"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quinta-feira, maio 30, 2013

Se vivêssemos em democracia...

É só para lembrar que hoje seria feriado, se vivêssemos em Democracia...
O coronel Vasco Lourenço, afirmou numa entrevista, que interiormente chama nomes feios a Américo Tomaz, perdão, ao Senhor Silva...
Não sei se dorme em paz, pois foi devido ao seu maravilhoso 25 de Novembro, que recuámos até à actual asfixia...
Como poderemos agradecer aos camafeus todos o "bem" que nos fizeram?


O futuro afigura-se cada vez mais medonho, embora saibamos que, por vezes, até uma criança, caída num esgoto, pode ser resgatada para a vida...
Espero ainda estar vivo para ver o volte-face, para assistir ao declínio dos ultra liberais que governam o mundo. 
A Profecia de Saramago, é carícia nos meus ouvidos:
"E chegará o dia das surpresas!"
Luto para que esse dia surja. 
Entretanto, começam a vislumbrar-se pequenos sinais.
A Poesia pode irromper quando menos se espera. Oxalá...
Luís Filipe Maçarico (Texto) CA e LFM (fotografias)


terça-feira, maio 21, 2013

"Ilha de Jasmim", 19º Livro de Poesia de Luís Filipe Maçarico, apresentado no Campo Arqueológico de Mértola por Susana Gómez -Martinez e Cláudio Torres





    

No 7º Festival Islâmico de Mértola, que acabou este domingo, apresentei mais um livro, uma vez mais edição de autor.
A sessão de lançamento ocorreu, durante o Festival, animando um espaço incontornável, onde se estuda o Mare Nostrum e o Passado Islâmico, que foram a base do Mestrado que frequentei, ao longo de dois anos, às sextas e sábados, com aproveitamento e apresentação de uma dissertação em torno da chamada "Mão de Fátima", das efabulações que se foram construíndo sobre esse símbolo.
No final, antes dos autógrafos, a Poetisa Maria José Lascas leu dois poemas da "Ilha de Jasmim" e a Professora Manuela Barros e o Dr. Juíz Luís Teixeira, colocaram questões ao autor, que aproveitou para falar das suas andanças na pátria de Moufida Tlatli e Anouar Brahim.
Susana Gómez recebeu os presentes, aludindo à bela experiência do Mestrado "Portugal Islâmico e o Mediterrâneo", que nos enriqueceu a todos, e, com a gentileza que a caracteriza, saudou o autor, a quem proporcionou que o Campo Arqueológico se abrisse para esta partilha.
Para Cláudio Torres, "Ilha de Jasmim", trata-se de "Este livrinho, que não sendo científico, é um mergulho de vistas leves, cheiros, esta visão da Tunísia do Sul, que também me encantou...Nós fazemos parte deste mundo  das paredes de cal, no passado comum, ainda no nosso presente e talvez ainda do nosso futuro...
é uma visão poética, dá aquilo que é o complemento fundamental; tem carga de beleza que acrescenta e dá qualidade à vida", terminando com um "este homem é grande em talento, em afecto. "

Luís Filipe Maçarico começou por agradecer ao Campo Arqueológico de Mértola, por lhe ter sido possível fruir aquele magnífico espaço, para a apresentação do seu livro, agradecimento extensivo aos seus Professores e à presença da numerosa assistência.
Depois, revelou:
"Esta semana, o tunisino Houssem Eddine, almoçou comigo, na Casa do Alentejo, antes de viajar para Mértola. Falámos das coisas mágicas, que a vida nos pode proporcionar, como as ruas de Tunis, no auge da Revolução de Jasmim, terem um aroma diferente, feliz, uma frescura indizível que me fez lembrar aquele cartaz de Vieira da Silva onde se afirmava que a Poesia Está na Rua!
Enquanto praticantes da ideia de um Mediterrâneo uno, onde cada um de nós se sente bem na casa do Outro que também é a nossa, petiscámos uma salada de grão com bacalhau e cogumelos fritos, à moda de Marvão, que o Bruno do bar do Pátio Manuel da Fonseca inventou.
Houssem Eddine recordou-me então uma frase que o marcara e que eu lhe dissera em Agosto de 2010, diante do Guadiana: a Liberdade é uma Flor, que tem de ser regada todos os dias, pois não é seguro que se mantenha, se não a tratarmos com cuidado.
Confesso que fiquei com lágrimas nos olhos, quando ele partilhou a experiência dos dias da Revolução, revelando que um dos ícones - o rapaz que segurava uma gaiola aberta com a bandeira da Tunísia, numa foto que correu mundo - morrera num acidente e que com as medidas do actual governo, muita gente não resistiu aos ataques de coração...
Houssem Eddine levou os meus três livros de poemas escritos no seu país e talvez um dia regresse, com uma antologia desses versos, traduzidos para árabe.
Despedimo-nos com vontade de resistir - e sonhar - pois que valor pode ter uma vida, se não houver sonho?
Este livro também é uma forma de resistir e persistir, pois querem-nos amorfos e medrosos.
Houssem Eddinne, nessa tarde, diluiu-se na multidão que rondava o Rossio, para ir ver o Mar, antes de partir para o sul.
Esse mar que levou Ulisses a Jerba, ilha de sereias onde a deusa Tanit permanece no nome de hotéis, praias e no imaginário, ao ponto de uma cientista social afirmar que as noivas reproduzem o gesto com que a deusa é representada, mostrando as mãos aos convidados, ao nível da face. 
Nesse lugar mítico, Ghomrasni Mabrouk  levou-me a sua casa, apresentou-me Monia, vinda da comunidade berbere de Ksar Hadada, cujo nome, segundo ela "Cést moderne!"
Em Alpedrinha, outra Monia, com a mesma idade, foi, tal como a sua homónima, baptizada a  partir de uma canção de Peter Holm.
Provavelmente, nunca se conhecerão, mas eu tenho o privilégio de conhecer uma e outra, entre viagens.
Mabrouk comerciante de frutos secos apresentou-me Jerba. Conheço bem o quotidiano dos cafés, do pequeno bazar de Houmt Souk, dos restaurantes, dos hoteizinhos, que funcionam em antigos albergues das caravanas do deserto.
O pintor de Jerba, Béchir Kouniali, registou nas suas telas, a azáfama dos mercados, dos menzel, aldeias do interior da ilha, onde existe o jardim de Maboubine, verdadeiro oásis com romãs e tâmaras e mulheres que vestem tecidos brancos com barras coloridas e chapéus de palha.
Jerba são os felouque, barcos de vela latina e os muezzine, cuja missão é chamar os crentes para a oração. Nos ritos das mesquitas de Jerba, sobressai o cântico que lembra o legado andaluz.
Estes dois tunisinos contribuíram para reformular o meu conhecimento acerca da chamada Mão de Fátima, pois foram eles os primeiros a alertarem-me para o facto de ser uma invenção para turistas...
Os poemas da "Ilha de Jasmim" foram escritos, em viagens sucessivas, registando momentos únicos, como aquele que aconteceu em Lisboa. O encontro com o Outro enriquece a nossa caminhada. 
E enquanto não regresso a Jerba, ficam estes versos. 
Espero que um dia também possam conhecer Jerba, lugar único onde a Poesia e a Liberdade, podem florescer, como o Jasmim..."

Texto Luís Filipe Maçarico
Fotografias de Maria José Lascas e Ana Isabel Carvalho

quinta-feira, maio 09, 2013

Co-Adopção

Há uma mentalidade arcaica, trauliteira, que em tudo se revela medíocre e preconceituosa, causando infelicidade aos outros.
Falo dos que preferem escolher os tiranos, que temos de suportar, perdendo a dignidade e o direito ao pão, à saúde, à educação, aos bens essenciais.
Esses mesmos cidadãos, parte maioritária dos que votam, também se manifestam noutras decisões importantes.
Basta ver os comentários retrógrados, insultuosos, que predominam nas notícias de jornais sobre a proximidade da votação na co- adopção.
Advogados juntam-se a esta postura e um dos mais mediáticos defende que uma criança deve ter pai e mãe e nunca dois pais ou duas mães em que um deles assume o papel que nos casais considerados normais cabe à cara-metade.
O problema é que estes moralistas homofóbicos, primeiro, desconhecem resultados, não acompanham a felicidade que meninos ou meninas possam ter, que na família dita normal, na realidade disfuncional, lhes estava vedada, por tratamentos criticáveis, pois não é por se ter pai e mãe que se é mais feliz. Nem é justo que cresçam em instituições, ou sofram toda a sorte de infelicidades, para que a família se mantenha custe o que custar.
A Assembleia da República vai votar uma proposta que pode alterar as injustiças e trazer paz às crianças (e aos novos pais) que merecem viver sem sobressaltos.
Espero que toda a esquerda vote a favor da co-parentalidade.
A Sociedade também se muda nestes pormenores que são fundamentais.
A participação de cada um de nós ao lado dos Amigos que precisam de um estímulo, de uma cumplicidade, é nesta hora decisiva.
Conheço um caso de uma criança feliz que tem dois pais.
Voto a favor do amor que dedicam àquela criança, de sorriso feliz, ternamente cuidado, como se fosse sangue do seu sangue.
Lembro-me de um menino da minha infância, que tinha pai, mãe e avó todos alcoólicos. Um dia, uma rata de cano de esgoto comeu o nariz ao menino e não é história imaginada.
Porque se opõem e o que pretendem os senhores de gravata e discurso altivo? Impedir os outros de viverem de acordo com a sua vontade, coartar a liberdade de crianças e adultos terem direito a um mundo mais fraterno?
Como não posso ignorar a realidade que me rodeia, porque sou sensível e humano e fiquei tocado pela bela  história de renascimento de três vidas, não falando nos avós, deixo o meu testemunho e, embora não tenha direito a voto, fica assinado pelo meu punho que sou a favor da co-adopção.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografia)

terça-feira, maio 07, 2013

Ildefonso Valério: Intelectual do Teatro Popular, Semeador de Sonhos.


Nascido em 19 de Fevereiro de 1943, na aldeia de Penusinhos, Ventosa, Alenquer, Ildefonso Valério estudou em Alenquer, Santarém e em Lisboa, no Liceu Passos Manuel. 
Fez o Curso de Relações Públicas do Instituto Novas Profissões, na capital, trabalhando até 1969, como funcionário da Biblioteca Nacional.

Em 1972, assumiu os primeiros trabalhos de dramaturgia e encenação, com grupos de amadores de teatro, no concelho de Alenquer. Em 1973 apresentou "No País dos Caracóis" na Voz do Operário, sendo censuradas muitas páginas pela PIDE. Carlos Porto escreveu um texto sobre esta peça.

Tenente da Força Aérea, no 25 de Abril, desempenhou o cargo de Vereador na Câmara Municipal de Alenquer. Em 1974 envolveu-se também na dinamização do Grupo de Teatro da URDA. 
Entre 75 e 76 estendeu a sua acção à Cooperativa Colóquio. 
Entrou no Grupo de Teatro de Campolide, após 1976. Com a futura Companhia de Teatro, já em Almada, participou na redacção da revista "Programa". Em 1977, foi co-autor, com Virgílio Martinho, de "1383", texto teatral, baseado na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes (publicado na Caminho).

Em 1978, na sequência de um curso de iniciação teatral, encenou a peça "Histórias para serem contadas", de Osvaldo Dragún, na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, Lisboa.
Em 1979 adaptou "A Queda de um Anjo", de Camilo Castelo Branco e trabalhou no Grupo de Teatro da Academia Almadense. É desse ano, a sua peça "O Roubo do Gado à Cooperativa Vitória do Sado".

Em 1980 foi integrado na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, como animador cultural.

Em 1981 encenou no Grupo "Esteiros" de Alhandra, um excerto de “Os Esteiros” e o conto “Mais um Herói”, de Soeiro Pereira Gomes, adaptado por si.

 Em 1982 encenou "António José da Silva", de Virgílio Martinho e "A Ilha dos Lagartos", de António José da Silva, o Judeu, no Teatro do Povo, em Vila Franca de Xira.

Em 1983, com o Grupo de Teatro Juventude de Castanheira, levou à cena "Farsa do Mestre Pathelin".

Em 1984, no Teatro do Povo, em Vila Franca de Xira, encenou "O Destino Morreu de Repente", de Alves Redol e com o Grupo Teatro Juventude de Castanheira, "O Dispensário", de Sean O'Casey.

Em 1986, na sequência de um Curso de Teatro que orientou na Casa da Juventude e da Cultura de Alverca, encenou "O Bilora", de Ângelo Beolco. Resultado do trabalho com o grupo de formandos, fundou com estes o Grupo "Cegada", na Casa da Juventude e da Cultura de Alverca,

Em 1987 venceu o 1º Prémio do Concurso de Originais para Teatro CITAP, na Amadora, com o trabalho "O Pimpão".

Com o Grupo "Cegada" apresentou "Teatremas e Musicações", com pequenos textos para café-teatro, de sua autoria e de Virgílio Martinho. Dessa época, são os seus textos teatrais "Numa estação da CP" e "O Padre, o Diabo e o Micróbio", entre outros. Seguiu-se a representação de "A Árvore das Patacas", texto de sua autoria, e as encenações de "A condenação de Lúculo", de Brecht e "Farsa de Inês Pereira", de Gil Vicente.

Em 1988, no concurso de textos para teatro, organizado pelo Teatro da Malaposta, a sua peça original "Santos Cacetes" obteve uma Menção Honrosa.

Entre 1982 e 1989 foi professor de teatro, na Escola Secundária Professor Reynaldo dos Santos de Vila Franca de Xira.

Em 1991, encenou duas peças de Karl Valentin, seguindo-se "Esganarelo ou o cornudo imaginário", de Molière, "Antes a Sorte que tal morte", de Raúl Brandão, "O Auto da Índia", de Gil Vicente. Em 1996, "O Sangue dos Bamberg", de John Osborne.
De novo Karl Valentim - "WrdlbrmpFd", prosseguindo em 1998, com "Uma Nuvem Perdida na Cidade", de Natércia Rocha. Em 1999, "D. Rosinha a Solteira" de Federico Garcia Lorca.

É ainda em 1999 que realiza a sua última encenação, criando um espetáculo a partir da selecção e tradução do "Pranto por Ignacio Sanches Mexias", de Frederico Garcia Lorca, para a Semana da Cultura Tauromáquica, levado à cena na Praça de Toiros de Vila Franca de Xira, com o elenco do Cégada.

No Grupo Cegada, foram  catorze anos de intensa e dedicada actividade. Ana Capucha, sua companheira, no palco e na vida, considera que a sua "dedicação era encarada como um dever cívico e de militância" e diz que "todos eles [os actores amadores que trabalharam com ele] dizem que aprenderam com as dramaturgias e as encenações, muito mais do que poderiam imaginar, e por isso lhe chamavam Mestre, tanto que alguns escreveram, nos cartões das flores que lhe ofereceram, aquando da sua morte, "Obrigado por tudo o que nos ensinaste””.

Em 9 de Novembro de 2005, Ildefonso Valério faleceu, na Graciosa, Açores, quando em representação da Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, participava na iniciativa "Hora do Conto". Nesse ano tinha concluído uma nova revisão do romance inédito "O Cabo das Tormentas."

Uma vida como a deste homem não pode ficar no esquecimento. Porque como diz Ana Capucha "ele fez teatro porque queria interferir, pôr o pauzinho na engrenagem, daí fazer tanto teatro como encenador, sobretudo com grupos amadores. Transbordava de criatividade e engenho na escrita e, apesar das dificuldades, umas fruto de incompreensão e desprezo dos poderes pela cultura, outras quase que a sugerir uma baixa auto-estima, dedicou à produção literária os seus melhores esforços e saberes". 

Devemos-lhe, muitos dos que aprenderam com ele a Liberdade, a desinibição, a Cultura, essa entrega, esse empenho, essa preciosa ajuda, que nos fez chegar aqui, com outro olhar.

Ele ensinou-nos, que a dimensão do sonho, tem a ver com o golpe de asa, com a energia dos pés na caminhada, forjando os rumos do futuro… A resistência, que aprendemos com a sua postura, bem reflectida na obra.

Os heróis do Ildefonso encontram-se no povo, que constrói cultura, com os seus saberes.

Para Inês Valério, a vida do pai enquadra-se nesta perspectiva: "há uma necessidade , as pessoas querem fazer tudo, mas depois, os interesses pessoais e políticos [dos indivíduos com poder] sobrepõem-se a tudo."

Por isso, e segundo Ana Capucha, "Em 99 desiste [de encenar], porque sentiu que estava a atirar o barro à parede."



Sábado passado, começou uma segunda vida, para este Amigo, que será evocado num trabalho, a realizar ao longo deste ano e a apresentar em 2014.
A todos os que com ele conviveram e trabalharam, agradeço que façam chegar os vossos testemunhos, para lmacarico@gmail.com.


Texto de Luís Filipe Maçarico e Ana Capucha.
Agradecimento a Ana Capucha e Inês Valério, pela possibilidade que me foi dada de consultar abundante documentação (peças de teatro, poemas, recortes, fotografias,programas, biografia, o vídeo "20 Anos 20 Cortinas Cegada - Grupo de Teatro 1986-2006", "Autores Locais Contemporâneos Biografias", da Câmara Municipal de Alenquer, Gabinete de Bibliotecas escolares, Dia Mundial do Livro, 2006) e pela partilha da fotografia, que continua em cima da secretária, onde Ildefonso trabalhava.