"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, julho 21, 2012

Arminda, Uala ni Angola Ku Muxima (Ela Tem Angola no Coração)

Álvaro Faria, jornalista da RTP acaba de lançar, o seu primeiro livro "Arminda Uala ni Angola Ku Muxima" ("Ela Tem Angola no Coração"), cuja protagonista é uma enfermeira, que enfrentou a opressão de um regime, que negava aos povos das colónias, liberdade, justiça e igualdade de oportunidades.
Presa pelas suas convicções, nunca esmoreceu, sendo um admirável exemplo de abnegação, em prol da luta dos oprimidos. O seu nome foi distinguido, pelos que guardam a memória dos feitos heróicos, designando o Instituto Médio de Saúde.
Esta história de vida está contada com fluidez, sensibilidade e uma riqueza de conteúdo, que testemunha a diversidade e complementaridade da recolha, no que concerne aos depoimentos e à abordagem dos factos históricos, dos costumes e atitudes, no contexto da época. O resultado é um livro que apetece ler, pois na sua aparente simplicidade, possui grande mestria, pelo humanismo que consegue transmitir.
Conheci-a há largos anos, durante uma das diversas visitas à irmã Alzira. Foi por intermédio da sobrinha Milai, filha de Alzira, que soube do festivo lançamento, na Casa de Angola, ontem, à tarde. Ali pude rever pessoas, com quem voltei a conviver, à volta de uma moamba, como é o caso dessa mulher luminosa, de seu nome Ana, que sempre me impressionou, pela serena capacidade de organizar e sonhar, certamente com a chancela do ADN daquela tia, de rubro sangue, rubro sentimento.
Arminda sempre se apresentou, como uma senhora tranquila, ciente dos seus ideais, defendendo, com argumentos convincentes, o bem estar desejado para o seu povo. É sempre uma felicidade e agora mais do que nunca, conversar com ela. Arminda fará em Novembro 93 anos!
No final da cerimónia, durante a longa sessão de autógrafos, Arminda sorriu, escrevendo a dedicatória "com simpatia", e Álvaro, no seu autógrafo destacou: "Sempre um prazer saber que te interessas pela causa social e comunitária".

Excertos da pág. 120: 
"-Sou a favor da liberdade, senhor doutor Juíz. 
 (...) - O seu pai não é branco? O seu pai é português e você conspira contra a integridade do Estado, a senhora pensa o quê? 
- Penso nos maltratados." in Arminda Uala ni Angola Ku Muxima,de Álvaro Manuel de Faria. Chiado Editora.
Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

quarta-feira, julho 18, 2012

Montejunto

Sexta feira 13 mandei - literalmente - a rotina às urtigas, tipo não apanhar mais pulgas, no autocarro 12 da Carris, nem ver o insistente e depauperante espectáculo, da dignidade mínima dos mais altos dignatários do Poder, batendo no fundo, impregnados que estão em escândalos recorrentes e transversais, os quais não escapam ao assobio e ao apodo popular, por vezes bem acintoso, como há semanas na Covilhã...

O destino paradisíaco, desta vez foi a serra de Montejunto e o abrigo, um edifício com genuína arquitectura mediterrânea, cuja fundação remonta ao século XII. Dormi numa cela de monge, mergulhei na transcendência, visitada por águias, nuvens e ventos e sabe-se lá quantos mistérios que a neblina guarda...

Costuma dizer-se que quando se fecha uma porta, abre-se uma janela...
O cosmos, após um início de semana tenebroso, proporcionou-me uma compensação harmoniosa, se é que posso transmitir assim a felicidade que senti.

Subi ao cume da serra, onde os climas do sul e do norte se apuram. 
Descobri os conventos, habitados pelo vento e pelo esquecimento. Rodeados de antenas, como outrora pelo silvado.
Ouvi o rumoroso silêncio daquele lugar.
Cá em baixo, procurei a Real Fábrica do Gelo e a paz, que a luz destes curtos dias me trouxe, não obstante algumas atitudes agressivas, de invasores do património, quando chamados à pedra. Porém, não tiveram peso para toldar o encantamento com a Natureza.
A Poesia apareceu. 
E a nova semana começou com mais energia.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)


quinta-feira, julho 12, 2012

Jorge Rua de Carvalho. A Partida de Um Grande Senhor

Fotografia de António Brito

O criador de tantas delícias,- representações das brincadeiras do tempo da sua infância (Anos 20-30), dos pregões da Lisboa Antiga, de letras para fados, textos para revista à portuguesa, etc., partiu, ao fim de anos de sofrimento, que poderiam ter sido minorados se neste país não dominasse a injustiça que deixa os mais carenciados entregues à sua sorte. Honra seja feita à sua família, que cuidou dele até ao fim, enfrentando todos os obstáculos, decorrentes da falta de apoios a quem tem pouco.

A exposição dos seus "bonecos", que percorreu o país, (estivemos ao seu lado, em Alpedrinha, e nas Jornadas de Cultura Saloia em Loures), encontra-se à guarda da Junta de Freguesia dos Prazeres, por vontade deste Grande Homem, que por todo o lado marcou, com a sua presença sensível e amistosa, a alma portuguesa, no que este povo tem de melhor: inventivo, fraterno, espirituoso. Esperemos que, a concretizar-se a projectada mudança de freguesias, esta obra não seja votada ao abandono, como costuma acontecer com aqueles políticos que não conhecendo o historial, desprezam estas coisas, por ignorância e falta de sensibilidade.

Vimo-lo nas Bibliotecas Municipais de Lisboa, apresentando às crianças, os seus meninos de madeira ou as míticas figuras que vendiam víveres na cidade, noutras épocas, executados em madeira, com desmedido carinho.

Associativista, homenageado pela Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, na 2ª metade da década de 90, foi actor do teatro de amadores, representando em palcos de colectividades, fazendo rir os que têm poucos recursos.

Associado do Grupo Dramático e Escolar "Os Combatentes" e seu antigo dirigente, deixa em várias gerações a marca de um Senhor, que soube conviver e partilhar a sua boa disposição, a sua sabedoria, a sua arte, traduzida em livros de contos e poesia, que retratam a vida nos pátios, cujos protagonistas são as classes laboriosas, com as suas alegrias e tristezas.

Fundador da Associação do Espaço e Património Popular, Aldraba, este cidadão participativo, solidarizou-se com o esforço dos que pugnam pela salvaguarda da identidade e do património, sendo membro activo nas Assembleias Gerais, em Encontros (no Alqueva, p.ex.), deixando por isso uma enorme admiração e saudade.

Querido Jorge: Onde quer que o teu espírito se encontre, recebe a gratidão dos que te devem tantos sinais de amizade, tanto estímulo, tanto entusiasmo, essa maravilhosa energia que te fez viver intensamente. 
Não te esqueceremos!
BEM HAJAS!
Luís Filipe Maçarico

terça-feira, julho 10, 2012

A Inveja Tem Facebook*



Tenho de admitir que alguma importância terá, a minha pegada neste mundo. 
Os cursos concluídos com trabalho exigente, as classificações de que me orgulho, obtidas com esforço e dedicação, a cultura que faz a diferença entre a barbárie e a civilização, o percurso, de aprendizagem e luta, a escrita e a investigação, as viagens, os sonhos, o espírito crítico, a partilha, tudo isso irrita uma gentalha frustrada, arrogante e malévola, que se compraz a tentar denegrir a existência dos que não são medíocres e marcam à sua passagem, o território espiritual, com a sua criatividade, fraternidade e amor à vida.

Por várias vezes fui alvo destes inimigos, que o são de todos aqueles que constroem.
Um destes dias, uma foto minha apareceu numa página do Facebook, repleta de insultos. 
Tomei de imediato as medidas adequadas, que um caso destes requer. 
Entretanto, e apesar de considerar a Liberdade um valor supremo, decidi não proporcionar a toda a gente as páginas da Internet, que assino. Os carrascos da Liberdade pensam que podem espalhar, impunemente, o seu rasto de pesadelo...
Espero que as autoridades actuem, face a estes predadores da identidade, que procuram manchar e anular a caminhada, dos que não se resignam a uma vida de rato assustado. 
Bandidos, que se disfarçam com um anonimato conspurcador. Não me metem medo!

Por outro lado, também estou seguro, que o cosmos dará retorno, a todos os seus gestos. 
Com toda a certeza, estes malfeitores pagarão bem caro o veneno, que se comprazem a destilar no covil.
 
Leitores: Tenham pois cuidado com este vampirismo. Se vos suceder algo semelhante, denunciem a quem de direito. Os javardos precisam de ser metidos no curral.
LFM (texto e foto) * Frase de uma amiga, que assim comentou o ocorrido.

domingo, julho 08, 2012

Requiem pela Zambujeira do Mar

Depois de umas férias, com colegas do trabalho (anos 80), em que o Verão era fruído, em colectivo, numa casa de onde se escutava o mar, rente à falésia, após diversas passagens de ano e várias escapadelas, a Zambujeira deixou de me encantar, apesar de continuar linda, ao crepúsculo.
                                      
Da última vez que ali pernoitei com um grupo, a morada era outra, no meio da vila, funcional, mas com um imenso senão - nas traseiras, havia um bar/discoteca que vomitava, ao longo da noite, pessoal burbulhento aos gritos, na euforia que os primeiros vapores de álcool causam aos adolescentes.

Queixei-me à velha locatária, dona de um mini mercado, que suponho deu lugar a uma loja chinesa, pois ou está num lar, ou deu-lhe o badagaio and the show business must go on.
A mulher quase nem me deixou acabar, reagindo com uma desfaçatez que me tirou do sério: "Ah vocês querem ter o desenvolvimento na cidade e nós no atraso?"
"Ó minha senhora se isto é desenvolvimento, eu não volto a ficar aqui mais!"  
Apenas regressei para matar saudades do senhor Rita, do seu café-restaurante e da paisagem. A velha vivia certamente num monte, resguardada dos altos decibéis que tanto me incomodam. Deve ter sucumbido de tédio, por não poder ter quinze anos, para poder apanhar uma tosga colossal e berrar, até ser ouvida em Marraquexe.

A Costa Vicentina foi mais que um postal ilustrado: era genuína, um pouco selvagem. E eu pude mergulhar nas suas águas e sulcar as suas dunas.
Muita coisa mudou. Mesmo que este ano, a Quercus lhe tenha atribuído a distinção de praia das águas de ouro, o trauma ficou. Já não sou adepto do sítio, tendo em conta a mentalidade da qual a velha desta história Sur(real) foi mensageira.




O meu eterno desejo de fruir paraísos é o oxigénio dos meus sonhos.
Continuarei a procurá-los.

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)


Odeceixe: Uma Fauna Ruidosa

Até nas férias conseguimos ter um retrato do país. 
Os comportamentos revelam a cultura (ou a falta dela) do povo.
Em Odeceixe, freguesia do concelho de Aljezur, onde descanso há vários anos, uma parte dos veraneantes - sobretudo mais novos - têm um costume, que importa registar: bater com as portas, em vez de as fechar, quando saiem do quarto da residencial, ou quando reentram. 
Nada de procurarem evitar incomodar os outros, agarrando levemente na maçaneta enquanto fecham a porta à chave. 
O ruído está-lhes no ADN - falar alto, deixarem um rasto estrondoso é a sua marca.
Os rebentos já os imitam. Ontem assisti ao desapontamento de uma rapariga, que veio à recepção lamentar que uns miúdos tivessem feito do corredor estádio, impedindo-a de repousar...
Olha-se para esta fauna e topa-se que a formatação para o stress os acompanha em tudo - no comer, no conduzir, na forma de estar.
A mesma ansiedade que os leva à Azenha do Mar, no intuito de comer marisco, porque ouviram dizer que ali não sei quê... perguntando constantemente se falta muito, para poderem deglutir os bichos (na Azenha é costume fazermos uma inscrição, aguardando na esplanada, entre cervejas, petiscos, conversas e o entardecer, uma hora ou uma hora e meia, pelo lugar à mesa)...


Os Coelhos, os Portas e os Relvas não desempenham o seu papel por acaso...mesmo que esta gente jure a pés juntos que não votou neles, a verdade é que o grotesco de uns e outros confunde-se e reflecte-se no espelho que é o quotidiano, mesmo quando só alguns vão de férias. (Ontem, regressei  num expresso que trazia apenas, nesta altura do ano, dezassete pessoas...)

Apetece citar O'Neill:

ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato! 

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)