Eunice Muñoz, entrevistada para a revista "Alentejo" (Junho de 2019)
Eunice Muñoz recebeu-nos em sua casa,
acompanhada por seu filho António, proporcionando ambos uma conversa cordial,
que transcrevemos para a fruição dos leitores alentejanos, e para que possam
conhecer um pouco da existência desta grande
senhora do teatro português, que nasceu no concelho de Moura.
Começámos por perguntar que sentimentos o
Alentejo desperta em Eunice. A resposta foi espontânea: “Desperta os meus
sentimentos. Tenho uma alegria sincera por ter nascido naquela região:
Amareleja. Baixo Alentejo.”
Que circunstâncias fizeram com que
nascesse na Amareleja?
“A paixão que já vem dos meus avós
maternos que não eram alentejanos, mas que tinham uma verdadeira paixão pelo
Alentejo e, nessa medida,
o meu avô materno comprou uma casinha na Amareleja. Nasci lá, porque a minha
mãe estava a viver com os pais. Nasci em casa dos meus avós. “
Que memória a actriz Eunice Muñoz tem do
público alentejano?
“Eu estive sempre perto, porque os meus
pais tiveram um teatro desmontável. Acompanhei as reacções do público
alentejano desde sempre, e sempre senti que eles
tinham uma grande sensibilidade (ao teatro).” E António recordou “A mãe tem
representações em Portalegre, com peças do José Régio, sentado a assistir”
Fez o ensino primário no Alentejo?
“Nós tivemos, depois de eu nascer os meus
pais tiveram uma companhia itinerante. Fiz a escola primária, como deve
calcular, em vários sítios. Mas acabo a primária em Coimbra.”
Como aconteceu o Teatro na sua vida?
“Os tios, as tias eram todos actores. Os
meus avós maternos eram actores também. Tinha cinco anos a primeira vez que
entrei numa peça. Eu nunca tive outra coisa senão o teatro. Era o sítio onde eu
quando era criança, depois do espectáculo, ia contar o dinheiro da bilheteira
com o meu pai.”
António, filho de Eunice contextualizou:
“Era a Companhia Carmo (dos avós maternos e do avô Muñoz. A outra companhia
itinerante de teatro era a Rafael Oliveira, pai do Camilo de Oliveira. Os meus
bisavós montavam um teatro (tenda). Chegavam aos sítios onde não há mesmo
teatro”. E mais adiante, lembrou que sua mãe “teve notas brilhantes no
Conservatório. Entrou aos catorze anos (nasce em 28) O Curso durou três anos.”
Eunice evocou os seus professores, com simpatia: “Assis Pacheco, Samuel Dinis,
Maria Matos, Alves da Cunha”
Com quem representou ao longo da vida?
“Actores que são todos da minha geração”
começa por responder. Mas faz questão de destacar o nome de um actor mais novo:
“Diogo Infante, por quem tenho uma profunda admiração, porque tenho uma grande
ligação de amizade.”
Tal como a terra
onde nasceu - aquele território do sul onde o
clima molda os seres humanos - Eunice evidencia
uma personalidade que não se perde em floreados, sem deixar de ser afectiva. O
gosto pela síntese faz parte do seu ADN. As palavras são genuínas, não precisa
de pensar muito, são respostas sentidas. Eunice neste bastidor que é o espelho
dos seus dias fora do palco expõe serenamente o que pensa, descrevendo o que a
tornou na pessoa que é.
Continuamos a falar do Teatro. Perguntamos
que encenadores a marcaram.
“Os encenadores são mais importantes. São
aqueles que nos orientam e portanto são indispensáveis. Tenho ligação com
muitos deles. João Perry, João Lourenço, Carlos Avilez, o próprio Diogo
Infante, o João Mota, Filipe La Féria.”
António acrescenta outros nomes que lhe
ocorrem: “Estevão Amarante e Vasco Santana encenaram a mãe.”
Quais as peças da sua vida?
“A Mãe Coragem”, “O Ano do Pensamento
Mágico”, “Caminho para Meca”, “Zerlina”.
António relembra que Eunice “Tem relação
muito forte com o Porto. Estreou-se aos quinze anos no Porto, no Teatro Sá da
Bandeira, com Maria Matos. E aos treze anos no D. Maria.”
No cinema, que filmes gostou mais de fazer
e quais os realizadores mais importantes?
“Gostei muito de fazer cinema. Mas de
qualquer modo não é propriamente a minha direcção a nível de sensibilidade. O
homem com quem mais gostei de fazer cinema foi com Leitão de Barros.”
António revela: “Chegou a estrear dois,
três filmes ao mesmo tempo em Lisboa”, um deles era o “Homem do Ribatejo”. E
lembra o Prémio Revelação pelo desempenho - aos dezasseis anos - no emblemático
“Camões”, cujo elenco tinha António Vilar, Igrejas Caeiro, Vasco Santana, João
Villaret e Carmen Dolores, entre outros.
Com imenso orgulho, António sublinha que
sua mãe teve uma “vida muito cheia”.
Prosseguimos com a entrevista, agradados
com a receptividade. É altura de questionar sobre a importância das novelas
televisivas. Se tornaram a artista mais conhecida de um público mais vasto.
Relembramos o papel de D. Branca, que foi tão comentado por todo o lado…
“É verdade. “A Banqueira do Povo”. O Diogo
e a Alexandra Lencastre estrearam-se em novelas”, contracenando com Eunice
Muñoz.
Qual a influência da Comunicação Social na
sua carreira?
Eunice: “Muito importante”.
António: “O que de facto promovia muito o
trabalho da minha mãe era o teatro televisivo. A Flama fez capa de revista.
Havia críticas de teatro no “Diário de Lisboa” “A Capital”, “Diário Popular” e
os quiosques vendiam revistas em Lisboa e Porto…”
Como aconteceu a Poesia de Florbela
gravada com a sua voz?
“A Poesia tem um grande peso para mim. As
várias vezes que eu tenho tido oportunidade de dizer poesia é para mim um
alimento muito profundo. Estar em contacto com os grandes poetas. Temos enormes
poetas. E é um prazer muito grande dizê-los. Já nem sei…sempre tive uma grande
paixão pela poesia da Florbela e aproveitei a oportunidade.”
Eunice também gravou poemas de Camões,
Pessoa, Eugénio de Andrade, Ruy Belo, António Nobre e Guerra Junqueiro.
Como vê o Futuro?
“Esperançada. Há jovens actores com
talento. Há jovens directores com talento. Tenho a minha neta Lídia. É uma
jovem actriz em quem deposito muitas esperanças, porque tem talento e estou
certa que vai fazer uma boa carreira.”
Homenageada por várias instituições, como
a Voz do Operário e Universidade de Évora onde recebeu o doutoramento “honoris
causa”, com Rui de Carvalho, Eunice Muñoz foi condecorada recentemente pelo
Presidente da República, tendo celebrado os seus noventa anos na Casa do
Alentejo.
Antes de nos despedirmos e depois de
termos falado sobre tantas coisas boas que enriqueceram a caminhada, porque
outros tempos houve menos livres, perguntamos como sentiu o problema da censura
durante o Estado Novo?
“A Censura foi um elemento destruidor das
carreiras da minha geração. Na medida em que houve vários autores impossíveis
de representar!”
Na tarde primaveril deste encontro, em
casa de Eunice, na acolhedora vila de Paço de Arcos, os vocábulos tiveram um
brilho especial. Uma vida assim vivida e recordada enriquece o Alentejo e todos
aqueles que gostam da Arte de Molière, aplaudindo actores que, como Eunice,
representam personagens semelhantes a nós, com ideais, sonhos, regozijos e
desencantos, respirando nas ruas das cidades e aldeias, em busca de uma vida
repleta de estórias e futuro.
Luís Filipe Maçarico e Rosa Calado
Colaboração de Ana Isabel Veiga
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