"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

sábado, dezembro 08, 2018

PRÉ-PUBLICAÇÃO DE ARTIGO PARA A SEGUNDA REVISTA DA CASA DO ALENTEJO QUE ELABOREI COM ROSA CALADO




DE QUE FALAMOS, QUANDO FALAMOS DO ALENTEJO?

Do Alentejo, dizem estatísticas recentes, sai todos os dias uma dezena de habitantes.

Continuará a ser assim?

Que fazem as autarquias - permitam-me a pertinência da pergunta - para estancar esta sangria demográfica?

Apesar dos constrangimentos económicos, com que as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia se confrontam, desde a pressão junto do Governo até à atribuição de benefícios fiscais, incentivos à natalidade e à fixação de jovens, que medidas para apoiar a população residente, designadamente na criação de emprego, têm apresentado ( e desenvolvido) os autarcas? E no sentido da esperada regionalização, que mais passos poderão ser dados?

Só gerir o dia - a - dia, afigura-se pouco. A criatividade de quem governa o território, nas diversas escalas é urgente.



Na comunicação social, o Alentejo genuíno passa despercebido, como aconteceu no caso de Pias, que habitualmente celebra a sua Festa Rija, no derradeiro fim - de - semana de Agosto.

O cortejo etnográfico deste ano, com quase quarenta carros alegóricos, apareceu numa vertigem visual, sendo dado enorme relevo ao artista que encabeçava o cartaz dos espectáculos.

Para alguns, o Alentejo continua a ser cenário e as suas gentes ignoradas, mantendo-se uma espécie de estigma, que vem de longe, quando articulistas do estado novo consideravam esta região do país desinteressante…

O prodigioso cortejo, onde se evidenciam profissões e tradições extintas e a alma de um Povo, no que tem de grandioso, não interessam às televisões, que menorizam aqueles que, com o seu esforço, contribuem para que Portugal continue a ser um lugar, onde se viva com dignidade.



Vão do Alentejo para a Beira Baixa, os Chocalheiros de Ficalho, sendo talvez a principal atracção da Festa dos Chocalhos, em Alpedrinha, uma festa inventada, que evoca os caminhos da transumância dos grandes rebanhos, que demandavam no sul a alternativa de pastos, que a invernia gelava na Estrela.

Perto desta localidade, em Póvoa de Atalaia, nasceu o Poeta Eugénio de Andrade, que afirmou nos seus escritos tratar-se de um lugar que prolongava o Alentejo.

No desfile festivo, pelas ruas de Alpedrinha, freguesia do concelho do Fundão, onde durante o terceiro fim - de - semana de Setembro, se revivem antigas tradições e se reflectem aspectos das vivências pastoris e de uma ruralidade residual, nos costumes, gestos e comportamentos quotidianos, “contaminados” pela mentalidade urbana (tornou-se usual o karaoke e dançar ao som da selecção de DiskJokey), o sul marca uma forte presença simbólica, através da performance de homens de antanho, habituados a trabalhar a terra e a celebrar a Vida, debaixo de um clima impiedoso.



Entretanto, Évora homenageou o escultor Cutileiro, expondo a magnífica obra deste artista, que exalta o Alentejo, em poemas de pedra, na beleza de uma escrita de amor, derramada no mármore de figuras eternas, que povoam cidades, adornadas com cerâmicas e esculturas felizes.

Évora, cidade aberta ao Mundo, será sempre um lugar luminoso, para as suas mãos criativas. Évora, através de Cutileiro, exprime o melhor que o Alentejo tem.



Dizia a poetisa “Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos ignorar”.

A monstruosidade do “arranque de milhões de árvores, a maioria centenárias mas também milenares” (Público, 21-9-2018, página 21), foi consumada sem evidente oposição popular ou política. Se existiram posições opostas, foram alvo de censura nos meios de comunicação social e nunca chegaram à opinião pública.

Por todo o lado (já alastrou à região de Santarém) a oliveira arbusto, de cultivo intenso, em nome de maior produção de azeite, ocupa desmesurado espaço. Todavia, o ministro da Agricultura, afirma que “não há olival a mais” (Público, 17/9/2018, página 19).

Os investigadores asseguram que esta cultura intensiva mata a biodiversidade

Depois do facto consumado, que ocorreu perante o silêncio de algumas autoridades, constatámos notícias, que fazem eco das preocupações de ecologistas e das abordagens de alguns eleitos, como é o caso das declarações de um deputado, exigindo “que os rótulos do azeite indiquem a sua origem e sistema produtivo” (Público, 21-9-2018, p. 21) ou do Presidente da Câmara Municipal de Serpa, Tomé Pires, que se mostrou apreensivo com “a ausência de regulação na gestão do território sob influência do Alqueva”, desconhecendo “qual o tipo de monitorização” no impacto das culturas intensivas na biodiversidade e no ambiente” (Ibidem, 6-10-2018, pp. 16-17)

A própria Assembleia Municipal de Serpa, aprovou uma moção, alertando para a falta de um plano de desenvolvimento agrícola para a região (…), cuja gestão de território se encontra na “dependência de centros de decisão longe do país (…) havendo um uso excessivo de fungicidas, herbicidas, insecticidas e fertilizantes (…) com a consequente morte da biodiversidade e saturação dos solos”, tudo através de trabalho precário, sem direitos (Ibidem).



De que falamos, quando falamos do Alentejo?

O “celeiro da Nação”, repetido no cante, os trigais da juventude dos nossos anciãos, como que se evaporaram.

O azeite produzido por oliveiras que eram verdadeiramente monumentos da Natureza, é agora conseguido, à custa dos produtos fito - farmacêuticos (designação actual para os pesticidas e demais químicos) e a existência do tão ansiado Alqueva, que novas realidades revela?

Quando falamos do Alentejo, que campos são estes, afinal, que vislumbramos, quando saímos de Lisboa à procura do paraíso, com horizontes desmedidos e um silêncio repousante, idealizado com o colorido coro da passarada?

A manipulação desenfreada deste capitalismo (não tenhamos medo de chamar os bois pelos nomes), sem escala humana, está a transformar muita coisa.

Parece que para pior.



Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

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