"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sexta-feira, outubro 27, 2006

Fantasmas deste Tempo



O convívio é numa sociedade humana algo de muito sagrado. O descanso está ao mesmo nível, no meu entendimento das coisas do mundo. No entanto, há quem deturpe territórios e invada, em nome dessa convivência, o sossego de quem trabalha ou trabalhou uma vida inteira...
A questão que está em causa não é retirar aos que gostam de beber um copo e divertir-se com os amigos, o prazer de fruírem esses momentos, mas de impedir que centenas de pessoas alcoolizadas o façam em zonas residenciais.
Na rua onde moro (Praça da Armada), desde há dois meses, os moradores das casas pequenas e com quartos virados para o largo, doentes e idosos, na maioria dos casos, são impedidos de dormir, mesmo que as janelas tenham vidro duplo, pois há mais de uma década existe um bar, cujos frequentadores fazem ocupação abusiva da via pública, deixando atrás de si em cada noite vasta poluição sonora (gritos, palavrões) além da poluição visual (garrafas de vidro e latas de cerveja, copos de plástico) e poluição do ar (tabaco e urina).
Ao longo de mais de dez anos os moradores sofreram um autêntico inferno, recorrendo muitos deles à esquadra do Calvário, que em grande parte deu resposta positiva, solicitando aos clientes do estaminé que depois de consumirem bebidas alcoólicas conversavam alto na rua, o silêncio devido.
Qual não foi o nosso espanto quando constatámos que a ocupação do espaço público se ampliou, das anteriores dezenas para as actuais centenas de frequentadores, observáveis nas noites sem chuva de quinta para sexta, sexta para sábado e sábado para domingo.
Verdadeiramente agora o bar é na rua!
O estabelecimento abre uma porta adaptada a balcão de onde escorre a cerveja e outras bebidas alcoólicas, potenciando um negócio chorudo, e os convivas bebem, berram e abandonam o recinto por volta das 4 horas - 4 horas e 30 da madrugada, altura em que cessa a animação musical emitida em decibéis descontrolados, seguramente interditos, a partir da baiuca.
Permitimo-nos não entender como foi possível ter sido concedido alvará a um espaço sem condições (uma parte substancial dos utentes urina na via pública) higiénicas e de insonorização, pois o ruído da música ouve-se nas nossas residências. Mas o mais surpreendente é que o alvará exibido no interior do estabelecimento impede o seu funcionamento para lá das 2 horas da madrugada, o que por si, tendo em conta o comportamento dos frequentadores é gerador de muito constrangimento nos habitantes dos prédios onde o ruído é dolorosamente sentido.
Foi pois com enorme espanto que assistimos nas últimas semanas a um recrudescer da actividade, frequência e consequentes resultados, em termos de algazarra e produção anárquica de resíduos sólidos, tudo confirmável in loco a quem se disponha actuar, salvaguardando-nos desta ameaça a prerrogativas básicas, em termos de direitos humanos e da legislação em vigor, própria de um Estado de Direito.
Quem tem de cumprir horário de trabalho é impedido de repousar o suficiente. Quem é doente fica pior. Quem é velho pasma com este estado de coisas.
Não acreditamos que seja possível à luz da Lei do Ruído suceder o que sucintamente descrevemos poder suceder sem submissão pelas regras sociais e legislação do País, numa zona residencial problemática com pessoas hipertensas, com risco da própria vida, pela noite dentro com total desprezo pelos moradores e pela cidade, pois reconhecemos que estes indivíduos não amam a cidade, porque amar a cidade é ter o sentido cívico de saber que outras pessoas residem ali e merecem não ser violentadas da forma que referimos, com tanta brutalidade sonora e estética.
Efectivamente, o lixo que fica após cada investida das multidões de frequentadores da referida betesga - e utilizamos estes termos porque sentimos que estamos a ser massacrados, torturados - testemunha, para quem tiver de intervir, com a incontornável força da realidade, que esta gente despreza a Lisboa onde crescemos, trabalhamos, vivemos e onde gostaríamos de morrer com dignidade, com direito a viver os últimos anos de vida com outra qualidade que não esta balbúrdia intolerável.
Esperemos que seja providenciado, no sentido de ser comprovado e analisado, durante várias noites de fim-de-semana o caos descrito, agindo de forma a repôr o normal usufruto da cidadania amputada por uns quantos, que desrespeitam o bem-estar da comunidade, usurpando direitos e espaços que não lhes pertencem.
Entretanto, na Rua Prior do Crato nº 10 estaõ a ser efectuadas profundas obras de recuperação do espaço de uma antiga peixaria e o povo diz que vai ser um novo bar. Na Rampa das Necessidades perfilam-se obras ideênticas na antiga carvoaria do Albino, ex-Miratejo. Será que a população não tem direito a ser ouvida e um dia destes acordamos todos no meio de uma imensa depressão, enquanto bandos de gente que se realiza com uma cerveja e berros na via pública deambula delirando na madrugada, como fantasmas deste tempo, a perturbar o sono a que temos direito?
Texto: excertos de um abaixo assinado entregue às autoridades competentes.
Fotos:LFM (madrugada de 30 de Setembro de 2006, cerca da 1h 30m; uma hora depois, a frequência documentada era o triplo e prolongou-se até às 4 e meia)

domingo, outubro 22, 2006

Marcha de Alcântara


A meio da tarde deste domingo choveu bastante aqui onde moro. Mesmo assim saí para uma reunião na Sociedade Filarmónica Alunos Esperança. O tema era preparar a próxima marcha de Alcântara.
Falámos da Lisboa bairrista, operária, popular e da outra Lisboa, da aristocracia palaciana e dos jardins barrocos.
Mestres Gabão e João Calvário, Mário Rui Ferreira, José Francisco, Lurdes Ferreira, Ruben Gomes e Luís Santos foram os intervenientes aos quais me juntei.
À saída, verifiquei que o espaço está bonito e arrumado. E ao olhar para as imagens da marcha deste ano, cuja temática versou as fragatas e os fragateiros do Tejo fiquei emocionado pela beleza que conseguiram.
É bom pertencer a um bairro assim e poder colaborar todos os anos na discussão da marcha que participa nas festas da cidade cada vez com mais qualidade e com grande impacto pela criatividade e pela investigação prévia que fazem questão de desenvolver.
Obrigado pelo convite!
Texto e foto (Beco dos Contrabandistas, anos 80 do século XX): LFM

sábado, outubro 21, 2006

António Simões: Um Poeta a Descobrir


Tenho o privilégio de o conhecer. O professor António Simões vive em Estremoz, onde o contactei com uma antiga aluna das suas aulas de inglês, que fala dele com a admiração que as pessoas de categoria merecem.
Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, António Simões nasceu em Beringel, concelho e distrito de Beja a 29 de Novembro de 1934.
A São Baleizão, poetisa discreta com uma poesia de fôlego, telúrica, extremamente sensorial, levou-me um dia à sua pequena pátria, àquele lugar mágico onde a infância lhe concedeu asas para resistir ao quotidiano e apresentou-me este cidadão cuja obra e postura nos toca, pois é um ser humano fraterno, senhor de uma conversação que nos cativa.
António Simões foi aparecendo em artigos de jornais e poemas em revistas, com uma singularidade que o distingue. Depois de um belíssimo FESTA DAS LETRAS surgiu um destes dias na minha saudade dos seus gestos serenos e das suas palavras luminosas. Telefonei-lhe, soube que a saúde podia estar melhor e recebi poesia no endereço electrónico e livros na caixa do correio.
Trago até aos meus leitores excertos do envolvente MINHA MÃE AMASSA O PÃO.
Saboreiem...

"Minha mãe amassa a vida,
E a vida cabe-lhe inteira
Na farinha desmedida,
No infinito da peneira.

Minha mãe amassa o dia,
No alguidar, sobre o banco,
E do forno da alegria
O pão loiro sai tão branco.

Minha mãe amassa o ar,
Duma leveza infinita-
Quando fica a levedar,
A massa inteira levita.

Minha mãe amassa as flores,
As que no campo se dão-
E há mil cheiros, mil sabores
Numa fatia de pão.

Minha mãe amassa e diz
Pra dentro do coração,
Que só pode ser feliz
Quando os outros também são.

Minha mãe amassa o verde
Duma seara de trigo-
Vais matar-me fome e sede,
Alentejo, eu te bendigo!

Se gostaram desta amostra, escrevam à Câmara Municipal de Beja ou vão até à magnífica Biblioteca José Saramago e comprem este livro cujo conteúdo é de uma cariciosa criatividade que nos deixa maravilhados. Não menos bonito é o aspecto gráfico desta obra. Insisto: procurem-no pois é uma fabulosa prenda para um amigo cujo aniversário ocorra por estes dias ou ternurento presente para celebrar o Natal que se aproxima.
Texto de LFM
Foto gentilmente cedida por São Baleizão representando o casamento de seus pais, no início dos anos 50 do século passado.

quarta-feira, outubro 18, 2006

ARY DOS SANTOS E O FUTURO DE PORTUGAL


Portugal é um país de praias maravilhosas, de paisagens extraordinárias, com uma gastronomia (ainda) excelente. Todavia, as semelhanças com o território onde se desenrola a trama do livro de Tahar Ben Jelloun "L'Homme Cassé" é perturbante. A corrupção, a mediocridade, a inveja alastram, são públicos, vêm todos os dias nos jornais, aparecem constantemente nas televisões, enquanto os discursos oficiais proclamam justeza nas medidas tomadas e a tomar. E o que se vê e sente no dia a dia desmente toda a basófia. A demagogia é o prato forte da governança. Atiça-se a mesquinhês e de forma seleccionada, atacam-se os juízes num mês, no outro os taxistas, depois os professores, os funcionários públicos são o bombo da festa permanente, seguem-se os autarcas, e o carrocel só pára quando se cumprirem as profecias de José Carlos Arydos Santos. Quero acreditar que a poesia dele é visionária:

O FUTURO

Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente

Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
se fizermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai."

terça-feira, outubro 17, 2006

Constância, a Bela


Constância é um oásis. O património merece olhar atento. A par da pedra dos edifícios comuns e dos monumentos, existe uma natureza digna de se fruir: junto ao Zêzere e antes da junção deste rio com o Tejo, podemos apreciar uma vegetação cariciosa que parece aguardar a nossa passagem para nos encantar...
L.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Na Fonte Filipe em Querença


Esta imagem foi recolhida na Fonte Filipe de Querença na passada quinta-feira. A Antropóloga Sónia Tomé em pleno trabalho de campo mostra como se retira água da fonte através da bomba volante.
Aquela investigadora está a estudar as Fontes de Querença e tive muito prazer em acompanhá-la nessa descoberta de um património tão repleto de estórias e simbologia.
L.

domingo, outubro 15, 2006

Homenagem a Adriano Correia de Oliveira


As férias que idealizei para Outubro deste ano foram integralmente gozadas entre Odeceixe e Loulé. Primeiro, a percorrer caminhos de aromas e silêncio entre a vila onde o Alentejo acaba e o Algarve começa e a praia. Dias felizes em boa companhia. Obrigado São, Ana e Cláudio!
Depois, participando num aliciante trabalho de campo, identificando as fontes de Querença ao lado da colega antropóloga Sónia Guerreiro Tomé.
O mar de Outubro foi uma vez mais bálsamo e regenerou-me. As fontes constituíram um bom exercício espiritual.
Ontem, participei no Fórum das Casas Regionais, durante o dia, no Fórum Lisboa e à noite no Mercado da Ribeira integrei o grupo de poetas que evocou, ao lado de músicos que interpretaram velhas baladas com renovada beleza musical, a voz inesquecível e o cidadão Adriano Correia de Oliveira. Participaram Paulo Sucena, Jorge Castro e Alexandre Castanheira e o músico Vítor Sarmento, à frente de um elenco de virtuosos da guitarra e do acordéon.
Texto e foto LFM