Ó minha casa da serra
sem disfarces de caiado,
Como é do uso da terra
e também do meu agrado!
Telhas em onda quebrada,
meu triste telhado antigo,
paredes terra lavrada
e semeada de trigo.
Eu não tenho que roubar,
nunca fiz mal a ninguém:
nada tenho a recear
como muita gente tem.
Porta do meu coração,
também lá oiço bater...
- mas, ali, só entrarão
um dia, quando eu morrer.
Ó minha porta d'aldraba!
A minha casa é de todos...
Já pouca gente se gaba
desta franqueza de modos.
Aldraba da minha porta,
Meu poema de humildade...
- quantos entram, quantos saem,
sem nos deixarem saudade!
Sai, porém, alguém amado:
Tens um som dorido e fundo.
Então devias pesar
mais do que o pêso do mundo!
Quem vai prá guerra ou pró mar
há-de erguer-te na saída:
és a última a falar
na hora da despedida.
Ceguinha, sempre vigias,
mas não conheces ninguém,
e sem diferença anuncias
má gente e gente de bem.
Tiveste berço na forja
dum desgraçado ferreiro;
criou-te ao calor das brasas;
cobre-te a neve em janeiro.
Encontrei-te não sei onde.
já perdida, enferrujada...
Vieste viver comigo
- só te fiz mais desgraçada.
A culpa me seja leve,
hás-de vir a perdoar.
Olha: vestida de neve,
és noiva que vai casar.
Pudesse eu erguer a voz
em teu louvor, algum dia!
- O que nos fazes a nós
coisa alguma pagaria...
E a porta geme com o vento;
pesam as noites escuras...
Então, o teu sofrimento
sobe-te à bôca, murmuras...
Aldraba, gasta, a bater,
cantiga de bom agoiro:
se a Bem-Amada te erguer,
concerto-te a fino oiro!
Branquinho da Fonseca - "Poemas", Coimbra 1926
(Poema recolhido por
Luís Amaro e enviado pelo leitor deste blog e amigo Engº
Francisco Colaço, Presidente da Junta de Freguesia de Aljustrel a quem agradeço esta preciosidade)
Fotografia da professora
Hélia Bernardes, de Alpiarça.
1 comentário:
Do poema que gostei muito, destaquei o seguinte verso,
Ó minha porta d'aldraba!
A minha casa é de todos...
Já pouca gente se gaba
desta franqueza modas
pela falta de hospitalidade que existe hoje em dia.
Um abraço. Augusto
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