"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, novembro 08, 2004

Os Ladrões de Sonhos, Nietzsche e Walt Whitman

Apetece-me criar algo de novo.Não falo em escrever um poema, que isso é como o ar que respiro- indispensável.
Refiro-me a qualquer coisa que não tenha mácula, desconfiança, podridão.Uma ideia para partilhar, uma aventura,um projecto, uma associação.
Infelizmente certos indivíduos vão estragando o mundo, a amizade, a esperança, há ladrões de sonhos a sorrir-nos, para proceder ao assalto e enquanto sorriem apunhalam-nos pelas costas, num gesto certeiro e tentam convencer os outros que nós é que somos os maus da fita.É uma velha técnica que tem as suas estrelas: Judas é um expoente, mas há muitos, são reconhecíveis na política,onde proliferam e em tertúlias literárias, só para citar dois exemplos.Mas também os há nos empregos, nas escolas, na vizinhança. Senão, como era possível termos o belo governo que nos desgoverna?
Caliméricos, muitos portugueses fazem-se tolinhos, não têm culpa de nada, mas alguém os pôs lá e esse alguém são milhares que querem desenfreadamente protagonizar a comédia oportunista a que julgam ter direito. No 1º de Maio de 1974 era quase tudo de esquerda, mas chegados aqui,as palavras solidárias de muitos desses são apenas pó de arroz com que disfarçam a alergia a um mundo mais respirável.
Estou farto de conhecer gente assim, que engana meio mundo com a conversa da treta.
Por isso anseio por um grupo de companheiros de sonho que não esteja atolado em qualquer lamaçal, que não se queira amamentar com dinheiros alheios, que não pretenda fazer do associativismo fábricas de curriculuns e empregos, que não se atreva a pactuar com os detentores do poder, para repararem em si e lhe darem uma migalha, quiçá um emprego ou um cargo autárquico, enfim, o usufruto do pequeno poder que transforma o verme em vómito, sem retorno.
Imagino um território mental, onde o coração possa sentir o que Nietzche escreveu um dia: "Quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece!"
Que o discípulo seja o Homem e a sua experiência, e o Mestre, o Caminho e o caminho seja a existência. Uma vida que se anseia partilhar, tornando o quotidiano suportável, longe dos assassinos de sonhos, dos vampiros de ideias, dos plagiadores de luz, dos fantasmas da nossa esperança.
Apetece-me criar algo de novo, e sei que a corrente, a energia, a vontade é mais poderosa do que a angústia de uma derrota momentânea.
Saúdo-te, ó coisa nova que vais nascer, não do pensamento totalitário e egoísta de um frustrado, gerado nos dedos de Moebius,mas das mãos dadas e das almas unidas de tantos que não suportam o lixo das palavras dos falsos fazedores de alegria.
Apetece-me criar algo de novo com vocês que sentem estas palavras e não têm compromissos com ninguém, não precisam de retratos nem artigos a louvaminhar-vos,nem de livros, nem discursatas, diplomas a conferir-vos talento,nem de aplausos comprados.
Apetece-me criar algo de novo com aqueles que têm coragemde dar a cara, de discordar, de dizer não, de lutar.
A fingidez e a paz podre dos pântanos não nos interessa. Como diria Walt Whitman, vamos pela estrada larga, vamos desbravar o futuro desconhecido, o duro futuro do futuro, vamos semear futuro e alimentarmo-nos das surpresas desse futuro e rasgar em mil bocados o passado fedorento onde os perfumados malfeitores de fraque ficarão na sua carnívora jangada de tédio.
Salvé Futuro, salvé ó tu, visão nova de tantos que não se revêem no caco espatifado da maioria.
"I dream in a dream!" (Walt Whitman)

2 comentários:

Francisco disse...

Caro amigo

Tens cota parte da culpa de te desafiar a ler um pequeno texto "Queria tanto" in http://riachos-e-margaridas.blogspot.com/, que sinto dar resposta ao desafio que fazes.

Podem roubar sonhos, mas sonharemos todos os dias. Se não nós, outros , mesmos insuspeitados.

Margarida Bonvalot disse...

E "pelo sonho é que vamos". Algures, por aí, ainda haverá um lugar para os que, como nós, confiam no outro, sem reservas. E querem de verdade não depender de nada nem de ninguém, nem ganhar o tal protagonismo comprado a peso de consciências. O nosso projecto colectivo terá pés para andar, apesar das diferenças, aceites desde o início. Porque é talvez nas diferenças que resida a capacidade de continuar a sonhar.