"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, novembro 15, 2010

IRENE LISBOA



Irene Lisboa acompanhou-me na adolescência e marcou-me, pois também eu tive uma infância solitária e um crescimento onde a inadaptação a este mundo permaneceu ao longo da vida. Todavia, Irene Lisboa chega a este blogue apenas hoje.

O meu regresso recente à Arruda dos Vinhos, concelho onde nasceu e que lhe dedicou um Museu em Arranhó, tornou urgente esta partilha e peço-vos que sigam o seu rasto luminoso e melancólico, pois a sua obra, graças a Paula Morão foi reeditada. Aqui fica uma brevíssima selecção de poemas (lidos em diversos espaços da Net), com uma biografia e a bibliografia, recolhidas na Wikipédia.

O esquecimento a que foi votada esta magnífica escritora é injusto e trazê-la a esta página é uma forma de dar vida às suas palavras, evocando esta autora que colaborou na Seara Nova e que por ser uma mulher inteligente e livre, foi perseguida pelo regime fascista de Salazar.

POEMA UM DE PEQUENOS POEMAS MENTAIS

Quem não sai de sua casa,

não atravessa montes nem vales,

não vê eiras

nem mulheres de infusa,

nem homens de mangual em riste, suados,

quem vive como a aranha no seu redondel

cria mil olhos para nada.

Mil olhos!

Implacáveis.

E hoje diz: odeio.

Ontem diria: amo.

Mas odeia, odeia com indômitos ódios.

E se se aplaca, como acha o tempo pobre!

E a liberdade inútil,

inútil e vã,

riqueza de miseráveis.


OUTRO DIA

O melro canta,
e já quase me é indiferente…
Mas sempre é uma voz
que se distingue,
aflautada e fresca,
entre os ruídos ingratos
da manhã:
pregões de jornais,
apitos, carros…
Um vapor parte;
ouve-se aquela sua zoada
sem timbre,
soprada e grave,
falha de harmonia…
Melro, canta!
Tenho o coração murcho
e triste…


NOVA, NOVA, NOVA, NOVA!

Não era a minha alma que eu queria ter.
Esta alma já feita, com seu toque de sofrimento
E de resignação, sem pureza nem afoiteza.

Queria ter uma alma nova.
Decidida, capaz de tudo ousar.
Nunca esta que tanto conheço, compassiva,
torturada, de trazer por casa.
A alma que eu queria ter e devia ter...
Era uma alma asselvajada, impoluta, nova, nova
nova, nova!

CHUVA
Chuva nos vidros.
Nada, chuva nos vidros!
Espaçadas, casuais, agudas, oblíquas agulhadas.
Chuva que se anuncia, que apenas se anuncia.
Pingas que vão secando. Se vão arredondando,
tornando imateriais e invisíveis.
Vagas coisas. Como quê?
Como as coisas da minha vida.
Nem já chuva nos vidros...
Já não se vêem os sinais.

JEITO DE ESCREVER

Não sei que diga.

E a quem o dizer?

Não sei que pense.

Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.

Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...

Seja do que for ou do que fosse.

Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.

Ralos serão?

Horas da noite.

Noite começada ou adiantada, noite.

Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.

Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.

No tempo vago...

Ele vago e eu sem amparo.

Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das

horas. Mortas!

E por mais não ter que relatar me cerro.

Expressão antiga, epistolar: me cerro.

Tão grato é o velho, inopinado e novo.

Me cerro!

Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,

solta a outra, de pena expectante.

Uma que agarra, a outra que espera...

Ó ilusão!

E tudo acabou, acaba.

Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

Silêncio.

Nem pássaros já, noite morta.

Me cerro.

Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e

solidão.

Da indiferença.

Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.

Noite vasta e contínua, caminha, caminha.

Alonga-te.

A ribeira acordou.

Irene Lisboa



BIOGRAFIA

Irene do Céu Vieira Lisboa nasceu na Quinta da Murzinheira, freguesia de Arranhó, concelho de Arruda dos Vinhos, no dia 25 de Dezembro de 1892.

Foi escritora, professora e pedagoga.

Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa, depois continuou os estudos na Suíça, França e Bélgica, onde se especializou em Ciências de Educação, o que a habilitou a escrever várias obras sobre assuntos pedagógicos.

Durante a estadia em Genebra, mercê de uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, teve a oportunidade de conhecer Jean Piaget e Édouard Claparède, com quem estudou.

Começou a vida profissional como professora da educação infantil.

Em 1932 recebeu o cargo de Inspectora Orientadora do ensino primário e infantil.

Como destaca Rogério Fernandes: «o programa de tal departamento desenhado por Irene Lisboa, reformulava de alto a baixo as funções de um órgão estatal até aí consagrado exclusivamente ao controlo ideológico, administrativo e disciplinar dos docentes.» Eis a razão porque Irene Lisboa foi afastada do cargo, primeiro para funções burocráticas – foi nomeada para o Instituto de Alta Cultura – e depois, em 1940, definitivamente afastada do Ministério da Educação e de todos os cargos oficiais, por recusar um lugar em Braga. Na verdade, foi uma forma de exílio para uma pedagoga incómoda pelas suas ideias avançadas.

Irene Lisboa dedicou-se por completo à produção literária e às publicações pedagógicas.

No entanto não foi livre na expressão dos seus pensamentos. «Restavam-lhe a imprensa, o livro, a conferência. Grande parte das suas intervenções tem, precisamente, esses suportes, mas convém não esquecer que o controlo censório exercido pela ditadura salazarista sobre a expressão pública do pensamento não lhe permitiu certamente a transmissão das suas opiniões com toda a claridade.»

Faleceu a 25 de Novembro de 1958, a um mês de cumprir 66 anos de idade.

A escrita dominou toda a sua vida. A obra literária que produziu foi elogiada por alguns dos seus pares como José Rodrigues Miguéis, José Gomes Ferreira e João Gaspar Simões, embora nunca tenha tido grande aceitação por parte do público.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Irene_Lisboa





BIBLIOGRAFIA


Poesia

Um dia e outro dia… – Diário de uma mulher, (sob o pseudónimo de João Falco),1936, Seara Nova, Lisboa; reeditados em Poesia – I, 1991, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. I, prefácio e notas de Paula Morão.

Outono havias de vir latente triste, (sob o pseudónimo de João Falco),1937, Seara Nova, Lisboa, reeditados em Poesia - I, 1991, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. I, prefácio e notas de Paula Morão.

Folhas Volantes, (sob o pseudónimo de João Falco),1940, Seara Nova, Colecção À Pena nº 2.

Antologias
  • Folhas soltas da „Seara Nova"1929/1955 begin_of_the_skype_highlighting 1929/1955 end_of_the_skype_highlighting, Imprensa Nacional, Casa da Moeda,1986, Lisboa, prefácio e notas de Paula Morão.
  • Poesia – I,1991, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. I, prefácio e notas de Paula Morão, contém: Versos amargos, inéditos durante a vida de autora.

Prosa

Novelas
  • Começa uma Vida, (sob o pseudónimo de João Falco), Seara Nova, 1940, Lisboa; 2ªed.: 1993, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. III, prefácio de Paula Morão.
  • Voltar atrás para Quê?,s/d (1956), Livraria Bertrand; 2ªed: s/d, Editores Associados – col. Livros Unibolso, Lisboa; 3ªed.: 1994, Eitorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol.IV, prefácio e notas de Paula Morão.
  • Título Qualquer Serve para Novelas e Noveletas,1958, Portugália Editora, Lisboa; 2ªed.: 1998, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. IX, prefácio e notas de Paula Morão.
Literatura infantil (contos)
Diários
  • Solidão – Notas do Punho de uma Mulher, (sob o pseudónimo de João Falco), 1939, Seara Nova, Lisboa; 2ªed.: 1966, Portugália Editora; 3ªed.: 1973, Círculo de Leitores; 4ªed.: 1992, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. II, prefácio e notas de Paula Morão.
  • Apontamentos, 1943, ed. da autora; 2ª ed.: 1998, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol.VIII, prefácio e notas de Paula Morão.
  • Solidão - II, s/d (1966), Portugália Editora, Lisboa; 2ªed.: 1999, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol. X, prefácio e notas de Paula Morão.
Crónicas
  • Idem, (sob o pseudónimo de João Falco), 1940, ed. da autora, Lisboa.
  • Lisboa e quem cá Vive, (sob o pseudónimo de João Falco), 1940, Seara Nova, Colecção À Pena n°1-3.
  • Esta Cidade!, (crónica lisboeta), (sob o pseudónimo de João Falco), 1942, ed. da autora, Lisboa, 2ªed.: 1995, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol.V, prefácio e notas de Paula Morão.
  • O Pouco e o Muito – Crónica Urbana, s/d (1956), ed. da autora; 2ªed.:1997, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol.VII, prefácio e notas de Paula Morão.
  • Crónicas da Serra, s/d (1958), Livraria Bertrand, Lisboa; 2ªed.: 1997, Editorial Presença – Obras de Irene Lisboa, vol.VI, prefácio e notas de Paula Morão.

Obra pedagógica

  • Irene do Céu Vieira Lisboa, "Critica à actividade da «Maison dês Petits» anexa ao Instituto Jean- Jacques Rosseau", "Relatório sobre as escolas maternais do Paris", "Os ‘ Jardins d’Enfants’ de Bruxelas", "Bases para um programa de escola infantil", "O método Decroly ou dos centros de interesse", em Relatórios das viagens de estudo dos bolseiros, Lisboa, Junta de Educação Nacional, 1933; pp. 71 – 186.
  • Irene do Céu Vieira Lisboa (relatora), "A contribuição do desenho para o ensino elementar sobre o Império colonial Português", em A formação do espírito colonial na escola primária portuguesa – Tese oficial apresentada pelos Serviços de Orientação Pedagógica da Direccao Geral do Ensino Primário, Lisboa, Imprensa Nacional, 1934; pp. 19-22.
  • Irene do Céu Vieira Lisboa (Inspectora-orientadora), "Prelecção realizada aos professores do distrito escolar de Coimbra, em 25 de Janeiro de 1934, e repetida aos de Beja, em 1 de Fevereiro", em Prelectores inaugurais, Direcção Geral do ensino Primário, Serviços de Orientação Pedagógica, Lisboa, Imprensa Nacional, 1935; pp. 124-137.
  • Manuel Soares (pseudónimo de I.L), Froebel e Montessori/ O trabalho manual na escola (duas conferencias pedagógicas), Lisboa, Cadernos da Seara Nova – Estudos Pedagógicos, 1937.
  • Manuel Soares, O primeiro ensino, I e II, Lisboa, Cadernos da Seara Nova – Estudos Pedagógicos, 1938.
  • Manuel Soares, A iniciação do cálculo, Cadernos da Seara Nova – Estudos Pedagógicos, 1940.
  • Irene Lisboa, A psicologia do desenho infantil (Palestra), Lisboa, seara Nova, 1942.
  • Irene Lisboa, Modernas tendências da educação, ilustrações da Ilda Moreira, Lisboa, Edições Cosmos – Biblioteca Cosmos n.º 21, 1942.
  • Irene Lisboa, Educação (Palestra), Lisboa, Seara Nova, 1944.
  • Irene Lisboa, Inquérito ao livro em Portugal – I, Editores e livreiros, Lisboa, Seara Nova, 1944.
  • Irene Lisboa, Inquérito ao livro em Portugal – II, Editores e livreiros, Lisboa, Seara Nova, 1946.

LINK DO MUSEU IRENE LISBOA:
http://www.cm-arruda.pt/CustomPages/ShowPage.aspx?pageid=b4b4d706-55e0-4f31-9b24-1c4c5be52b41

1 comentário:

marialascas disse...

Poemas muito bonitos e eu nem conhecia.