"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Aboulkacem Chebbi: O Poeta Nacional Tunisino



"Nasceste livre como a aparição da brisa
livre como a luminosidade do céu matinal
(...)
Porquê aceitar a vergonha de uma vida aprisionada
Porquê baixar a fronte diante dos que te dominam?
(...)
Acorda, toma os caminhos da vida,
Pois a vida não espera por aqueles que dormem

Sorve o perfume das rosas matinais
A dança dos raios solares
O espelho das águas!"

(Excerto, em tradução livre, de um dos 132 poemas, escritos pelo poeta nacional tunisino Aboulkacem Chebbi.)


Aboulkacem Chebbi morreu com 25 anos, em 1934 e só vinte anos decorridos foi editada a sua obra, embora já tivesse figurado numa antologia da literatura tunisina, em 1928.
Evoquei-o no meu livro "Os Pastores do Sol", em 1995.
Com espanto, constatei que uma senhora tunisina viu o poema em francês, ou no meu blogue, ou na Biblioteca Nacional Tunisina, à qual ofereci um exemplar em 1996, ou talvez até no jornal "La Presse de La Tunisie", pois os poemas daquele livro são apresentados em 3 línguas (francês e árabe, além de português), e com o maior despudor, vá de transcrevê-lo na sua página na net, sem referência ao autor.
Há pouco deixei um desabafo no Facebook, tendo pedido a ajuda dos amigos tunisinos, para reporem a verdade...A usurpadora (com o pseudónimo de Lili, muito apropriado para quem anda a roubar o trabalho alheio) elaborou a página de tal forma, que não conseguimos deixar comentários...tal é o quilate das suas acções...desconfio que as fotografias que apresenta também foram surripiadas indevidamente...
Infelizmente, as meninas Lilis deste mundo acham que só elas existem e espoliam os criadores do seu trabalho, renegando-lhes a autoria... - escrevi há pouco e repito. Gente sem escrúpulos, predadores que existem para ensombrar a vida dos que amam de facto a vida e fazem o seu caminho, sem pesos na consciência.

Luís Filipe Maçarico (texto e tradução do poema de Aboulkacem Chebbi)

128º Aniversário da "Voz do Operário"






A Voz do Operário festejou neste sábado os 128 anos da sua fundação.
Pelas 18 horas, na sala João Hogan, decorreu um colóquio com António Ventura, historiador, Silvestre Lacerda, director da Torre do Tombo, entre outros, que revelaram pormenores muito interessantes, relacionados com o espólio histórico daquela colectividade, do qual foram já digitalizados mais de cinquenta mil, podendo ser consultados on line. Na ocasião, houve também intervenções de antigos alunos, associados e dirigentes da "Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário".
À noite decorreu o jantar - e a sessão solene - na presença dos associados, entidades diversas, alunos e amigos, tendo sido homenageada Luísa Basto.
Parabéns à "Voz", pela consciência dos seus dirigentes na salvaguarda do seu património, assunto que abordei no meu último livro, sobre Associativismo.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

domingo, fevereiro 27, 2011

"Carta para Josefa, Minha Avó", de José Saramago


Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.

Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.

Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.

É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

José Saramago

terça-feira, fevereiro 22, 2011

A PAZ PODRE


Ao longo da vida, realizei projectos que me deram/dão muito prazer: amizade, poesia, fotografia, viagens, livros, cursos.

No asfixiante e medíocre rectângulo em que respiramos, ousar ter um espírito livre, pensar e criticar são características que geram invejas, intolerâncias e ódios, só por existirmos. Geralmente provenientes de gente inculta que mamou na teta da Inquisição.

Desde plágios a insultos on-line, já fui alvo de vários ataques violentos...

Todavia, um destes dias, apercebi-me duma nova e demolidora ameaça que me deixou estupfacto.

Na sombra, gente abjecta idealizou um site nojento, utilizando parte do meu nome, apresentando obscenidades.

Para que conste, gosto da blogosfera, das redes sociais - que se revelaram tão importantes nos recentes acontecimentos da Tunísia e Egipto - porém, não possuíndo nem mau gosto, nem poder, nem conhecimentos para fazer sites onde são escarrapachadas coisas indecorosas, certamente a troco de dólares (o site está alojado num servidor americano, mas suspeito que haja intermediários na América Latina, dado que está escrito em português do Brasil) lamento que haja quem se aproveite da Liberdade para denegrir os que não amocham ao conformismo destes dias cinzentos de paz podre, imposta pelo Capitalismo reinante.

Deixo aqui o alerta para todos os que usam a net para dizer o que pensam. Quem não se conforma com o quotidiano, pode ter surpresas... Que las hai, las hai...

Luís Filipe Maçarico

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Os Construtores do Museu de Arte Popular - Uma Exposição Imperdível






Revisitei ontem um Museu, que reabriu, após sete anos de letargia.
Julgando-se dona e senhora da Cultura, uma viagem de madame Pires de Lima ao Brasil bastou para a criatura ameaçar de morte o Museu de Arte Popular.
Felizmente, aquele desvario não venceu e o Museu da Língua que a dita cuja queria implantar no espaço de Belém, terá de ancorar noutras paragens...
Visitei o velho/novo Museu, com júbilo, pois a título pessoal ou integrado no colectivo da Aldraba manifestei-me sempre contra o encerramento imposto por quem não sabia o que estava a fazer... Por isso, está de parabéns a equipa de fazedores desta nova aventura. Com Andreia Galvão à cabeça. Parabéns aos funcionários que com um sorriso de esperança nos recebem.
"Os Construtores do MAP" é o nome da actual exposição, que contextualiza o surgimento do Museu de Arte Popular, idealizado por António Ferro e artistas como Tomás Melo (Tom) e Carlos Botelho. Os espaços vazios, à espera de reconfiguração integram a actual mostra.
Como não é possível fotografar o interior aqui ficam imagens do exterior do edifício, ansiando pelo Museu reformulado, que certamente guardará a memória de artesãos anónimos e de um saber-fazer que resiste ou já se extinguiu com a morte do último artífice.
O Património e a Identidade podem dar-nos motivos de orgulho. O MAP é um dos territórios de afecto, onde revisitamos memórias e perspectivamos uma hipótese luminosa de Futuro.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Raúl de Carvalho: Honrar a Memória do Poeta do Alvito


Serenidade És Minha

À Memória de Fernando Pessoa


Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.

Vem, serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anémonas, os monstros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.

Vem, serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frémito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.

Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.

Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.

Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.

Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.

Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.

Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.

Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!

E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.

Vem, serenidade,
para que se não fale
nem da paz nem da guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.

Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.

Vem com as meretrizes que chamam da janela,
o volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.

Vem, serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.

Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
o corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.

Vem, serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vicio de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.

Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
o papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.

Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais úmida que a pele marítima do cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu vôo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.

Vem, serenidade,
para perto de mim e para nunca.

……………………………………………….

De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma nuvem que aumenta a vã periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu te peço como quem pede amor:
Vem, serenidade!

Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!

Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!

Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.

Vem, serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.

Vem, serenidade,
leva-me num vagão de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.

Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.

A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à policia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade,
Vem, serenidade,
e leva-me contigo.
Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmónio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.

Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
E que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.

Serenidade, eu rezo:
Acorda minha Mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.

Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.

Vem, serenidade,
e absolve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.

E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da índia imaginada,
o espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.

E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome.
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retráteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Vem, com teu frio de esquecimento,
com tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!

Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.

Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente,
Serenidade, és minha.


Raúl de Carvalho
Só por este poema, que Mário Viegas gravou e ainda hoje podemos escutar, declamado pelo grande actor, Raul de Carvalho merece ser nome da Biblioteca Municipal do Alvito...
Quase 200 cidadãos subscreveram o apelo que está na Net.

Há alguns anos, um autarca do PS, António Paiva de seu nome, numa atitude troglodita, recusou atribuir o nome do poeta à Biblioteca Municipal de Alvito, por Raul de Carvalho ser homossexual. A Biblioteca, por causa dessa recusa, chama-se Luís de Camões...

Em 23 de Janeiro de 2004, Lopes Guerreiro escreveu este protesto no seu blogue Alvitrando:
É uma tristeza integrar uma câmara municipal que rejeita o nome de um dos mais importantes poetas portugueses da segunda metade do século passado, que integra a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes, o Dicionário de Literatura, dirigido por Jacinto Prado Coelho, ou as Líricas Portuguesas, organizadas por Jorge Sena, que ganhou o Prémio Simon Bolívar, em Siena em 1955, para a nova biblioteca municipal.
Só a mais completa cegueira política pode explicar por que o nome do poeta alvitense Raul de Carvalho não foi atribuído à nova biblioteca municipal.
Depois de perseguido em vida, quem manda na sua terra continua a persegui-lo depois de morto.
"Raul de Carvalho fez por Alvito algo que não está a nenhum dos que hoje têm poder de decisão: transformou-a numa vila mítica, elevou-a a um categoria estética, transformou-a em bem simbólico. Não precisou de viver em Alvito para imortalizar Alvito. Dar o seu nome à biblioteca, seria uma forma simples de retribuir, como escreveu Luísa Leal, autora da obra "A Construção do Sujeito na Poesia de Raul de Carvalho". O presidente da Câmara preferiu pagar-lhe com a vingança do esquecimento.
É miopia, é mesquinhez, é sectarismo, é um acto digno da Inquisição,.. O tempo fará justiça! "

No site do Instituto Camões, lemos que: Chegou a Lisboa na década de 40 e tornou-se frequentador do café Martinho da Arcada, contactando com personalidades do meio literário.
Preocupado com a condição dos mais desfavorecidos, assumiu algumas afinidades com os neo-realistas. Conjugou esta preocupação com a aprendizagem de uma liberdade surrealista. Foi colaborador das revistas Távola Redonda, Cadernos de Poesia e Árvore, de que foi co-director (1951-1953).
Em 1956 foi premiado com o «Prémio Simon Bolívar», no Concurso Internacional de Poetas de Siena, em Itália.

http://www.ipetitions.com/petition/bibliotecarauldecarvalho/

A vila de Alvito
tem ruas e praças
homens e mulheres
e muitas desgraças.

A vila de Alvito
tem dois lavradores.
Tem muita riqueza
e raros amores.

A vila de Alvito
Tem uma cruz ao lado -
Quem manda na vila
não lhe dá cuidado.

Maltezes, ganhões,
sangue misturado.
Na vila de Alvito
é que eu fui criado.

Raúl de Carvalho


Na foto, recolhida na Net, o poeta Raul de Carvalho, nascido no Alvito em 4-9-1920, falecido no Porto em 3-9-1984.

Recolha e texto introdutório: Luís Filipe Maçarico

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Paco Bandeira e a Indignação Face à Corrupção

Paco Bandeira podia limitar-se a cantar as suas origens, as etapas da vida, os bons poetas - como Manuel da Fonseca, mas decidiu ir mais longe e intervir na paz podre que vivemos.
O resultado do seu olhar desencantado, face à realidade dos poderes que nos oprimem - e gozam connosco, aqui se partilha.
Honra lhe seja feita pelo contributo, quando nesta altura da sua vida podia estar a colher os louros de uma carreira, que tanto apreço popular obteve.
Talvez porque ao povo de onde nasceu pretendeu deixar este grito de solidariedade e revolta, eis a sua indignação, sob a forma de música, onde a letra tem um papel incontornável. Obrigado, Paco!


domingo, fevereiro 06, 2011

Um Milhão de Insubmissos?







Apareceu recentemente no Facebok, à boleia dos acontecimentos na África do Norte, um auto denominado movimento, que incentiva a reunião de um milhão de portugueses a manifestar-se, para correr com toda a classe política.
Provavelmente, enquanto comunista, daqui a pouco também quererão correr comigo, ou prender-me, ou torturar-me, pois embora nunca tendo sido deputado ou ministro, tenho opinião e sou contra este sistema podre que os portugueses originaram, escolhendo sempre os mesmos.
Concordo com António Filipe, deputado do PCP, que se pronunciou sobre esta iniciativa:
"Se temos a "classe política" que temos à frente do Governo é porque os portugueses votaram nela. Portanto, quem não está contente tem um bom remédio que é votar como deve ser: em vez de votarem nos mesmos de sempre, lutem, e votem em quem luta por um país melhor e mais justo.
Mais adiante, esclarece que "o povo egípcio luta para ter o direito a eleger democraticamente os seus governantes. Direito que os portugueses conquistaram em Abril de 1974, mas que aproveitam tão mal..." E depois faz a pergunta: "já agora, que "classe política" é que pretendem pôr no lugar da que está? Nenhuma, não é resposta." E antes de terminar, chama a atenção para o facto de "iniciativas inconsequentes e voluntaristas como esta só servem quem está no poder, porque prejudicam a luta por uma real alternativa."
De facto e numa altura em que certos sujeitos defendem a redução do número de deputados, justamente para penalizar os pequenos partidos e ampliar (mesmo que reduzindo o número) a influência dos dois partidos alternadeiros...esta reacção de alguns portugueses, que por arrastamento ( e desencanto) obteve adesões, parece-me servir gente como Merkel, Sarkozy e Sócrates, pois enquanto andarmos entretidos com folclore (a par dos outros éfes que faziam salivar o Salazarismo) estamos apenas a vaselinar o corpinho, cada vez mais dado ao manifesto, dos que de facto não têm respeito pelos direitos mais elementares, de quem ainda produz alguma coisa neste país, a começar pela paciência...
Nos nomes dos promotores da iniciativa vi apelidos com tamanho de comboio de mercadorias, não vi gente do povo, perdão, da sociedade civil, como agora é costume dizer-se... Vi gente boa atrás, decepcionada como eu, com este sistema iníquo.
A diferença é que eu acredito (há muitos anos) que é possível mudar.
Só que essa mudança tem de ser partilhada em maioria. No final de cada jornada eleitoral tenho recebido sempre murros no estômago, provavelmente de uma parte dos que agora querem ir para a rua, porque viram povos do dito terceiro mundo envergonhá-los, com coragem, com determinação e até com nível (exceptuando os serventuários e adeptos dos regimes decadentes contestados no Magrebe).

Caramba....Há um ano e picos votaram (ou abstiveram-se) novamente no Sócrates... Acabaram de votar no Cavaco (ou abstiveram-se uma vez mais)... E agora querem juntar 1 milhão na Avenida para imitar a revolta tunisina e egípcia?

Não julguem que gosto do que vejo e sinto!

Eu iria para a Avenida, se me dissessem que era para haver novas eleições e que esse milhão não votaria nos mesmos que nos (des)governam há 3 décadas, alternando-se...mas isso é o que tenho feito nas manifestações sindicais ao longo dos anos, muita vezes nessa emblemática Avenida da Liberdade...pois onde estavam estes cidadãos, paladinos da limpeza em relação à corrupção e ao fim do desemprego, quando eu sofri cortes no salário e me ameaçam com mais anos de trabalho e menos reforma, menos saúde, menos justiça, menos educação e um custo de vida insuportável? Tenho sentido a vossa falta de apoio (eu e os trabalhadores que se têm manifestado) ao ponto dos governos dizerem que somos sempre os mesmos e que a maior parte dos portugueses estão felizes?

Onde tem andado esse milhão de insubmissos?*

*Espero que não estivessem entre os milhares de descontraídos, que ontem, no Chiado, passeavam (também por lá passei e gosto de ver as ruas animadas, com vida, com gente), enquanto cerca de trinta portugueses (eu fui um deles) se manifestavam contra o que se passa no Egipto... Assim, qualquer um pode manifestar-se, pois avançar para a avenida e expôr-se , não ajuda a fazer a digestão... basta dar uma clicada, a dizer que sim, que irá e depois, fica em casa, pantufinhas calçadas, a jogar Farmville... Ah! Grandes Tugas!

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

Ana Luísa Janeira: A Filósofa das Ciências


A Professora Ana Luísa Janeira irá dar a sua última aula no derradeiro dia de Março deste ano.
Trata-se de uma mulher admirável, pelo percurso académico e pessoal, que irá ser motivo de um artigo, que oportunamente apresentarei e para o qual tenho andado a recolher elementos, há cerca de dois meses.
Para aqueles que desconhecem o alcance da obra desta portuguesa, aqui ficam breves dados biográficos:
Licenciada em Filosofia (Faculdade Letras da Universidade do Porto) em 1967, Doutoramento em Filosofia Contemporânea (Université Paris I Panthéon-Sorbonne) no ano de 1971, agregação em Filosofia das Ciências pela Faculdade de Ciências da Universidade de Letras, em 1985.
Ana Luísa Janeira leccionou em inúmeros estabelecimentos de ensino, desde 1966, no Porto, em Lisboa, em Coimbra, Montepellier, Brasil e Argentina.
Entre 1976 e 2007 desempenhou as suas funções na Faculdade de Ciências/Departamento de Química e Bioquímica. Durante os três anos seguintes, esteve na Secção Autónoma de História e Filosofia das Ciências.
Fez investigação sobre Laboratórios de Química, transformação e sobrevivência dos Jardins Botânicos e dispositivos dos Museus de História Natural e Museus de Ciência.
Para conhecerem esta cidadã, cliquem em:
http://aminhaultimaula.wordpress.com/ana-luisa-janeira/nota-biografica/
E para apreciarem um dos seus grandes projectos, visitem:
http://marcasdasciencias.fc.ul.pt/pagina/inicio
Conforme poderão constatar, o percurso desta autora contribuiu para nos enriquecer, enquanto portugueses.
Palavras como Ciência, Filosofia e Afecto, enquadram-se bem na definição da sua "viagem" pelo mundo e falar dela, será sempre perceber como podemos ser Positivos, não obstante os obstáculos que vamos encontrando na caminhada.
Nota Biográfica: Luís Filipe Maçarico; Fotografia: José Manuel Gema