"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, dezembro 31, 2018

Carlos Alberto Rosado: Uma Grande Perda para o Associativismo Almadense

Cordial e com um sentido de humor genuíno, Carlos Alberto Rosado praticava a fraterna partilha, que apenas as pessoas com muita categoria (escala humana) são capazes de realizar.
Costumava encontrá-lo amiúde, entre a rua onde resido e a principal artéria de Almada antiga.
Há uma semana estivemos a conversar, ao lado do João Coelho do Pragal, do Alberto Pereira Ramos e da camarada Idalina, que mora no mesmo edifício onde agora habito.
Como era seu apanágio, o Carlos gostava de nos fazer rir com o anedotário que coleccionava.
Durante a conversa, este Amigo falara da necessidade de apanharmos Sol, para reforçarmos o sistema imunitário.
Dava gosto escutá-lo.
Ontem, através do Henrique Santos li a notícia do ataque fulminante que levou o Carlos deste mundo.
Presidente da Mesa da AG da Incrível Almadense e da Associação Concelhia das Colectividades de Almada, todos nós lhe reconhecemos essa sua intervenção comunitária, como lembramos agora tantas e tantas estórias que fomos vivendo com ele. 
Carlos Rosado esteve na direcção da antiga Federação das Colectividades com o meu pai. Não admira que quando me encontrou por cá tenha dito que esperava que eu integrasse o associativismo almadense.
Na tarde do último domingo de 2018 estive no Salão de Festas da Incrível Almadense participando no velório, onde estiveram o antigo presidente da Assembleia Municipal, o vereador Matos, o Presidente da Direcção da CPCCRD, Augusto Flor, Joaquim e Nazaré Avó, Luísa Bastos e muitos outros homens e mulheres do Associativismo e da Cultura Popular desta cidade.
A certa altura, um destes amigos descreveu-o como um monumento do património das colectividades.
Por tudo o que escutei e vi, confirmei que se trata de uma enorme perda para Almada.
Obrigado Carlos Rosado pela profunda simplicidade da tua postura e pela generosidade de me teres tratado com tanta estima. 
As ruas, os clubes e o coração dos teus companheiros de sonho ficaram mais pobres.   
Luís Filipe Maçarico

sábado, dezembro 29, 2018

Irracionalidade Suburbana

Sinto que parte substancial dos cidadãos se está marimbando para regras de convivência.
Desde o levarem os seus bichos à rua, esganando-os, obrigando os pobres cães a andarem a toque de caixa, fazendo um frete, em vez de cumprirem o seu dever, deixando os "presentes" na rua, à mercê de quem passa, pisa e conspurca o seu ambiente, tudo esta gentinha concretiza, como se fosse normal a irracionalidade da sua postura.
Na velha Almada, as ruas andam repletas de dejectos de cão, mas também com os plásticos, as embalagens, os papéis, deitados à rua pelos habitantes que se comportam como ignorantes, acabados de chegar a este planeta. A constatação incomoda bastante, pois faço a reciclagem, nunca deitei para o chão qualquer desperdício ou imundície.
À poluição sonora de auto-rádios delirantes e de gases expelidos por automóveis, juntam-se os maus odores e a violência visual (graffiti hiper medíocre incluído), que não contribuem para o bem estar colectivo.
A sensação que temos ao percorrer as ruas, é que vivemos nos subúrbios mais desencantados do mundo.
Como não nos sentirmos numa espécie de exílio, em terras do fim do mundo?
Luís F. Maçarico

O Novo Normal

Uma coisa é as pessoas gostarem de animais. Agindo no sentido de salvar baleias (O Japão quer voltar a matar cetáceos) ou linces (criados em cativeiro e libertados no território, sem protecção, acabando por aparecerem mortos em estradas).
Ainda o terem cães e gatos em casa, a quem dedicam todo o cuidado e carinho que os animais domésticos merecem.
Outra é ver uma senhora desvairada, à procura do cão que adoptou, perguntando ao merceeiro se ele viu o seu "marido"...
Ou outra falar à beira de um automóvel com o que parecia ser uma criança, pegando ao colo no seu cão, repetindo insistentemente "a mãe já vem, está bem?"
Sei que a política mundial não está entregue às melhores pessoas. Que os humanos maltratam os seus semelhantes e fazem muitas malfeitorias aos seus companheiros de quatro patas.
Mas há qualquer coisa nestas breves estórias que ultrapassa o racional. Ou será que eu é que estou errado e não compreendo o "novo normal"?
Luís Filipe Maçarico

ESTRANHEZAS ou como a Língua Portuguesa é maltratada por Muitas e Desvairadas Gentes...

Neste final de ano, estive atento à forma como a nossa língua é maltratada - todos os dias,- na rádio, em jornais e até no reclame duma tasca, que anuncia um jantar de fim de ano que custa 30 euros e tem ou um prato de carne ou um de peixe, banais e mais uns extras (normais) que são a bebida, a sobremesa e qualquer coisa para celebrar a entrada no ano novo.
Mas vamos destacar algumas dessas estranhezas.
Primeiro, num semanário de cariz partidário, a notícia da contratação de duas dezenas de funcionários, na Câmara Municipal de Cuba, escreveu o articulista (correspondente local?) que houve uma sessão nos "Passos" do Concelho (em vez de Paços)...
Depois, na Antena 1, Gisela João convida os ouvintes "vou-vos cantar!" E o treinador do Braga segue a mesma fala: "Vou-vos dizer", diz ele. Talvez queiram dizer "vou cantar-vos" e "vou dizer-vos". 
Finalmente, passo pelas traseiras da Pollux de Almada (passe a publicidade) e um pouco à frente, no referido tascório, leio o menú do repasto da despedida de 2018, onde se propõe ginga caseira.
Toca a gingar, gingões do meu País, que 2019 está à vista! E sim, comemorem com ginja caseira...
Luís F. Maçarico

sábado, dezembro 22, 2018

Ataque ao Património de Lisboa


Quando esta imagem apareceu no Facebook (e tem sido reproduzida inúmeras vezes) fiquei estarrecido.
Vivi perto deste lugar, um dos Jardins da minha infância, com miradouro fabuloso sobre o Tejo: Jardim e Miradouro das Necessidades.
Tantas vezes contemplei o rio e me inspirei, acalmando ansiedades, com a Poesia, pois Lisboa foi  pertença de seis décadas.
Quem conhece este sítio, quem mora há muitos anos perto do Miradouro (já que a maior parte das Juntas de Freguesia, mesmo quando não são da cor maioritária pouco ou nada fazem) não deveria movimentar-se, protestar, criticar, em vez de se limitar a comentar, com desagrado no Facebook, como se cumprisse um dever cívico, ficando quite?
Como é possível que a Câmara Municipal de Lisboa permita aberrações como esta [um novo hospital privado]?
Para não falar do gigantesco imóvel que pretendem construir junto à Sinagoga, "esmagando-a". Ou o bloco de apartamentos, projectado para o Miradouro da Senhora do Monte, roubando também ali as vistas a quem procura na capital a magia das colinas e a beleza que se desfruta em cada uma delas. Ou ainda a interdição do Miradouro de Santa Catarina.
Citando e adaptando um velho poema meu:
"Quando a cidade não ama
O seu património, que medalha
deverá um Poeta pôr no peito
dos que a governam?"
Entretanto soube que o Palácio do Machadinho (uma das jóias da coroa) terá sido vendido, porventura para ser mais um hotel de charme ou espaço privado, como fizeram com o histórico Palácio do Barão de Quintela, onde Junot ficou alojado, no início das Invasões Napoleónicas, [ficando "a ver navios" e a "comer à grande e à francesa"] o qual se tornou em comedouro chique de sushi e outras gastronomias para turistas.
Não entendo o silêncio dos eleitos, no executivo e na assembleia, ditos consequentes. ´É que nem no "Avante" encontramos referência a estes dislates.
Se acreditasse em Deus, diria que toda a gente fez um pacto com o Diabo e o Povo que restou, nesta triste história contemporânea - tão triste - que se f...

Luís F. Maçarico

sexta-feira, dezembro 14, 2018

O Lodaçal da Ignorância

Oiço uma repórter radiofónica dizer que um eléctrico se despistou!!!
Horas decorridas, o locutor das notícias fala por três vezes no capotamento desse eléctrico.
Consulto dicionários on line: Capotamento - tipo de acidente automobilístico em que um ou mais veículos, tombam para alguns dos lados; Capotar - virar, desastradamente, de rodas para o ar (automóvel ou avião).
O repórter do trânsito, felizmente, soubera utilizar a palavra (Verbo) que me parece mais adequada: "Descarrilou"...

Num jornal de referência leio que houve uma cerimónia nos "Passos" do Concelho de Cuba. 
Espanto-me, face ao erro crasso. 
Despareceram os revisores e os escrevinhadores de serviço não sabem que existe a palavra Paços (do Concelho).
Triste língua, maltratada, no país tosco, onde o jornalismo está a baixar de nível. Quem nos salva do lodaçal da ignorância?
Luís Filipe Maçarico (reflexões) Fotografia recolhida na Net: "Público"

sábado, dezembro 08, 2018

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA "ALDRABA" Nº 24


A HISTÓRIA DE UM ENCONTRO DO PATRIMÓNIO TRANSFRONTEIRIÇO



1.O PAN DE MORILLE. ORIGEM DO NOME, OBJECTIVOS E SEUS CRIADORES



Sopram bons ventos de Espanha, desde o início do século XXI, através da realização anual, em Morille, do Encontro Transfronteiriço de Poesia, Património e Arte de Vanguarda em Meio Rural, que completou em 2018 as dezasseis edições. Manuel Ambrosio Sánchez Sánchez[1], alcalde daquele município, da província de Salamanca, comunidade autónoma de Castela e Leão, que tem 22,94km2 e 258 habitantes[2] contou-nos como nasceu este evento: “O PAN surgiu na Primavera de 2003, numa casa particular em Morille, em torno de uma mesa composta pelo então estudante universitário Germán Labrador Méndez, pela professora do ensino secundário Nuria Benito Manjón e pelo próprio Manuel, vereador do Ayuntamiento local, que desejava pôr em marcha um acontecimento cultural, anual, com alcance internacional.

A Poesia seria a coluna vertebral - e o Festival surgiu, também, com Arte de Vanguarda e espectáculos de todo o tipo. O seu carácter rural, festivo (daí o nome do deus grego PAN - que presidia às festas campestres) promoveria o encontro entre escritores, artistas visitantes e a população local. Desde as primeiras edições, quisemos destacar os contactos com Portugal, dotando o encontro de um deliberado carácter hispano-português. A secção “Património” foi incluída mais tarde. A direcção do PAN esteve nas mãos de Fabio Rodriguez de la Flor, editor de prestígio.”[3]

Nos últimos anos, além do autarca, “a equipa integra o escritor e editor António Lopes, Carlos de Abreu, homem multifacetado, geógrafo, escritor e em 2018, Francisco José Lopes, escritor e gestor cultural”.[4]

Na Internet lê-se que o PAN de Morille ocorre durante o 2º ou 3º fim - de - semana de Julho, sendo seus objectivos, além da vocação transfronteiriça, uma orientação interdisciplinar e multicultural, onde se incorpora a provocação e o inconformismo.[5]

2.O CEMENTERIO DE ARTE



Segundo um artigo de Paola Maulén, intitulado “Museo Mausoleo - Cementerio de Arte de Morille Una nueva tipologia de museo?”[6], este espaço nasceu em 17-12-2005, tendo a autarquia local cedido o terreno (90.000m2) e Manuel Ambrosio assumido o compromisso da elaboração, desenvolvimento e financiamento do projecto.

Idealizado pelos artistas Domingo Sánchez Blanco, Javier Utray e pelo crítico de Arte, Fernando Castro Flórez, em 2016 já teriam sido enterradas 31 obras de Arte.

Através da observação-participante, em 2015 assistimos ao enterramento de um objecto de estúdio, pela filha do pintor Jose Antonio Arribas, cuja magnífica exposição “El Quijote”, estava patente no refeitório do Encontro e Leandro Vale (que várias vezes visitou o PAN) falecido em Abril desse ano, foi homenageado com uma peça de fantoches, de sua autoria, “Uma Outra Forma de Contar Abril”, pelo grupo “Nova Morada” e através da curta - metragem, de Rui Pilão, “Aqui Jaz a Minha Casa” (iniciativas bastante concorridas, com uma parte da população da terra a assistir, tendo sido sepultado o televisor, que continuava a exibir o filme).

Em 2017, Maria Lino cujo atelier, em Trancoso, se chama “Temos Tempo”, enterrou uma peça escultórica de sua autoria, em protesto contra a falta de apoio à Cultura, no seu país e em 2018, outra portuguesa, Laurinda Figueiras, com a filha Carolina, celebraram a memória do pai e avô, o poeta e etnógrafo, criador da Ronda Típica da Meadela, José Figueiras, depondo ali, numa caixa, o diploma de mérito, concedido ao ilustre minhoto, a título póstumo, pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, ao som de uma salva de tiros, disparada por cinco rapazes.



3-LITERATURA, PATRIMÓNIO E ESPECTÁCULOS



Obras de escritores ibéricos foram apresentadas em 2015, 2017 e 2018, no Saalón de Plenos”, e todos confluíram no Poetódromo, um recanto especial, com bancadas, em pleno campo, rodeado de pastagens, onde os vates de vários lugares de Espanha e Portugal mostraram o seu lirismo.

Em 2015, o poeta albicastrense António Salvado, foi alvo de tributo, com o lançamento do seu livro “Igaedus”.

Jovens poetas, de entre os quais Suso Sudón, Fernando Dias San Miguel ou Raúl Vacas, ombrearam com nomes consagrados, como Monserrat Vilar e Ana Rossetti, só para citar alguns. Portugueses, como Fernando Fitas, João Rasteiro, Aurelino Costa, Carlos de Abreu, Fernando Duarte, Cristina Pombinho, Leocádia Regalo, Sara Timóteo e Maria José Fernandes, além de muitos outros, completaram o elenco dos protagonistas luso-espanhóis.

A presença das filarmónicas transmontanas e do teatro de cariz popular integrou a animação de rua, em Salamanca, Morille e Vilarelhos.

O contributo do Património evidenciou-se na exposição, no volume e declamação de poemas, relativos a viagens de comboio, com “A linha do Vale do Sabor: Um Caminho-de-ferro raiano do Pocinho a Zamora” (2015). Mas também em “Caminhos de Santiago”, “O Saber Médico do Povo”, da autarca de Alfândega da Fé, a médica Berta Nunes, as “Línguas Raianas estudadas por Leite de Vasconcelos, “Usanças de Antanho”, de Laurinda Figueiras (2018).

A Arte de Vanguarda levou a Morille o pintor Rodrigo Dias, que por não poder pregar pregos no espaço ao seu dispor, uma cochera, expôs as telas da colecção “O Minotauro e Lendas da Minha Terra”, em trilhos e manjedouras (2017), tendo pintado ao vivo, quer na sede do Encontro, como na réplica portuguesa, na encantada Vilarelhos[7]

Ao longo das edições que acompanhámos, assistimos a Concertos Musicais significativos, dos quais salientamos “Sonidos del mundo” do argentino Pablo Messelani, Salamenco e o memorável cantautor estremenho Miguel Ángel Gómez Naharro que brincou o auditório repleto cantando “Bella Ciao”, “Ay Carmela” e “Grândola Vila Morena” (2015).

Morille e o seu PAN, como ficou largamente demonstrado, é um lugar muito especial na raia, pela sua oferta cultural, tendo o apoio da Diputación de Salamanca e Junta de Castilla y Léon. Oxalá se mantenham as parcerias, com Alfândega da Fé e Fundão, com quem foi firmado um protocolo pelos respectivos edis, e que num futuro próximo, a Aldraba participe, para falar da caminhada em torno do património imperceptível e pela salvaguarda da sabedoria material e imaterial do povo português. Quem sabe?

Luís Filipe Maçarico



[1] Professor do Departamento de Literatura Espanhola e Hispano-Americana da Universidade de Salamanca. Além de Presidente da Câmara Municipal, é Deputado na Diputácion Provincial.
[2] www.lagacetadesalamanca.es/viva-mi-pueblo/morille [Gazeta de Salamanca, on line, consultada em 23-9-2018]
[3] Testemunho de Manuel Ambrosio Sánchez Sánchez, em mensagem de correio electrónico, 16-9-2018.
[4] Ibidem.
[6] Fonte: Sophia Austral nº 17, 1er semestre, 2016-1-14, on line [Consultado em 23-9-2018]
[7] Anteriormente houve uma versão em Carviçais, Torre de Moncorvo, com a curta duração de dois anos.

PRÉ-PUBLICAÇÃO DE ARTIGO PARA A SEGUNDA REVISTA DA CASA DO ALENTEJO QUE ELABOREI COM ROSA CALADO




DE QUE FALAMOS, QUANDO FALAMOS DO ALENTEJO?

Do Alentejo, dizem estatísticas recentes, sai todos os dias uma dezena de habitantes.

Continuará a ser assim?

Que fazem as autarquias - permitam-me a pertinência da pergunta - para estancar esta sangria demográfica?

Apesar dos constrangimentos económicos, com que as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia se confrontam, desde a pressão junto do Governo até à atribuição de benefícios fiscais, incentivos à natalidade e à fixação de jovens, que medidas para apoiar a população residente, designadamente na criação de emprego, têm apresentado ( e desenvolvido) os autarcas? E no sentido da esperada regionalização, que mais passos poderão ser dados?

Só gerir o dia - a - dia, afigura-se pouco. A criatividade de quem governa o território, nas diversas escalas é urgente.



Na comunicação social, o Alentejo genuíno passa despercebido, como aconteceu no caso de Pias, que habitualmente celebra a sua Festa Rija, no derradeiro fim - de - semana de Agosto.

O cortejo etnográfico deste ano, com quase quarenta carros alegóricos, apareceu numa vertigem visual, sendo dado enorme relevo ao artista que encabeçava o cartaz dos espectáculos.

Para alguns, o Alentejo continua a ser cenário e as suas gentes ignoradas, mantendo-se uma espécie de estigma, que vem de longe, quando articulistas do estado novo consideravam esta região do país desinteressante…

O prodigioso cortejo, onde se evidenciam profissões e tradições extintas e a alma de um Povo, no que tem de grandioso, não interessam às televisões, que menorizam aqueles que, com o seu esforço, contribuem para que Portugal continue a ser um lugar, onde se viva com dignidade.



Vão do Alentejo para a Beira Baixa, os Chocalheiros de Ficalho, sendo talvez a principal atracção da Festa dos Chocalhos, em Alpedrinha, uma festa inventada, que evoca os caminhos da transumância dos grandes rebanhos, que demandavam no sul a alternativa de pastos, que a invernia gelava na Estrela.

Perto desta localidade, em Póvoa de Atalaia, nasceu o Poeta Eugénio de Andrade, que afirmou nos seus escritos tratar-se de um lugar que prolongava o Alentejo.

No desfile festivo, pelas ruas de Alpedrinha, freguesia do concelho do Fundão, onde durante o terceiro fim - de - semana de Setembro, se revivem antigas tradições e se reflectem aspectos das vivências pastoris e de uma ruralidade residual, nos costumes, gestos e comportamentos quotidianos, “contaminados” pela mentalidade urbana (tornou-se usual o karaoke e dançar ao som da selecção de DiskJokey), o sul marca uma forte presença simbólica, através da performance de homens de antanho, habituados a trabalhar a terra e a celebrar a Vida, debaixo de um clima impiedoso.



Entretanto, Évora homenageou o escultor Cutileiro, expondo a magnífica obra deste artista, que exalta o Alentejo, em poemas de pedra, na beleza de uma escrita de amor, derramada no mármore de figuras eternas, que povoam cidades, adornadas com cerâmicas e esculturas felizes.

Évora, cidade aberta ao Mundo, será sempre um lugar luminoso, para as suas mãos criativas. Évora, através de Cutileiro, exprime o melhor que o Alentejo tem.



Dizia a poetisa “Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos ignorar”.

A monstruosidade do “arranque de milhões de árvores, a maioria centenárias mas também milenares” (Público, 21-9-2018, página 21), foi consumada sem evidente oposição popular ou política. Se existiram posições opostas, foram alvo de censura nos meios de comunicação social e nunca chegaram à opinião pública.

Por todo o lado (já alastrou à região de Santarém) a oliveira arbusto, de cultivo intenso, em nome de maior produção de azeite, ocupa desmesurado espaço. Todavia, o ministro da Agricultura, afirma que “não há olival a mais” (Público, 17/9/2018, página 19).

Os investigadores asseguram que esta cultura intensiva mata a biodiversidade

Depois do facto consumado, que ocorreu perante o silêncio de algumas autoridades, constatámos notícias, que fazem eco das preocupações de ecologistas e das abordagens de alguns eleitos, como é o caso das declarações de um deputado, exigindo “que os rótulos do azeite indiquem a sua origem e sistema produtivo” (Público, 21-9-2018, p. 21) ou do Presidente da Câmara Municipal de Serpa, Tomé Pires, que se mostrou apreensivo com “a ausência de regulação na gestão do território sob influência do Alqueva”, desconhecendo “qual o tipo de monitorização” no impacto das culturas intensivas na biodiversidade e no ambiente” (Ibidem, 6-10-2018, pp. 16-17)

A própria Assembleia Municipal de Serpa, aprovou uma moção, alertando para a falta de um plano de desenvolvimento agrícola para a região (…), cuja gestão de território se encontra na “dependência de centros de decisão longe do país (…) havendo um uso excessivo de fungicidas, herbicidas, insecticidas e fertilizantes (…) com a consequente morte da biodiversidade e saturação dos solos”, tudo através de trabalho precário, sem direitos (Ibidem).



De que falamos, quando falamos do Alentejo?

O “celeiro da Nação”, repetido no cante, os trigais da juventude dos nossos anciãos, como que se evaporaram.

O azeite produzido por oliveiras que eram verdadeiramente monumentos da Natureza, é agora conseguido, à custa dos produtos fito - farmacêuticos (designação actual para os pesticidas e demais químicos) e a existência do tão ansiado Alqueva, que novas realidades revela?

Quando falamos do Alentejo, que campos são estes, afinal, que vislumbramos, quando saímos de Lisboa à procura do paraíso, com horizontes desmedidos e um silêncio repousante, idealizado com o colorido coro da passarada?

A manipulação desenfreada deste capitalismo (não tenhamos medo de chamar os bois pelos nomes), sem escala humana, está a transformar muita coisa.

Parece que para pior.



Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)