"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

terça-feira, setembro 30, 2014

AVÓ TI MARIA PIRES

 

 Elas continuam vestidas de preto,
Como no poema de Eugénio.
As velhas da Beira Baixa
São girassóis nocturnos que se acendem
no sol da tarde.
Vultos gregos, oráculos, envoltos
numa caligrafia de nuvens...

Ti Pires tem uma memória prodigiosa,
cita nomes e lugares, momentos, 
numa mistura de factos 
que evaporam o tempo...

Elas continuam mergulhadas
em tecidos azeviche
Furtivos corvos na paisagem...

São ainda as musas de fotógrafos e escritores
As suas vozes ecoam
no vento da Gardunha.
São clarões de resistência, entre fraguedos.
Majestosas Deusas do silêncio.


Luís Filipe Maçarico 30-9-14

quinta-feira, setembro 11, 2014

A Tragédia da Rua dos Peixes Bicudos


Nini era filha de um guarda de passagem de nível, sem guarda, e de uma vendedeira de preservativos libelinha ( o prazer de um orgasmo com asas), escondidos entre marmelos e violetas, na canastra.
Um dia conheceu um mono, que estava morto sem saber, Mémé, da idade da sua filha Caló, que sofria de gases e ataques fulminantes, por causa de ser alérgica à Coca Cola, mas que não conseguia resistir a beber litradas daquele refrigerante, peidando-se, arregalando os olhos e vomitando chumaços de beatas lambidas nas fúrias.
Quando ficava possessa, Caló que queria ser Tójó, partia tudo o que tivesse à mão (ou ao pé).

Naquela noite os amantes desentenderam-se e Mémé aplicou um soquete na moleira de Nini, que uivou de dor. Caló estava por perto e reagiu. As goelas ficaram escancaradas a grunhir. Ouvia-se em Portimão e os pescadores tiveram de trazer os barcos para o cais, tais foram as vagas. na sequência da gritaria sobrenatural.
Umas fadistas castiças, que se preparavam para gargarejar saudades da lisboa antiga, perderam os xailes e as dentaduras, levados pela ventania de cromossomas perdidos, que irrompeu com a berraria intermitente.
O Rei dos Pipis foi empurrado, quando tentava servir uma mesa, que foi regada com sangue fresco.

Mémé fugiu para um autocarro vaivém.
A filha que quer ser filho e a mãe que esgotou as palavras simpáticas dos bêbados do bairro, tal é o pesadelo da sua aparição, foram com a ramona.
E o Rei dos Pipis seguiu no 112 para tratarem do lenho.

As cuscas ainda estão no banco das versões e a história (que parece real, que parece inventada) que vos contei, já tem tantos pontos que são mais que as mães os contos.

Esta é a Rua dos Peixes Bicudos. Como diz a vizinha do lado, janela com janela "já viu que não somos nada? Quem diria que o Rei dos Pipis havia de partir a cabeça esta noite?"

NOTA: Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

LFM (texto e fotos)

quarta-feira, setembro 03, 2014

Carta aos Serviços Sociais da CML


Exmos Senhores:

Tenho hesitado em responder à vossa correspondência, no sentido de filtrar a indignação e apenas reagir quando houvesse abrandamento do espanto...

Quando me remeteram uma primeira missiva (6-5-14), a qual recebi só em Junho e à beira de passar umas semanas em Alpedrinha, pois o meu correio está retido nos CTT (a sete paragens de autocarro, pois acabaram com o posto perto de casa), já não pude responder.

Lamento que desconheçam que há aposentados, que não podem ser formatados. Para meu bem estar espiritual, ainda bem que não me enquadro no vosso imaginário, sentado à espera das vossas drásticas decisões (mostrei a vossa carta à minha farmacêutica, que ficou surpreendida com a linguagem utilizada).

O facto de terem retirado os "benefícios", por não ter respondido de imediato, levou-me a fazer contas. E eu que não questionava a minha permanência, tomei a seguinte decisão:

Não contem mais comigo, pois um serviço de assistência médica, que exclui e ameaça, não merece a minha adesão.

Passem bem!

Luís Filipe Maçarico

(ex-utente de décadas 18502)



Texto e imagens de LFM