"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Estrela da Tarde



Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


Poema de José Carlos Ary dos Santos

Fotografia de Luís Filipe Maçarico

3 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Sempre muito bom recordar Ary. Bem Haja por isso.
Um abraço e bom fim de semana

mariabesuga disse...

"a tarde, hoje, aqui


uma tarde em que a neblina ronda ao nível da abertura das janelas

uma tarde em que as pontas de sol precisam furar a neblina que ronda a abertura das janelas

uma tarde em que do lado de dentro sinto o calor das pontas de sol que conseguem rasgar o véu em que a neblina mantém prisioneiras as aberturas das janelas

(...)"

Jingã
Belmi

mariabesuga disse...

Tão importante sentir a tarde como lembrar as palavras do Ary. Grande... o Ary.
É o teu sentido do eterno. Sabes guardar os Homens grandes.

Tu!...

Jingã
Belmi