numa mesma casa era atrofiante.” Tendo viajado por todo o Mundo várias vezes, recorda: “América quase toda, uma parte do Brasil, uma parte de África, Ásia…Japão, a Itália toda e a Turquia. Só não fui à União Soviética!”
Abílio Duarte começou a escrever para fados, a partir de um episódio estimulante: “Em 1959, quando fui trabalhar para a Marinha Grande (estava ligado ao fado e trabalhava) foi quando acabei a tropa…queria casar e fui para a Marinha Grande…comecei a sentir a saudade do Fado, foi quando fiz a homenagem ao Alfredo Marceneiro. Tive a felicidade de cantar versos, em dueto, com o Alfredo Marceneiro na casa da Maria Teresa de Noronha, em Cascais. Era casado com a Julieta Reis[2]. Comecei a cantar, a primeira sextilha, que é dum fado do Marceneiro - “Natal do Prisioneiro” - quando canto a segunda, manda-me calar, improvisa o elogio que lhe estava a fazer, cantamos a seguir os dois. Foi dos momentos mais lindos, foi ter a felicidade de fazer um improviso com o Alfredo Marceneiro! A partir daí comecei a fazer algumas quadras (o marítimo é um homem sozinho).”
Das leituras dos diversos escritores que o enriqueceram, salienta António Aleixo, Carlos Conde, Ary dos Santos, Cesário Verde, Álvaro de Campos. “Fui apanhando bocadinhos aqui e acolá. O jornal “A Bola”, quando era trissemanário, à quinta-feira trazia um manancial de formação, feito por rapaziada de esquerda. O “Diário Popular”, ao sábado trazia cultura!...”
Escutámo-lo, longamente, desfiando um rosário de sombras. Com pudor, recolhemos os dados primordiais para esboçar o retrato. E quisemos saber como foi o tempo de ser criança: “A minha infância…pronto! Eu estava perto dos oito anos quando morreu a minha mãe. O meu pai tirou-me à minha mãe e fiquei a viver com a minha avó aqui na Baixa. Porrada foi mato e cara esfregada no colchão.
Estava a comer sopa de massa[3], o meu pai chamou-me: “Olha, a tua mãe morreu, a tua avó vai-te levar, quando lá chegares abraça a tua mãe.”[4]
As memórias doem, têm um sabor amargo: “Juventude, não tive! Não tinha relógio, cheguei sempre cedo ao trabalho. Levava a lancheira para o trabalho, dormia num vão de escada, na Calçada Salvador Correia de Sá, no nº 19, com a minha avó materna…”
Eu Não me Abstraía
Não obstante o fadista afirmar que a sua escrita não está sujeita a espartilhos formais, descortinámos a presença do jogo metafórico e encontrámos termos de origem mais erudita, que fazem evidenciar a puerilidade dos seus versos.
Sem sermos exaustivos, registámos, entre outros, os seguintes vocábulos que aparecem nos poemas de Abílio Duarte: “convénios, mausoléu, arquitectar, retórica, paralelo, autonomia, mareei, eclipsei-me, órbita, épico, boreal, translação, rotação, espoletas, belicismo, rubra, pertinaz, floração.”
A introdução destas palavras, numa parte substancial, ligadas às Ciências, denota uma panóplia de conhecimentos práticos, enquanto profissional da marinha mercante, certamente complementados com uma razoável cultura livresca, que sempre o impeliu a procurar saber mais.
Com um estilo próprio, misto de singeleza e sapiência, a poesia deste homem do povo, que encontrou as agruras da vida no alto mar, durante longas ausências da terra madrasta, reflecte como num espelho, algumas contrariedades.
O falecimento prematuro da mãe, a rudeza do pai, a pobreza em que viviam os desfavorecidos da sorte, esse contexto de dificuldades sobrepostas e sucessivas, marcou o seu percurso de ser humano e o despojamento de uma escrita, onde morte e desencanto espreitam.
Todavia, e teimosamente, no seu horizonte poético surge um jardim de sonhos, abordado com termos mais luminosos.
A Revolução de Abril, esperança dos deserdados, assume nos versos de Abílio Duarte o papel de paraíso, bálsamo, farol.
Depois da grande errância, o prazer de ter cantado pelo país, com Ary, Tordo e José Viana, artistas solidários, que ansiavam como ele um futuro mais fraterno, marcou uma fase exaltante da sua trajectória.
Abílio considera que “A vida nas oficinas, com os colegas serralheiros, que é a vanguarda da classe operária, foi essa vivência que me ensinou. Eu não me abstraía, eu agarrava tudo. E a vida do Bairro Alto também me ensinou. Casei com vinte e dois anos e ensinei a mulher, que tinha vinte e quatro, a pôr uma fralda, pela experiência que tive no Bairro Alto.”[5]
“A vida obrigou-me a ir para a luta”, confirma.
Abílio chegou aos setenta anos com a dignidade e candura dos sábios.
Associativista, ex-presidente da mesa da Assembleia Geral do Grupo Excursionista “Vai Tú”, da Bica e participativo, nas noites de fado das colectividades e da “Tasca do Careca”, continua a vender peixe ao lado da sua terceira mulher, no mercado de Campo de Ourique.
O sorriso, talvez o tenha trazido de longe, das mil andanças, e como os pescadores de pérolas, deslindando tesouros no fundo do oceano, assim desanuvia rosto e gestos…
Quando canta, cerra os olhos e a voz, rouca, desenha pegadas sofridas, ou celebra patuscadas bem regadas.
O quotidiano de um mareante tem altos e baixos, como as ondas do Mar. A vida de um poeta não é menos contrastante…
Os seus versos essenciais e profundos alojam o ferrete de diversas etapas da caminhada, adversas. E um ou outro instante de júbilo.
Por vontade de Mestre Abílio passam a ser património de todos. A sua fruição em livro é a melhor homenagem que podemos fazer a este homem - acompanhando-o nos passos que a existência lhe impôs.
Libertemo-lo do peso de um destino áspero, pois o afecto pode ser lenitivo, atiçando sílabas de contentamento.
Bem hajas, Poeta, pelo teu exemplo partilhado, por esta vontade de soltar a alma, que te fez transcender as amarras que apertam o barco ao cais, o marinheiro ao fadário e o sonho à ousadia de voar.
Lisboa, 14-17 e 25-1-2008, 
Luís Filipe Maçarico