"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, agosto 28, 2012

Alves Redol: Um Espólio que revela um Ser Humano Muito Culto e Interveniente

Vila Franca de Xira foi o cenário, onde nasceu e se fez homem, o escritor Alves Redol. 
Nas últimas duas semanas, visitei a cidade, percorri as ruas antigas, a borda d'água, e passei várias horas, de um sábado quente, na Biblioteca Municipal, consultando obras sobre e de Alves Redol, particularmente os livros de cariz etnográfico "Glória, Uma Aldeia do Ribatejo" e o "Cancioneiro do Ribatejo".
Para corresponder a um desafio, que se consumará em Novembro, na Universidade Nova, utilizei também um dia de férias, na Biblioteca do Museu do Neorealismo, acedendo ao espólio do autor de "Gaibéus"  (cadernos de apontamentos, blocos de recolhas etno-linguísticas, fichas de leitura do romanceiro português e de inúmeros cancioneiros populares regionais, manuscritos, provas tipográficas, registos demográficos, textos originais de conferências etc).
No rescaldo desta recolha, retive algumas evidências...
Primeira constatação: Os estudiosos (geralmente historiadores) abordam o autor, relevando o cunho marxista e os contextos do neorealismo, referindo de forma apressada, quando referem, a riqueza de conteúdo, quer do indivíduo, quer dos bastidores da obra, pois tratando-se de um homem muito atento à realidade, muito ávido de conhecimento, preparava-se, documentando-se, a nível linguístico, visual, fazendo observação - participante, guardando nas suas notas, uma panóplia de dados, desde o vestuário e instrumentos de trabalho, aos versos cantados e ao movimento dos animais, com profundas descrições do território.
Os seus romances são de facto, como sua irmã Inocência afirmou "a Bíblia dos trabalhadores rurais", tendo alguns aprendido a ler, para poderem conhecer o retrato que Redol fez deles.
Segunda constatação: O cuidado, o rigor, da recolha e descrição de costumes e da criatividade popular, dos quotidianos das gentes do Ribatejo, que não se cinge à mera recolha local.
A leitura de Leite de Vasconcelos, Rodeney Gallop, Freud e as comparações, com o folclore das Astúrias e Galiza, revelam um homem empenhado, no conhecimento profundo do seu povo. E ainda mais do que isso, o visonarismo, antevendo a Globalização e a consequente necessidade de preservar o património identitário, mesmo aquele que sendo recente, acabará por ser património, amanhã.

Alves Redol pelo seu percurso, de envolvimento, junto dos camponeses dos arrozais, no Ribatejo, ao lado dos Avieiros, ciganos do Tejo, como os definiu e, com quem habitou e pescou, além dos pescadores da Nazaré, em cuja comunidade viveu, para se documentar e falar a verdade, merece um olhar menos formatado, em que a escala é a do homem, que deseja conhecer o homem, ao longo do seu trajecto, na sociedade, através do tempo, para melhor compreender a possibilidade da sua transformação, num sentido positivo.

O seu ideal e a sua prática foram coerentes, e singulares, pois só em 1980, como Vítor Viçoso destaca, Saramago, com Levantado do Chão, utilizou a metodologia preparatória para o seu romance, residindo uma temporada no Lavre, ouvindo os camponeses, documentando-se sobre o Alentejo.
O espólio de Redol requer investigação aprofundada, face ao homem multifacetado, ser humano de grande riqueza espiritual, moral e cultural, que revela.

Efectivamente, um lutador de causas, ainda que o seu desempenho se dilua nos objectivos colectivos, é sempre o indivíduo particular, com um trajecto pessoal, que é muito mais que o mero militante do sonho, com todas as suas características e experiências, em busca de um lugar, para deixar a sua marca. Através da Literatura e de tudo o que leu e conheceu, para poder chegar a esse lugar de reconhecimento e partilha, Redol deixou um importante testemunho, sobre o tempo em que viveu.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)

quarta-feira, agosto 22, 2012

Escarcéu e Chunguice No País do Faz de Conta

Tanto escarcéu, com o Relvas...
Tanta exasperação, de grupos populares, desempregados, sindicalistas, com os governantes, saraivando  apupos, durante meses, relativamente a ministros, ao primeiro ministro e até ao presidente da república.
Veio Agosto, e como uma tampa em cima de uma panela, aquele povo tão zangado evaporou-se (terá ido de férias, tal como os apupados?)
Há dias, numa tasca de Lisboa, tentei almoçar descansado. 
Porém, quando a televisão conspurca a refeição do cidadão, martelando-nos a alma, com a tortura das guerras e das notícias chungas, não pode dar bom resultado...
Ora as aparições de uma tresloucada decadente, ex- fundamentalista, que diz disparates e mentiras, até à náusea, mereceram de um cliente, o comentário lúcido, de quem usa os miolos: 
"Esta gaja, devia era ter vergonha e estar calada!" 
Logo o tasqueiro, qual retrato da maioria do povo português retorquiu: "Mas os comunas, também aquilo é só cassette!" 
Tive de meter a minha colherada: "Ah! Você está feliz com a cavalgada do Capitalismo e dos 23% para a restauração!"
O homem calou-se.  E pôs-se a tirar bicas...
A baiúca, pelo nome que tem, parece homenagear a mãe de Pinochet... Nada mais adequado a quem prefere continuar a fingir que não vê, nem ouve, nem sabe...




quarta-feira, agosto 08, 2012

Oito Anos a Blogar

Saúdo os leitores deste blogue, nascido em 1 de Agosto de 2004, prometendo continuar, neste espaço, com muita qualidade, o que penso, terá sido atingido, no decorrer deste ano.
Obrigado por me acompanharem, neste reduto, onde a reflexão e a poesia se entrelaçam.

LFM (palavras e imagem)

terça-feira, agosto 07, 2012

Os Cães, Mensageiros do Mistério dos Seres

Os cães, acompanham-nos, nesta caminhada. 
Encontramo-los, por todo o lado.
Em Castro Verde, na povoação do Salto, irrompendo no meio de um espectáculo, com dezedor de décimas e tocadores, cantando de forma inesperada, misturando os seus latidos musicais, com as vozes humanas, que celebravam Zeca, na Meadela, com uma inusitada ternura que comove, pela fragilidade da sua vida recente, ou no esplendor da existência, com uma sagacidade impressionante, desafiando-nos para brincarmos, na Azambuja, ou na serra de Montejunto, olhando-nos, com a profundidade de autênticos emissários, de uma outra realidade ou dimensão, em que somos postos à prova. Sábios bichos que são mais do que aparentam.
Nos pequenos gestos, no carinho,comunicamos. Lambidelas, abanadelas de cauda, respondem-nos. E se a nossa fala exprime admiração, a reacção não se faz esperar. Procuram o abrigo das carícias, envolvem-nos na sua forma de dizer que estão em paz, que o paraíso pode ser ali...

A Poesia, que os insensíveis não têm capacidade de sentir, está nesses gestos...Na comunhão dos seres, que desvendam os segredos das casas ou das montanhas, das almas ou do silêncio.

É uma benção do cosmos estarem ao nosso lado, seguirem-nos, indicarem-nos caminhos, amarem-nos, pedindo-nos apenas alguma atenção, contentando-se com a suavidade e a tranquilidade do ambiente à sua volta.
Precisam de pouco, para adormecerem aos nossos pés.
Serão anjos, que perderam as asas, para nos ensinarem algo?

Luís Filipe Maçarico (texto e fotos)