Depois de ter sabido da notícia da morte do amigo-poeta Fernando Pinto Ribeiro, a minha amiga S, teclando comigo, partilhou estas palavras:
quando era miúda, nas noites de lua cheia falava com ela pois para mim representava a minha querida bisavó
agora que sou mais crescida olho o céu em busca de respostas, para partilhar alegrias
O dia começou triste. Faleceu o poeta Fernando Pinto Ribeiro.
Natural da Guarda, Fernando Pinto Ribeiro nasceu em 1928 e escreveu aos catorze anos o seu primeiro soneto a que deu o título “Soneto dos 15 Anos”.
Colaborou nas revistas
Flama,
Panorama,
Páginas Literárias, e em jornais como o
Diário de Notícias, o
Diário Ilustrado e em vários jornais regionais, tendo também sido publicados no Brasil alguns poemas seus.
Dirigiu, com Eduíno de Jesus e J. M. Pereira Miguel, a Revista de Letras e Artes “Contravento” (1968) com concepção gráfica de Artur Bual, da qual só se editaram quatro números, devido à censura.
Organizou com Alba de Castro, entre 1967 e 1983, as
Pastinhas de Poesia, publicadas anualmente na Queima das Fitas da Universidade de Coimbra. Participou em múltiplas colectâneas e organizou algumas, como as da Tertúlia Rio de Prata.
Pertenceu aos corpos sociais da Sociedade da Língua Portuguesa, foi sócio da Associação Portuguesa de Escritores, cooperador da Sociedade Portuguesa de Autores e sócio da Colectividade Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”.
Fascinado pelas noites de fado lisboeta começou a escrever alguns fados que desde logo fizeram sucesso (inicialmente, com o pesudónimo Sérgio Valentino). Escreveu letras para: Ada de Castro, Alexandra Cruz, Anita Guerreiro, António Mourão, António Laborinho António Passão, António Severino, Arlindo de Carvalho, Artur Garcia, Beatriz da Conceição, Branco de Oliveira, Carlota Fortes, Chico Pessoa, Estela Alves, Fernando Forte, Francisco Martinho, Humberto de Castro, Julieta Reis, Sara Reis, Lenita Gentil, Lídia Ribeiro, Maria Jô-Jô, Pedro Lisboa, Lurdes Andrade, Natércia Maria, Pedro Moutinho, Salete Tavares, Simone de Oliveira, Toni de Almeida, Tonicha, Tristão da Silva, Xico Madureira, entre muitos outros.
Fernando Pinto Ribeiro era um homem de profundo saber, de grande afectividade e que prezava muito a amizade.
Procurava encontrar a perfeição, tentando que cada poema tivesse uma quadratura musicável, com rima e métrica. Foi assim que os seus poemas passaram a ser musicados e cantados.
«A poesia é para mim um acto natural, pelo que sou imediatamente compensado pelo simples acto de escrever poemas e de os rever continuamente. Vejo aliás na revisão permanente dos meus poemas uma espécie de volúpia, uma busca incessante pela perfeição, mas ciente de que nunca a atingirei».Hoje despedimo-nos de um poeta a quem não foi feita justiça. Um poeta que, pela sua humildade, nunca procurou a ribalta e por isso não lhe chegou a ser reconhecido o seu grande valor. Um poeta perfeccionista que fazia poesia com amor.
O corpo do poeta irá hoje para a Basílica da Estrela e o funeral realizar-se-á amanhã pelas 14 horas.
Até sempre, Fernando!
Alguns Poemas
LISBOA VAI ! (MARCHA)
Letra de: Fernando Pinto Ribeiro
A bailar pela Avenida,
Num balançar de canoa,
vai de varina vestida
Rainha Dona Lisboa
Vai abraçar do Castelo,
Plo Tejo nos mares deitado,
O marinheiro mais belo
Das caravelas do Fado
Vai aonde a alma voa
Desde os mundos do passado
Até onde o mar entoa
Teu nome por todo o lado
Refrão
Vai, vai, Lisboa,
Santo Antoninho te guia
Da Estrela e da Madragoa
à Graça e à Mouraria.
Vai, numa boa,
Vai na vida ser vadia,
Vai, até que o andar te doa,
Rumo à Praça da Alegria!
Vai nos pregões a cantar
Camões, a Amália, Pessoa…
Vai na marcha popular
Rainha Dona Lisboa
(*)
Vai de Alfama e do Dafundo
a São Bento e a Belém
E sobe à Rua do Mundo
Do Poço do Borratém …
Vai sair na Boa-Hora,
Com foguetes e balões,
A São Vicente de Fora,
de dentro dos corações.
Mão Aberta
A imolar perguntas, degolar respostas
que a razão venera num altar de aborto,
sepultei nas vagas, despenhando encostas,
a torre nirvana, com o ídolo morto
como quem naufraga sobre as próprias costas
e o corpo cavalga contra o rumo torto,
hasteei nas trevas, já não de mãos postas,
o punho, em archote e a prumo, no porto
a escavar na terra os poros do povo
de onde irrompem chamas delirantes de água,
mato a velha sede renasço-a de novo:
lavado em suores da mais negra mágoa,
a pulso me arvoro – e esta mão que movo
reabro à semente noutras mãos afago-a.Cilícioamar
sem loucura nem pecado.
beijar com as asas
soerguidas
num voo orientado
através de trincheiras sucessivas.
não mais ficar parado
na curva do prazer
(hão-de explodir um dia em vão as feridas
do laço em que te abraço a Lúcifer).
tenha o desejo fugido à nostalgia
da amarra no cais ultrapassado
e viva nas marés do dia-a-dia
rendido
à viril filosofia
da onda que vai vem contra o rochedo.
guardar
a seiva do segredo
e o pólen da pele
nos lábios túmidos
hoje e sempre
fiel
ao beijo heróico
mortal e permanente
em que te aguardo
em que me encontre
frontal
total
e eternamente.
Fernando Pinto Ribeirover também no blogue capeia raiana esta entrevista:
http://capeiaarraiana.wordpress.com/2008/03/27/a-fala-com%E2%80%A6-fernando-pinto-ribeiro/Luís Filipe Maçarico (recolha de textos e fotografia do anoitecer no Pulo do Lobo) S. (texto inicial). Agradece-se ainda a divulgação por Inês Ramos da fotografia do poeta, que com a devida vénia fomos buscar ao seu blogue "Porosidade Etérea".