"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, julho 20, 2013

Militantes e Inscritos

Há quem viva sem ter amigos e queira afirmar-se de esquerda. Que vai a manifestações, mas no quotidiano exibe um comportamento execrável, de prepotência, inveja, pequenêz moral, má formação cívica e perversa vingança, mesmo que a vítima nada tenha feito contra si, para lá de existir...
Há militantes e inscritos... Este é um dos piores sinais da decadência dos Partidos.
Por isso, alguns desses inscritos, se conseguem chegar ao Poder, - e alguns conseguem - comprazem-se a torturar e a espezinhar os outros, pois mesmo que tenham sido maltratados, por adversários ideológicos, não têm pejo em fazer o mesmo a "compagnons de route"...
Infelizmente conheço casos assim, que descridibilizam as forças políticas, que os admitiram, e que, devido a tais atitudes, não conseguem lograr a confiança dos eleitores, num tempo tão difícil...
Já experimentei a mesma matriz, que me atrevo a chamar de nazi, em supostos sociais democratas e comunistóides, como diria o Diácono Remédios...
A exclusiva preocupação na quantidade, - na soma dos votos - pode não ser proporcional à qualidade, determinando o definhamento, em vez da implantação. Os valores humanos de um percurso, deveriam ser a escala, quando se admite alguém, numa força política...
Obviamente que falo de loucos, monstros desumanos, a quem desejo, que um dia, o cosmos devolva a consequência dos seus actos...
Felizmente, conheço gente decente, em diversas organizações do espectro partidário, augurando o reforço da sua influência, para que Portugal se torne mais respirável...


Texto e fotografia: Luís Filipe Maçarico

terça-feira, julho 09, 2013

Mão de Fátima: Uma Designação Abusiva


Permito-me, face à vulgar utilização de terminologias erradas, no que concerne a determinados utensílios, designadamente aos batentes, em forma de mão, esclarecer os leitores interessados, com uma transcrição de parte da minha dissertação, no âmbito do Mestrado "Portugal Islâmico e o Mediterrâneo". Trata-se de trabalho científico, que obteve 17 valores e foi avaliado por Professor Doutor Joaquim Pais de Brito (arguente, director do Museu Nacional de Etnologia), Professor Doutor Cláudio Torres (orientador, director do Campo Arqueológico de Mértola, Prémio Pessoa 1991),  Professor Doutor Luís Filipe Oliveira (Co-Orientador, Membro do Instituto de Estudos Medievais da UNL; Professor Aux. da UALG) e Professor Doutor António Rosa Mendes (Presidente do Júri, Presidente da Faro Capital da Cultura, 2005).

Partilho (Págs 104-105 da dissertação intitulada “A MÃO QUE PROTEGE E A MÃO QUE CHAMA: ORIENTALISMO E EFABULAÇÃO, EM TORNO DE UM OBJECTO SIMBÓLICO DO MEDITERRÂNEO”):

"Na sua tese de licenciatura, Hafid Mokadem, clarifica:
“Les heurtoirs facturés en mains stylisées, qui enssyit leur vogue, dans les portes modernes du XXème siècle, n’ont presque rien en commun avec l’amulette décrite précedement (la main stylisée)  Il s’agit d’une main fermée dôtée d’une bague et d’un bracelet garni des rosaces, tenant un galet poli (…) Cette composition est sans doute étrangère à l’art marocain et à la tradition graphique populaire, bien qu’elle assume le même role protecteur. C’est sans doute une imitation consciente des heurtoirs européens modernes.” (Mokadem, 1992: 69)

Efectivamente, em várias intervenções - nas aulas do “Mestrado Portugal Islâmico e o Mediterrâneo” e durante o lançamento do livro “Aldrabas e Batentes de Porta: Uma Reflexão Sobre o Património Imperceptível”, Cláudio Torres deitou por terra as conjecturas, que situavam aquela mão no período da dominação árabe, remetendo para esse passado a génese de tais batentes, com o argumento, o facto de haver exemplares, no sul da Europa e no Norte de África.

A sua existência em Portugal, parece dever-se à influência francesa, na arquitectura dos edifícios construídos, em Lisboa e no Porto, na transição do século XIX para o século XX.



No nº 7 do boletim da “Aldraba”, Associação do Espaço e Património Popular, e com o título “A Linguagem das Portas”, foi divulgada a posição do professor Cláudio Torres:
“A Mão de Fátima, entre nós, é recente. A Mão - batente é fenómeno recente, século XIX. Antes disso, não conheço. Creio que essa representação da mãozinha (com a influência da orientalização que dominou o nosso imaginário) será romântica…” (Torres: 2009: 4)

Na referida tese, que pode ser consultada no Campo Arqueológico de Mértola, são apresentadas diversas provas da designação abusiva (Main de Fatma) do utensílio Hamsa (Mão, em Árabe) que a Comunidade Islâmica de França considera folclorização, havendo vários autores a explicar que os colonialistas franceses, ao verem criadas árabes, usando Hamsas, começaram a chamar Fátima a todas, como aqui no Estado Novo uma Natália ou uma Elisa passavam a ser chamadas de Maria. O penduricalho, o brinco, o suposto talismã, passou a ser designado pelos colonialistas gauleses como a Mão de Fátimas, tentando forçar a ligação com o sagrado, fazendo passar uma história das Mil e Uma, dizendo que elas veneravam a filha do Profeta...

Quanto à Mão Fechada, basta ler o Corão, referido na pág. 46 da minha tese, a saber:

"No Corão, a mão de Deus é apresentada com parcimónia, falando-se das Mãos Criadoras e largas, distribuindo graças e bens e possuíndo a Soberania de tudo. A Mão dos Profetas, a Mão dos Crentes e a Mão Direita completam as referências positivas à Mão (cerca de vinte). A Mão antagónica está na Mão dos Infiéis, dos Judeus, dos Avaros, dos Injustos, dos Malvados, Idólatras, Ladrões…
Fundamental é a Sura Quinta (a Mesa Servida) versículo 64, onde de forma muito clara, se expõe a diferença entre Mão Aberta e Mão Fechada. “Os Judeus dizem: “A Mão de Deus está acorrentada. “Que as suas mãos estejam acorrentadas e que eles sejam amaldiçoados pelo que dizem! Não, as Suas (de Deus) estão estendidas e Ele distribui os seus dons como entende.” (Corão, sur. 5: vers. 64)."


Como entender então, que o batente em forma de Mão fechada tenha alguma coisa a ver com a Civilização Islâmica?

Não se pense contudo que se está aqui de má-fé, pois na referida investigação é produzida (Págs 93-94) uma Autocrítica, nestes termos:

"Em “A Função Antropológica da Aldraba”, e baseando-me nos escritos de Adalberto Alves e José Alberto Alegria, garanti que:
“Para os muçulmanos ter a representação da mão da filha do profeta Maomé em casa, é, ainda hoje, garantir a protecção certa contra os maus-olhados, consistindo, igualmente, uma forma de assumir a religião, pois os cinco dedos de uma mão, ligada ao sagrado, personificam os cinco pilares do Islão: fé, oração, peregrinação, jejum e caridade.” (Maçarico: 2003)
Face ao interesse que o tema me despertou ao longo do tempo, nestes últimos anos verifiquei, através do seu aprofundamento, com novas leituras, devido ao conhecimento que o Mestrado “Portugal Islâmico e o Mediterrâneo” me proporcionou e pelo inevitável cruzamento da documentação recolhida, alargada a autores magrebinos, que aquela afirmação , estaria mais próxima da efabulação que da verdade.
A presente dissertação visa também trazer luz sobre o assunto, assumindo o signatário a auto - crítica, pela falta de rigor com que produziu aquelas afirmações, não questionando a escassez do seu conhecimento relativamente às fontes, o que impediu o contraditório, induzindo assim em erro outros autores, que depois de si e baseando-se no que defendeu, seguiram o rasto do equívoco."



Luís Filipe Maçarico (texto) Clara Amaro e LFM (Fotografias)


terça-feira, julho 02, 2013

Cesário Verde, o Poeta de Lisboa que a Capital Ignora

Em Maio, no final das Jornadas de Cultura Popular de Viana do Castelo, tive o ensejo de falar com a Vereadora da Cultura da Câmara local, Professora Maria José Guerreiro, que no ano anterior tinha conhecido, durante o lançamento do livro de José Figueiras, onde colaborei, "Por Feitiço, Por Magia", na Biblioteca Municipal.
Falámos então de um problema, a meu ver grave, que é o facto dos alunos de Português, face aos actuais programas, desconhecerem poetas importantes, cuja obra muito contribuiu para o enriquecimento da língua e da cultura lusa. Fiquei estarrecido, pois desconhecia, com tão grande aberração...
Ainda sou do tempo em que - não obstante se viver em regime totalitário - tínhamos de estudar as Cantigas de Escárnio e Maldizer, as Cantigas de Amigo, poetas e escritores como Almeida Garrett, Antero de Quental, Bocage, Camilo Castelo Branco, Camilo Pessanha, Cesário Verde, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Gil Vicente, Guerra Junqueiro, Júlio Dinis, Luís de Camões, Nicolau Tolentino de Almeida e tantos outros...

Basta frequentarmos as redes sociais, para constatarmos o deserto cultural a nível da escrita dos protagonistas. Os erros são em demasia. E um deles, constante, é trocar o à pelo verbo haver (há). Ou seja, em vez de escreverem "eu fui até à praia", é usual ler-se "eu fui até há praia"...
Perante um panorama tão desolador, fruto de uma colossal falta de leitura, não admira que na capital não haja uma evocação, ao grande cantor da cidade que foi Cesário Verde (Lisboa, 25 de Fevereiro de 1855 - Lumiar, 19 de Julho de 1886).
Não falo de uma estátua, que existe num jardim, ali para os lados da Estefânia, não falo de nome de rua, nem de lápide na casa do Lumiar, onde faleceu.
Falo de um espaço, tipo o que existe no Azeitão, lembrando Sebastião da Gama, ou em Portimão, evocando Manuel Teixeira Gomes, ou mesmo em Lisboa, homenageando Pessoa.

 
Curiosamente, Álvaro de Campos (heterónimo de Pessoa) considerava-o Mestre ( "Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde, ó Mestre,/ Ó do «Sentimento de um Ocidental»!").
Será que se pode encontrar uma mão cheia, de presidentes de Junta de Freguesia, que tenham lido Cesário? E quantos vereadores da Câmara Municipal de Lisboa conhecem a sua obra?
Entretidos a gerir (o trânsito, os Jardins, e tantas coisas corriqueiras), os coitados têm lá tempo para ler Cesário Verde, para perceberem, porque razão inúmeras vezes, as Marchas, a cujo desfile assistem, entediados, na tribuna da Avenida, cantam "A Lisboa de Cesário" ou "Os pregões da Lisboa de Cesário"...
Por isso, Cesário Verde, como outros poetas, ignorados, morreram segunda vez, face a tanto esquecimento...
Mas como há sempre alguém que não se rende à ignorância e à falta de memória, aqui fica a primeira parte, da imensa tela que é "O Sentimento de Um Ocidental", um dos poemas, onde Lisboa é retratada por Cesário Verde. Digam lá se este poeta, cuja vida foi muito breve,  não é digno da tal celebração?
               I

           Avé-Maria

    Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

    O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

    Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

    Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

    Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

    E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

    E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda.

    Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

    Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

    Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

    Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
Cesário Verde
 


Texto, fotografias e recolha de Luís Filipe Maçarico