"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, julho 25, 2005

Entrevista ao "Diário do Alentejo"


Transcrevo, com a devida vénia, a entrevista que concedi ao "Diário do Alentejo", publicada na edição nº1213, de 22 do corrente:

Alentejanos: Luís Filipe Maçarico, escritor e antropólogo
“Fui recebido na Tunísia como se lá tivesse nascido”

Nascido em Évora em Outubro de 1952, mas criado desde os dois anos pela avó paterna no popular Bairro de Alcântara, em Lisboa, o escritor e antropólogo Luís Filipe Maçarico é um dos fundadores e presidente da “Aldraba”, uma nova associação para a preservação e divulgação do património popular.

Luís Filipe Maçarico nasceu em Évora mas foi criado e educado pela avó paterna no bairro lisboeta de Alcântara, tendo construído a pulso o seu futuro, numa amálgama diversificada de experiências profissionais e académicas, desde servente de pedreiro a cantoneiro de limpeza até defender um mestrado universitário. Escritor e antropólogo é um viajante de longo curso, tendo no entanto como rota de eleição os países magrebinos e a Tunísia como a sua pátria afectiva, onde diz ter sido recebido "como se lá tivesse nascido".
Com que idade e porque motivo saiu do Alentejo?
-Nasci na Rua das Alcaçarias, freguesia de S. Mamede, em Évora, na noite de 29 de Outubro de 1952. Por ali vivi os meus primeiros meses de existência, tendo sido depois criado pela minha avó paterna num primeiro andar de Lisboa, onde ainda hoje moro.
Nos seus livros há um profundo apelo às sonoridades e ao enquadramento social e estético dos países do Magrebe. A que se deve essa "punção" criativa?
-Eu diria que é o sul das coisas essenciais de Eugénio de Andrade, como muito bem assinalou Fernando Palouro Neves, perpassando todos os meus versos e livros, dois dos quais foram publicados sobre e no Alentejo (O Sabor da Cal, Beja, 1997, e A Celebração da Terra, Évora, 1999). A Itália, a Beira-Baixa e Lisboa também estão presentes no conjunto dos meus 14 livros de poemas. E depois há inéditos que cantam a ternura e a aridez de Cabo Verde. A luz, a terra, a água, o vento... e um silêncio que me acompanha desde a infância, mais a sede do encontro, são alguns dos temas principais da minha poesia. É o sul da essência e da errância, o sul do afecto e da partilha que pulsa nessas palavras... A influência magrebina irrompeu somente em Os Pastores do Sol, que é um olhar sensível acerca da Tunísia, onde fui recebido como se lá tivesse nascido.
Sabemos que está envolvido num projecto que dá pelo nome bem alentejano, e com fortes reminiscências árabes, de "Aldraba". Quais os objectivos dessa nova associação e que iniciativas já foram realizadas?
-A "Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular" é um projecto novo, de carácter colectivo, onde não se pratica o culto a "gurus" ou notáveis, não havendo associados de mérito nem de cariz grupal.
As únicas equipas estimuladas são as do trabalho, para apoiar a direcção, na concretização das iniciativas do programa de acção proposto na sua Assembleia-Geral Constituinte.
Tendo começado com 80 associados, que decidiram fundá-la em 25 de Abril deste ano, portanto há apenas três meses, foi desde logo proposto e aceite que o número a atribuir a cada um desses associados dianteiros correspondesse ao da ordem alfabética e é de realçar que nenhum dos elementos da comissão promotora integra os primeiros sete associados.
Além deste aspecto formal, o que distingue a "Aldraba" de muitas instituições congéneres é que a prática da sua direcção e dos restantes órgãos sociais se baseia na vontade de ser útil à comunidade e não de ter um ascendente sobre os outros cidadãos pelo facto de pertencerem à associação.
Estatutariamente, a nossa associação "tem como objectivo ser um ponto de encontro e de comunicação para a preservação e divulgação do património popular nos espaços onde ele se encontra, através da pesquisa, recolha e tratamento das memórias, dos sítios, das pessoas, dos grupos e das colectividades".
Antes da sua constituição formal, a "Aldraba" tinha realizado ainda em 2004 dois encontros de convívio e reflexão do seu núcleo promotor, em Montemor-o-Novo e Viana do Alentejo, e organizado, já em 2005, num espaço municipal de Lisboa – o Museu República e Resistência – a exposição "Aldrabas e Cataventos", visitada por muitas dezenas de pessoas e que mereceu divulgação televisiva (TVI) e na imprensa.
No dia 2 do corrente, um sábado, foi realizado um encontro nos concelhos de Mourão e Moura, com visitas ao Museu da Luz e à albufeira do Alqueva, com 50 participantes, que percorreram de barco uma parte do maior lago artificial da Europa, entre a Estrela e a barragem, regressando de novo à Estrela, onde teve lugar uma confraternização com dos grupos corais (o da aldeia de Luz e o feminino Brisas do Guadiana).
A população da Estrela foi convidada a participar no evento, tendo as cerca de 100 pessoas ali reunidas, interagido numa rica partilha de experiências e sonhos.
Neste momento estão a ser estabelecidas parcerias com diversas autarquias e associações, como é o caso da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Vila (Montemor-o-Novo) e do Ateneu Comercial de Lisboa – no sentido de apresentarem a exposição "Aldrabas e Cataventos" – e da Junta de Freguesia de Aljustrel, a propósito do centenário do nascimento do poeta, notário e esperantista Adeodato Barreto, tendo sido formado para o efeito um grupo de trabalho que integra alguns associados e o conhecido sindicalista Kalidás Barreto, filho do notável cidadão a homenagear.
Entre outras iniciativas já agendadas para este ano, destaque para a edição de um primeiro caderno temático e uma exposição em Lisboa, no mês de Outubro e de novo no Museu República e Resistência, sobre o nosso associado Jorge Rua de Carvalho, com a produção de um documentário sobre esta popular figura "alfacinha", tendo como referência os pátios, as colectividades, as cegadas, o teatro amador, o fado operário e os pregões.
Pensa regressar em dia em definitivo ao Alentejo?
-Face à gritante falta de qualidade de vida que as cidades como Lisboa evidenciam, cada vez mais anseio um retorno às origens, essa "Pátria do Sonho", onde ainda há quem resista ao bloqueio da estupidificação e do individualismo, que contamina tudo e todos. Alentejo, terra amada!
BIOGRAFIA
Luís Filipe Maçarico nasceu em Évora no dia 29 de Outubro de 1952, mas desde a infância que vive em Lisboa no característico bairro de Alcântara.
Actualmente quadro técnico superior na Câmara Municipal de Lisboa, onde chegou a desempenhar as funções de cantoneiro de limpeza, possui o mestrado em Antropologia (Patrimónios e Identidades), tendo apresentado como tese: "Os processos de construção de um herói do imaginário popular: o caso do pugilista Santa Camarão".
É autor de uma extensa e diversificada obra literária, sobretudo ao nível da poesia, com destaque para Da Água e do Vento e Os Pastores do Sol.
Entre os vários cargos que já desempenhou no movimento associativo foi dirigente da Casa do Alentejo e da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio. É presidente da direcção da "Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular".
autor Manuel Geraldo texto Miguel Fernandes foto (no jornal)
Foto publicada aqui:Em casa de Mabrouk e Monia, com a poetisa estremocense Maria Conceição Baleizão, co-fundadora da Aldraba.
NOTA: A vermelho e bold, algumas gralhas corrigidas. No jornal saiu Castro Verde e médico...Posted by Picasa

7 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

obrigado pela leitura...e "resmungar" fica-te bem. é lutar é dizer não. é desvendar abrir outros caminhos. ou não?beijos.

Dinamene disse...

Querido Luís, alentejano, cidadão do mundo, cada vez me dás mais vontade de ir à Tunísia.
Ainda há coisas boas, pessoas boas, neste mundo cão: há pátrias afectivas, e essas temos de ser nós a construí-las. E tu lês e abres esses países, de geografias outras, o que aqui mais uma vez fica confirmado com os teus posts.
E vou-te fazer um link do Legendas com um poema teu de que gosto muito.
Abraço e viva o sol da solidariedade e da poesia.

augustoM disse...

Luís, cada vez fico mais ansioso por te conhecer pessoalmente. Vou descobrindo diversas afinidades entre nós, o que é muito engraçado.
Adoro pesquesiar, valorizar tudo que existiu no passado, a herança cultural que é a raiz da nossa identidade. A doro o deserto e o mar, a sua solidão enche-me a alma.
Um abraço. Augusto

isabel mendes ferreira disse...

um beijo. excelente. excelentérrimo.mimas-me. demais. amigo.

Roberto Iza Valdés disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Mónica disse...

és então o grã-aldrabão!

oasis dossonhos disse...

Suponho que essa foi para exibir que tem um grande sentido de humor...Terá?
Respondendo à sua provocação:
Eu prefiro as palavras associativista e antropólogo, que definem a minha postura na vida. Ou até se quiser, poeta.
Ao fim do dia, felizmente bem acompanhado, cansado das rotinas quotidianas ainda tenho algum tempo para sonhar...você sabe o que é ter sonhos, projectos? Já tentou realizar qualquer anseio?
Saberá o que é isso, Pipi das Meias Altas Sem Rosto?
Mas respondo-lhe:
O nome que utilizou terá de ser aplicado a falso amigo, a vendedor da banha de cobra, a alguns políticos irresponsáveis como a detentores de profissões, que não desempenham com o mínimo de categoria as tarefas respectivas. A oportunistas, a crápulas...
Costuma brindar a família e os amigos com mimos destes?
Aldrabão para mim é também a pessoa que usa pseudónimo para atacar sem dar a cara.
Eu gosto do património e em nome disso ocupo a vida, em voluntariado. Salvaguardando e chamando a atenção para tradições, identidades locais, rituais...
Obviamente dentro das minhas limitações, que não me julgo o maior e oiço os que me rodeiam, os que me aceitam,escutam e melhor que tudo isso, me estimam..
Você será amada? Olharão para si, terão palavras simpáticas para que o seu ego não se transforme num dirigível à deriva?...
Mas será que perceberá do que estou a falar ou terá pachorra para ler isto, aceitando que eu reaja à sua invasão?
É que também sei rir, mas desconfio da sua intenção de querer aparentar que só veio aqui para ter graça e encetar um relacionamento de "picanço". A sua entrada aqui não foi nada amistosa, direi mesmo desastrada...
Sou uma pessoa de afectos, reajo mal ao insulto.
Quando quiser, desde que venha por bem, será escutada e publicada.
Entendeu o recado?