"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, outubro 16, 2019

HÉLDER COSTA: O TEATRO DA VIDA DE UM GRANDOLENSE, LIVRE E SONHADOR




Há um velho dito que afirma que “não bate a bota com a perdigota” (muitas vezes, gente de quem ouvimos falar tem comportamentos dissonantes, com um prestígio do qual goza, por se ter destacado numa arte ou numa intervenção cívica...). Hélder Costa é  excepção a essa regra.

No presente caso, o entrevistado excedeu as expectativas. Contou-nos histórias com uma cativante dose de humor e ironia. Encantou-nos, de tal forma, que estivemos à conversa horas e horas, com um almoço de permeio.



A INFÂNCIA EM GRÂNDOLA

Hélder Mateus Costa nasceu no dia de Reis (6 de Janeiro) de 1939, em Grândola e relatou-nos assim a sua infância e juventude:

“Os meus pais eram camponeses, nasceram na serra de Grândola, lá se encontraram, casaram e decidiram ficar por Grândola. O meu pai desenhou e construiu a casa, para viverem (nos arrabaldes, mesmo perto de um acampamento de ciganos) …Vivo ali, faço a escola, era bom aluno. Fiz a 4ª classe e a admissão. O meu pai era um camponês um bocadinho especial. Eles tinham terras com sobreiros. E o meu pai pensou “Vou fazer uma fábrica!”.

Na minha memória, desde criança, vem então uma relação curiosa: Ia com o meu pai assistir à tiragem da cortiça. Levava um livro e na altura da sesta lia-o aos camponeses. A relação do meu pai com os trabalhadores era diferente, porque ele dava sempre mais salário e depois ouvi uma discussão lá em casa, com os amigos dele. “Eh pá deixem-se disso, eu conheço essa vida!”.

A minha mãe, sempre com os livros. Isso criou em mim o interesse pelo conhecimento.

Nasci na rua Infante D. Henrique. Havia as histórias aos quadradinhos. Vou criando essa preocupação, esse culto. Imediatamente, a gostar de cinema. A dada altura, vai um filme em Grândola, com a Maria Félix, “Rio Escondido”, O cinema estava cheio e quando ela mata o patrão, que tentou violá-la, levantam-se todos a aplaudir, tudo aos gritos “Bandido!”. O êxito foi tal que o filme foi mais umas quatro ou cinco vezes à cena. Isto são coisas importantes, mexe!

A minha mãe era amiga dos ciganos, daquela gente toda, dava dinheiro, eu ia brincar com a rapaziada cigana em cima do burro…foi uma educação livre, sem proibições. Foram mesmo marcantes!

Havia sempre naquelas famílias dos meninos que andavam a estudar, a “Festa de Anos”. E eu oferecia sempre um livro. Um amigo meu contou que o pai tinha comentado “ para que é essa porcaria?” A minha relação com essa malta começou a ser difícil, digamos que dura até aos 15 anos.

Na minha rua havia dois barbeiros, era malta nova. Um deles ensinou-me a jogar xadrez. Um dia, vejo escrito em vários sítios “PAZ”, tinha a ver com a questão da NATO, (foi em 50, salvo erro…) Lembro-me de estar no café e apareceram amigos do barbeiro, com uns papéis para a malta assinar sobre a Paz. Assinei logo. Passados uns dias, fui chamado ao chefe do correio: “Ouve lá, ó Hélder, tu assinaste um papel, tem cuidado, não comeces a assinar papéis!” Foi o primeiro contacto que tive com a Pide sem o saber! Rodam mais uns dias e aquela malta…Foi tudo preso para Caxias! Grande indignação. Passaram-se seis meses, os tipos voltam. Havia as conversas e eu a ouvir as estórias que eles contavam, tinham aprendido línguas, técnicas, desenho. O desenhador até foi seleccionado para trabalhar com arquitectos. Aquele “tratamento” deu-lhes conhecimentos e ficaram de esquerda. Foi uma escola, o serem presos. Tive a percepção e o efeito da prisão.

 Dado o meu estilo um pouco libertário, é evidente que comecei a ter namoros que, naquela altura, são ingénuos…”



O TEATRO, A LUTA E O CONHECIMENTO

“Quando começou o seu interesse pelo Teatro (e onde)?”

De vez em quando, juntavam-se, lá em Grândola, e faziam uns quadros cómicos. Até faziam na Praça “Cegadas”. Vi uma ou duas. Achei graça! Adorava cinema e criei respeito especial por aquela gente, mundo que nunca pensei poder alcançar. Nunca sonhei fazer coisas importantes.

Quando cheguei a Coimbra, (tinha 17 anos, fiz o Liceu no Camões) comecei logo por um treino de futebol na Académica, treino que estava a ser dirigido pelo célebre (Mário) Wilson. Fui escolhido para ir no dia seguinte. “Dói-me o corpo todo, não vou jogar à bola”. Desisti…

Gostava de cantar, vou para o Orfeão.

Quando vou, há uma malta que diz “Vem para o CITAC!” Aí encontro o Luís Lima, que tinha ido nos anos 50 para Paris, fez parte da equipa do Marcel Marceau. Decidiu ir para o Brasil, transformou-se em professor, actor e a Fundação Gulbenkian contratou-o para dirigir o CITAC. Ele fazia mímica, era fascinante e espantou todos com o quadro artístico puro.

Entrei para o CITAC. Começa o bloqueio, mandavam-se peças para a Censura, era tudo proibido, até o Gil Vicente é proibido. “Eles têm medo do Gil Vicente de há 500 anos? Esta merda não vai abaixo só com Teatro!” Aí entrou o interesse político e entro a sério no activismo associativo.[1]

Começo a fazer viagens pela Europa, à boleia, com a malta, mas nunca iria fazer direito, talvez corpo diplomático, fora daqui!

Em 61-62, começa a Guerra Colonial. Há uma malta, dois médicos comunistas morrem na Guiné. Nessa altura, sou contactado para entrar para o Partido Comunista. Vou de viagem e em Paris compro o “Manifesto Comunista”. Cheguei a Coimbra, contactei o “camarada”…”Eh pá, estive a ler, quero ser!” Numa reunião na Faculdade de Direito de Coimbra perguntei: “E a Guerra Colonial, como é que é?” “Temos de ir!” “Ah, mas eu estou totalmente contra!” “A gente vai para lá para fazer a guerra mais humana!” Perante aquilo, “Desculpem lá, ficamos amigos, tenho todo o respeito, mas eu vou fazer outra coisa!” Esse fazer outra coisa, foi o que comecei a fazer!

Recebo uma ordem do Exército, para ir para a Companhia Disciplinar de Penamacor. Reclamo. Mandam os argumentos. Toda a malta tinha feito a greve dos estudantes. Fui à PIDE com a carta, protestar. “Se é só isto, não fiz nada!” (é interrogado durante 3-4 horas). O inspector Sachetti, careca, tipo filmes nazis, com perfume de puta, sempre com aquelas frases: “O Senhor Doutor está bom?” “O Sr Doutor é uma pessoa inteligente, mas tem de ir para Penamacor! Eu disse: “Isso é uma injustiça, fazem-me perder tempo!” “Se por acaso sair de Penamacor, não volta a Coimbra!”

Quando já estava a levantar-me ele diz: “Parece que o Sr. Dr. está indicado para ser o próximo presidente do CITAC…vai ter um posto na Via Latina, no Cineclube. Saia!”

Quando já vou à porta, ele dá-me uma pista…

“Também está indigitado para pertencer à Direcção da Associação Académica.”

Dois camaradas tinham efectivamente falado comigo, para ir para a Direcção da Associação Académica. Passados uns dias, vou mais cedo e vejo uma série de papéis assinados pelo PCP a convocar uma Manifestação para a Câmara de Coimbra. Mais tarde ouvi comentar: “Estava para haver uma Manifestação, a PIDE foi lá e apanhou os papéis todos.”

A 13 de Maio foi para Penamacor. Há uma razia de estudantes (trinta ou quarenta) foram presos para Peniche Descobriu-se que um elemento preso acabou por passar a informação à PIDE. Volta para Lisboa e começa a funcionar com a falsificação de passaportes e passagem de fronteiras (eram três).

 “Durante uma quantidade de anos ando por Coimbra a tentar contactos. Estamos em 67, safámos dezenas de putos, trabalho extraordinário…! Imagino com gozo o ódio da PIDE, antes do inevitável salto para Paris: - ”Está combinado (influência do cinema) todos os dias às sete da tarde telefono, levantas o auscultador e não falamos.”…. Oiço o telefone…aparece um tipo: “Quem é que fala?” Respondo -“És um atrasado mental, estou aqui a gozar contigo, vais ser corrido da PIDE”. Chego ao meu quarto, arrumo a tralha e deixo um livro de Mao Tse Tung “O Poder Político Nasce do Cano da Espingarda” e ponho um “objecto das Caldas” com o aviso “Não Mexer!”

O cenário estava preparado para lhes fazer perder a paciência…!”

“Andei escondido, ia para a praia, deixei crescer bigode. Inventei uma saída. Vou sair no dia 15 de Agosto, é um feriado mundial. Ela ascende aos céus. Se calhar a polícia e a guarda, em Espanha, estão mais distraídos, passo a nado no Guadiana, levo o meu fato num saquinho de plástico. Fizemos a saída dentro de um pneu, perto de Campo Maior - Elvas.” Chega a Badajoz. O contacto não lhe levou a mala, perdeu o combóio. “Estou lixado!”

Chegou ao café - “onde é aqui o bairro das meninas?” Entrei. “Sabe, estou cansadíssimo, só preciso de dormir, com um despertador para apanhar o autocarro para Madrid”. Chegado a Madrid, compra uma camisa, pasta de dentes e apanha o comboio para Paris. Não havia um português no comboio, só argelinos, marroquinos.

“Chegamos à fronteira, levo uma das malas duma rapariga e passo. Pronto, já estou em França! Apanho o metro para o Quartier Latin. Vou a descer, vem a subir no sentido contrário um gajo que tinha ajudado um ano antes. “Tens de ficar em Paris”. “Fico”.

“No dia seguinte comecei a trabalhar na recepção dos hotéis. Encontro o José Mário Branco. Acabei por ir viver para casa dele, até me juntar com outra malta que lá estava.

Fiz o que tinha feito em Coimbra - uma República!”



-“Chegou a trabalhar como actor?”

“Quando queria ser actor no CITAC, fui para Penamacor.”

Hélder Costa representou vários personagens na Vida. “Fui sempre um grande malandreco. Estava farto de fazer teatro para estudantes. Organizei coisas a sério, íamos dizer poesia para a Moita, Baixa da Banheira, com a Manuela de Freitas e malta do PC.”



“Lembra-se da sua primeira encenação?”

“Em 64, havia em Grândola, a Sociedade Musical Fraternal Grandolense. Amigos meus, que estavam lá na direcção, começam a fazer teatro e eu desenhei o cenário. “As Cinco Vogais, AEIOU” num pano preto e por cima das letras uma grade, estavam presas. “Queres fazer uma peça tua? Então, é a minha primeira encenação. “Gota de Mel” [de Léon Chancerell. Fizemos 3 peças, vestidos de preto. Uma, da Teresa Horta; “O Doido e a Morte” e a” Gota de Mel”.

A estreia foi um sucesso, com a malta toda a bater palmas e o público a pedir “BIS!!!” . A peça foi várias vezes repetida e no fim - de - semana seguinte é representada numa Cooperativa nas Ermidas. Veio a Guarda, proibiu. “Comecei bem!”

Claro que relacionado com isso, fui eu que organizei a sessão com Carlos Paredes e Zeca Afonso. Ele ficou entusiasmado e fez a música “Grândola Vila Morena”.

 Vamos explicar, a chamada “Música Velha”, a da colectividade, metia PC, anarquistas, maçons. Depois da guerra civil de Espanha, cria-se a “Música Nova, a dos agrários.



OUTRAS MEMÓRIAS

“Como foram os anos do Exílio? ”

“Estiveste exilado?”

“Não, eu aproveitei o “Erasmus do Salazar”! (Boa! espanto e risos…)

Hélder fundou o Teatro Operário, em 1970, em Paris. “Eu fiz sempre o teatro e os cartazes do ataque, o oprimido é o “coitadinhismo”. A malta precisa sempre de apelar à Luta. A minha experiência no Cénico de Direito foi importantíssima. A malta do teatro é obrigada a ler, tem de fazer formação de quadros. O Teatro Operário também foi muito importante na acção política. Desenvolveu núcleos teatrais em França e por toda a Europa. Atacou de frente o problema da guerra colonial, com a peça “O Soldado”, grande êxito com dezenas de actuações em França, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, Dinamarca e Suécia.

A malta fala das greves de 62 e 69. E nunca se fala da luta em Lisboa, de 65. Começa tudo com o Saldanha Sanches na rua, a apanhar um tiro de um Pide. Organizámos uma Comissão Secreta para fazer a agitação toda. A PIDE ataca a sério.”

 Hélder organiza o 1º Festival de Teatro Universitário, trazendo o TEUC, o CITAC, Porto, o Técnico. O Festival realizou-se no Teatro Monumental, depois de ter falado com o Vasco Morgado, que ofereceu o Teatro. Abre o Festival. No camarote, o ministro Paulo Cunha e o reitor Galvão Teles. Começa: “Camaradas, amigos, senhor ministro, estamos aqui a fazer a manifestação sobre a educação e a cultura. É evidente que este festival é dedicado aos estudantes presos. É também dedicado aos operários presos. Sim, também é dedicado aos soldados que estão numa guerra injusta”. O reitor e o ministro saem. Abrimos com as “Histórias para serem contadas”, de Osvaldo Drágun. Acabou o Festival

A cantina já estava ocupada e vai lá o Paulo Cunha. Começa a provocação…“Sou chamado para uma reunião na reitoria, cinco, seis gajos à civil, proferem e gritam que sou mal - educado, agitador, incrível, estraga a estabilidade.”. Um Pide perguntou: “Sr. Reitor quer dar o castigo?” “Sete anos expulso”. “Insisto que o senhor reitor me diga, por que motivo faz esta acusação” E o chefe dos Pides: “Vá-se lá embora!”



Numa entrevista, a memória nunca é linear, organizada. Os fragmentos da caminhada, tendem a ser partilhados num discurso que avança e recua. Nesta conversa sucedeu essa tendência tão natural, porque há sempre algo que regressa fora do contexto anterior, com carácter de urgência, para a informação ficar completa. Hélder Costa, a propósito da passagem por Penamacor, recorda:

“Aproveitei Penamacor para me preparar para outras coisas. A BCG passou por lá, tinha uma mancha no pulmão. Telefonei à minha mãe “Isso é uma coisa que tiveste em pequenino.” “Expulso do Exército.”

Após a conversa na Casa do Alentejo, Hélder Costa acrescentou o seguinte, que tem a ver com a sua formação cívica: “O médico Manuel Reis que tinha estado preso no Campo de Concentração do Tarrafal, tinha aprendido a cura do Paludismo. Esteve na Guerra Civil de Espanha. Era médico extremamente inteligente. Ficou amizade muito especial. Informava do que lia nos jornais, tinha todo o respeito e tentava informar.”



“Que diferenças encontra no Alentejo da sua juventude e no de hoje?

“Para mim, o Alentejo continua a ser os comportamentos e o estilo das pessoas. Continuo a ver o Humor e essa inteligência, que é uma herança da resistência (que vai de pais para filhos). Tenho grande respeito pelo Alentejo e após 25 de Abril, começou um jogo: a utilização do humor pérfido para destruir as lutas. O humor é uma arma de resistência positiva e negativa. Os nazis inventaram primeiro as anedotas sobre judeus e depois queimaram-nos. Eu sou um adepto profundo da geringonça, pois foi o que fiz toda a vida.”



O TEATRO, UM PRAZER QUOTIDIANO

“Que autores encenou? Qual deles foi o seu maior desafio?”[2]

“O maior desafio foram as minhas peças, mesmo. Autor com quem tive prazer extraordinário, foi Molière, uma nova versão de Tartufo. Fiz “Santa Joana dos Matadores”. O Cavaco cortou o subsídio à Barraca, durante dez anos, mas não houve um grupo que nos apoiasse.”



“Como está o Teatro Português?”

Está como o teatro europeu, [o pós - modernismo], começou a desconstrução da Palavra, o tricot, que levou as pessoas a lerem menos.

“O que é que temos?” Foram imitar os Centros Dramáticos, simplesmente a linha que fizeram, não foi de colaboração com o público que lá estava. Na prática, estás a fazer teatro para os críticos, para os amigos. Grupos importantíssimos acabaram. E não trouxeram público”.  “Desde que a Barraca apanhou porrada, os críticos não falam - o público não fica mal informado!”

“A vitalização do Teatro, eu sabia como é que se fazia, era aposta séria no teatro amador e universitário, sem imitar. Fazer uma coisa activa, que chateasse estes gajos. Que mexesse e entusiasmasse as pessoas, baseado no humor, é fundamental.

Todos os anos temos de ter capacidade de invenção, organizámos festivais Gil Vicente, com escolas. Distribuímos o dinheiro ganho com o Ministério da Educação, pelo grupo que ganhava”.

De Janeiro a fins de Maio, de manhã, realizámos dois espectáculos para escolas. Encenaram “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “Felizmente há Luar” e a “Farsa de Inês Pereira”. Também para associações e clubes. Realce para “Os Encontros Imaginários”. No dia de folga (escreve textos sobre coisas impossíveis. Exemplo: Salazar a falar com Humberto Delgado e Soror Mariana). Todos os quinze dias é diferente.



-“Como é que consegue?”

-“Não tenho nada para fazer!”

“Consegui que fossem feitos em Barcelona, Madrid. Começou há 7 anos…

Tenho de dar a volta. Fiz telefonemas: Otelo, queres fazer Humberto Delgado? Apanhei Miguel Real, para fazer de Salazar e a filha de Humberto Delgado para fazer de Soror Mariana. João Soares (Mao), José Carlos de Vasconcelos (Jesus Cristo) Júlio Isidro (Goebls)”…



“Que significado têm para si os prémios que recebeu? [3]



“É um prazer. Mas também não sou do estilo que fala disso de manhã à noite. Gostei imenso, dos internacionais, um gajo vai representar em português peças minhas [O Príncipe de Spandau] sobre o Rudolf Hess sozinho no castelo. Estreou em Viena de Áustria, Dinamarca, Londres, Roménia, Brasil e depois fiz em Portugal. Outra, México, Brasil, Dinamarca. São estimulantes, é a entrada noutros sítios. São coisas minhas!”

Hélder Costa tem várias peças editadas, como “O Incorruptível”, “Queres ser ministro?” “BushLândia”, “Nau Catrineta”, “Marilyn, meu amor”, “O Príncipe de Spandau”, Mi Rival, “Um homem é um homem- Damião de Góis” e “O Saudoso Tempo do Fascismo - introdução ao riso e à memória”, edição Parvoíces (2005)

A entrevista termina da mesma forma divertida como começou. O sorriso do Hélder é uma espécie de passaporte para a sabedoria e o humor, que enriquece quem o escuta.



Luís Filipe Maçarico/ Rosa Calado



 (Entrevista publicada na revista "Alentejo", Novembro de 2018)



[1] Hélder Costa dirigiu o Cénico de Direito que obteve durante dois anos consecutivos - 1966 e 1967 - no Festival Mundial de Teatro Universitário de Nancy duas menções honrosas.
[2] Entre outros, Hélder Costa encenou Dário Fo, Ionesco, Fassbinder, Brecht, Ribeiro Chiado, Lope da Vega, Gil Vicente e Molière.
[3] Hélder Costa foi galardoado com o Prémio da UNESCO, o Grande Prémio de Teatro da RTP, da Casa da Imprensa, da Associação de Críticos. A Câmara Municipal de Grândola, atribuiu-lhe, em 2004, a medalha de Mérito Municipal.

EUNICE MUÑOZ: A PAIXÃO DO TEATRO E A ALEGRIA DE SER ALENTEJANA


Eunice Muñoz, entrevistada para a revista "Alentejo" (Junho de 2019)



Eunice Muñoz recebeu-nos em sua casa, acompanhada por seu filho António, proporcionando ambos uma conversa cordial, que transcrevemos para a fruição dos leitores alentejanos, e para que possam conhecer um pouco da existência desta grande senhora do teatro português, que nasceu no concelho de Moura.

Começámos por perguntar que sentimentos o Alentejo desperta em Eunice. A resposta foi espontânea: “Desperta os meus sentimentos. Tenho uma alegria sincera por ter nascido naquela região: Amareleja. Baixo Alentejo.”



Que circunstâncias fizeram com que nascesse na Amareleja?

“A paixão que já vem dos meus avós maternos que não eram alentejanos, mas que tinham uma verdadeira paixão pelo Alentejo e, nessa medida, o meu avô materno comprou uma casinha na Amareleja. Nasci lá, porque a minha mãe estava a viver com os pais. Nasci em casa dos meus avós. “



Que memória a actriz Eunice Muñoz tem do público alentejano?

“Eu estive sempre perto, porque os meus pais tiveram um teatro desmontável. Acompanhei as reacções do público alentejano desde sempre, e sempre senti que eles tinham uma grande sensibilidade (ao teatro).” E António recordou “A mãe tem representações em Portalegre, com peças do José Régio, sentado a assistir”



Fez o ensino primário no Alentejo?

“Nós tivemos, depois de eu nascer os meus pais tiveram uma companhia itinerante. Fiz a escola primária, como deve calcular, em vários sítios. Mas acabo a primária em Coimbra.”



Como aconteceu o Teatro na sua vida?

“Os tios, as tias eram todos actores. Os meus avós maternos eram actores também. Tinha cinco anos a primeira vez que entrei numa peça. Eu nunca tive outra coisa senão o teatro. Era o sítio onde eu quando era criança, depois do espectáculo, ia contar o dinheiro da bilheteira com o meu pai.”

António, filho de Eunice contextualizou: “Era a Companhia Carmo (dos avós maternos e do avô Muñoz. A outra companhia itinerante de teatro era a Rafael Oliveira, pai do Camilo de Oliveira. Os meus bisavós montavam um teatro (tenda). Chegavam aos sítios onde não há mesmo teatro”. E mais adiante, lembrou que sua mãe “teve notas brilhantes no Conservatório. Entrou aos catorze anos (nasce em 28) O Curso durou três anos.” Eunice evocou os seus professores, com simpatia: “Assis Pacheco, Samuel Dinis, Maria Matos, Alves da Cunha”



Com quem representou ao longo da vida?

“Actores que são todos da minha geração” começa por responder. Mas faz questão de destacar o nome de um actor mais novo: “Diogo Infante, por quem tenho uma profunda admiração, porque tenho uma grande ligação de amizade.”



Tal como a terra onde nasceu - aquele território do sul onde o clima molda os seres humanos - Eunice evidencia uma personalidade que não se perde em floreados, sem deixar de ser afectiva. O gosto pela síntese faz parte do seu ADN. As palavras são genuínas, não precisa de pensar muito, são respostas sentidas. Eunice neste bastidor que é o espelho dos seus dias fora do palco expõe serenamente o que pensa, descrevendo o que a tornou na pessoa que é.

Continuamos a falar do Teatro. Perguntamos que encenadores a marcaram.

“Os encenadores são mais importantes. São aqueles que nos orientam e portanto são indispensáveis. Tenho ligação com muitos deles. João Perry, João Lourenço, Carlos Avilez, o próprio Diogo Infante, o João Mota, Filipe La Féria.”

António acrescenta outros nomes que lhe ocorrem: “Estevão Amarante e Vasco Santana encenaram a mãe.”



Quais as peças da sua vida?

“A Mãe Coragem”, “O Ano do Pensamento Mágico”, “Caminho para Meca”, “Zerlina”.

António relembra que Eunice “Tem relação muito forte com o Porto. Estreou-se aos quinze anos no Porto, no Teatro Sá da Bandeira, com Maria Matos. E aos treze anos no D. Maria.”



No cinema, que filmes gostou mais de fazer e quais os realizadores mais importantes?

“Gostei muito de fazer cinema. Mas de qualquer modo não é propriamente a minha direcção a nível de sensibilidade. O homem com quem mais gostei de fazer cinema foi com Leitão de Barros.”

António revela: “Chegou a estrear dois, três filmes ao mesmo tempo em Lisboa”, um deles era o “Homem do Ribatejo”. E lembra o Prémio Revelação pelo desempenho - aos dezasseis anos - no emblemático “Camões”, cujo elenco tinha António Vilar, Igrejas Caeiro, Vasco Santana, João Villaret e Carmen Dolores, entre outros.

Com imenso orgulho, António sublinha que sua mãe teve uma “vida muito cheia”.



Prosseguimos com a entrevista, agradados com a receptividade. É altura de questionar sobre a importância das novelas televisivas. Se tornaram a artista mais conhecida de um público mais vasto. Relembramos o papel de D. Branca, que foi tão comentado por todo o lado…

“É verdade. “A Banqueira do Povo”. O Diogo e a Alexandra Lencastre estrearam-se em novelas”, contracenando com Eunice Muñoz.



Qual a influência da Comunicação Social na sua carreira?

Eunice: “Muito importante”.

António: “O que de facto promovia muito o trabalho da minha mãe era o teatro televisivo. A Flama fez capa de revista. Havia críticas de teatro no “Diário de Lisboa” “A Capital”, “Diário Popular” e os quiosques vendiam revistas em Lisboa e Porto…”



Como aconteceu a Poesia de Florbela gravada com a sua voz?

“A Poesia tem um grande peso para mim. As várias vezes que eu tenho tido oportunidade de dizer poesia é para mim um alimento muito profundo. Estar em contacto com os grandes poetas. Temos enormes poetas. E é um prazer muito grande dizê-los. Já nem sei…sempre tive uma grande paixão pela poesia da Florbela e aproveitei a oportunidade.”

Eunice também gravou poemas de Camões, Pessoa, Eugénio de Andrade, Ruy Belo, António Nobre e Guerra Junqueiro.



Como vê o Futuro?

“Esperançada. Há jovens actores com talento. Há jovens directores com talento. Tenho a minha neta Lídia. É uma jovem actriz em quem deposito muitas esperanças, porque tem talento e estou certa que vai fazer uma boa carreira.”



Homenageada por várias instituições, como a Voz do Operário e Universidade de Évora onde recebeu o doutoramento “honoris causa”, com Rui de Carvalho, Eunice Muñoz foi condecorada recentemente pelo Presidente da República, tendo celebrado os seus noventa anos na Casa do Alentejo.

Antes de nos despedirmos e depois de termos falado sobre tantas coisas boas que enriqueceram a caminhada, porque outros tempos houve menos livres, perguntamos como sentiu o problema da censura durante o Estado Novo?

“A Censura foi um elemento destruidor das carreiras da minha geração. Na medida em que houve vários autores impossíveis de representar!”



Na tarde primaveril deste encontro, em casa de Eunice, na acolhedora vila de Paço de Arcos, os vocábulos tiveram um brilho especial. Uma vida assim vivida e recordada enriquece o Alentejo e todos aqueles que gostam da Arte de Molière, aplaudindo actores que, como Eunice, representam personagens semelhantes a nós, com ideais, sonhos, regozijos e desencantos, respirando nas ruas das cidades e aldeias, em busca de uma vida repleta de estórias e futuro.



Luís Filipe Maçarico e Rosa Calado

Colaboração de Ana Isabel Veiga

sexta-feira, outubro 04, 2019

Memória de Rui Knopfli


Não sei números (do TLM, de contribuinte) de cor, nem tão pouco frases ou poemas, mesmo breves. Porém, quando estive em Nampula, - a fotografia é dessa época -  entrei um dia na Livraria Villares e comprei um livro de Rui Knopkli ("Mangas Verdes com Sal"), cuja frase inicial permaneceu toda a vida comigo, desde que então a li, sentindo-a como um relâmpago a indicar-me o caminho:
"Para quê querer incendiar os astros se, dentro de nós, ainda não acendemos todas as luzes".
Luís Filipe Maçarico