"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, novembro 17, 2010

Santa Camarão distinguido como um dos 100 Desportistas dos 100 Anos da República pela Confederação do Desporto de Portugal






Acabei de chegar do Casino Estoril...
Isto dito assim até parece uma contradição com o que é costume escrever neste espaço e com a minha postura quotidiana.
Mas descansem que a minha ida ao Casino não é aquilo que parece...

Há umas semanas atrás e na minha qualidade de membro do Conselho Nacional, respondi a um pedido da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura Recreio e Desporto (CPCCRD), no sentido de corresponder a uma solicitação da Confederação do Desporto de Portugal, que pedia sugestões de nomes para a iniciativa "Cem Desportistas, Cem Anos da República".

Propûs então que fosse incluído na lista de nomeados, José Soares Santa - "Santa Camarão", e a verdade é que na noite de 16 de Novembro de 2010, durante a 15ª Gala do Desporto, efectuada no Casino Estoril, tive a honra e o privilégio, em representação da CPCCRD, de receber a distinção que a Confederação do Desporto de Portugal atribuiu ao atleta de Ovar.

Foi emocionante estar ali, graças a José Soares Santa, com os maiores do desporto nacional e as jovens promessas, como João Silva (triatlo), atleta do ano, a quem ofereci um exemplar de "Com o Mundo nos Punhos", exortando-o a manter a sua espontaneidade e augurando-lhe uma longa e profícua carreira.

No palco, entre outros, estiveram Carlos Lopes, Fernando Gomes, Fernando Mamede, Georgete Duarte, João Garcia, João Pina, Mário Gonzaga Ribeiro, Mário Moniz Pereira Naide Gomes, Nuno Delgado, Rosa Mota, Telma Monteiro, Vítor Baía e Artur Agostinho.

A CPCCRD através de uma delegação, em breve, fará chegar a distinção à terra natal de "Santa Camarão"- Ovar, porque quer o diploma, quer a placa, apresentam o nome do nosso herói trocado, lapso que será certamente corrigido.

Enquanto biógrafo do lendário desportista, - consagrado na 15ª Gala do Desporto Português, como um dos 100 melhores dos 100 anos da República, - eu fui apenas aquele que recebeu, durante a cerimónia, o diploma e a placa evocativos, entretanto entregues à Confederação das Colectividades para os devidos efeitos.

Durante a sessão, acompanhada pela RTP, foram ainda distinguidos, Albertina Dias, Artur Jorge, Eusébio, Cristiano Ronaldo, Fernanda Ribeiro, Luís Figo, Manuela Machado, José Mourinho, Nélson Évora, Vanessa Fernandes e velhas glórias como Alves Barbosa, António Livramento, Jesus Correia, José Maria Nicolau, José Maria Pedroto, Mário Coluna e Joaquim Agostinho.

E aqui está o texto, enviado à Confederação do Desporto de Portugal e que mereceu o reconhecimento prestado, no Casino do Estoril, a um herói do boxe e do povo:



JOSÉ SOARES SANTA (“SANTA CAMARÃO”)

No dia 25 de Dezembro de 1902, nasceu uma figura ímpar do desporto português: José Santa “Camarão”, pugilista de renome, que durante sete anos foi campeão nacional de todas as categorias, entre os anos vinte e trinta.

Fragateiro em Lisboa, desde os dezanove anos de idade, este beirão, natural de Ovar, media 2 metros e 2 centímetros e calçava 49,5 podendo ser apreciado, no museu da cidade vareira, algum do seu espólio.

Em 1930 integrou o elenco do filme alemão “Amor no Ringue”, com Max Schmeling, campeão mundial de boxe, com quem contracenou, tendo Artur Duarte participado como seu manager.

Os diálogos entre os dois foram gravados em português, tendo sido nesta película que a nossa língua foi falada pela primeira vez na 7ª arte.

Depois da Europa e do Brasil, na primeira metade da década de 30 do século XX, Santa “Camarão” permaneceu nos Estados Unidos, onde combateu com os futuros campeões mundiais Primo Carnera e Max Baer. Na América participou na película “O Boxeur e a Mulher”, com aqueles dois famosos pugilistas...

Referindo-se ao seu percurso, o escritor João Sarabando notou que a correcção, a lealdade e a grandeza dos gestos fraternos e proverbiais deste homem simples terão contribuído para celebrizar uma figura de atleta vitorioso, que os orientadores da sua carreira exploraram, ao ponto de um deles, segundo consta, o ter envenenado para que perdesse diante de um adversário de categoria inferior.

O seu nome era um chamariz que atraía multidões para o ver lutar nos ringues contra os grandes desse tempo.

O imaginário popular assimilou a sua história lendária em versos que os ceguinhos cantaram pelas ruas e os jornais exaltaram.

Na memória de muitos ovarenses, José Santa (Camarão era alcunha) permanece, não só pela glória, enquanto desportista, mas também pela lembrança do convívio, que manteve com os seus conterrâneos, entre 1934 e 1968, ano da sua morte.

Efectivamente, José Soares Santa continua a ser recordado pela integração efusiva nos carnavais da sua terra, pela participação cívica, nas colectividades e pela vivência colectiva, partilhada nos momentos alegres e tristes, da comunidade vareira.

Na última década, e na sequência do centenário do seu nascimento, a cidade de Lisboa consagrou-o na sua Toponímia, Odivelas evocou-o num colóquio, Aveiro assistiu à cerimónia onde o Governo Português lhe atribuiu a medalha de mérito desportivo, a par da homenagem que Ovar lhe prestou, com uma exposição na Biblioteca Municipal e a inauguração de uma estátua de Emerenciano.

Recordá-lo, é combater a ignorância e o esquecimento, acerca de um cidadão e desportista notável, que se destacou pela qualidade e categoria do seu desempenho, enquanto boxeur e ser humano.

LUÍS FILIPE MAÇARICO

(Mestre em Antropologia, pelo ISCTE, autor da tese “Os Processos de Construção de um Herói do Imaginário Popular: O Caso de Santa Camarão”; Biógrafo daquele pugilista, através da obra “Com o Mundo nos Punhos”; Técnico Superior da Câmara Municipal de Lisboa - Desporto)

Texto: LFM Fotografias: LFM e Ângelo Santos.

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