O aceitar fazer a apresentação dos Cadernos de Areia do Luís Filipe Maçarico foi, naturalmente, um risco, para mais pela responsabilidade que é fazê-lo integrado num evento da importância do Festival Islâmico de Mértola.
E é um risco porque, muito simplesmente, não conseguimos reduzir a sua escrita a um livro, a um quadro de letras, a um verso e escalpelizá-lo, seja ao nível da sintaxe, da semântica ou ainda da fonética ou da etimologia. Muito menos encaixá-lo em qualquer escola literária.
E o risco, claro está, assenta na incapacidade de ser capaz de ler e criticar objectivamente, dessa forma, estes Cadernos de Areia. E essa incapacidade advém, principalmente, da necessidade de às palavras associar a dimensão humana do escritor/antropólogo/investigador, como quiserem, de juntar a sua história de vida agrilhoada na centelha do seu percurso, de mesclar sua estatura humana e política que, de há muito, o leva a tomar posição. Simplesmente, tomar posição.
Impossível missão esta para um (a)crítico literário, que é a pele que estou neste momento a vestir.
Difícil tarefa para quem vê em ti, Luís Filipe Maçarico, um eterno e incansável ganhão que trata a palavra com as palmas das mãos vestidas de pasmo e alegria; vestido de uma imensa modéstia na eterna procura dos actores que fazem e fizeram a História e as estórias; da forma como levas os teus passos viajantes na procura da deferência pela memória, opção que te traz preso à interminável demanda do que está para além do tangível e que se chama Liberdade.
Talvez porque os nossos caminhos se entrecruzam a sul, com a sede de beber todo o sul que trazes no olhar, estas linhas que trago aqui hoje sejam mais claras se falarem de como consegues aqui, neste pequena edição de autor, multiplicar a serenidade da tua escrita na simplicidade do azul, do eterno azul do Mediterrâneo, mar cadinho do teu querer ser, de que este velho burgo, Mértola, é, também ele, palco. Onde se olha “o mar sem canseira”, como na ilha de Kerkennah, ou as “palavras apalpam as estrelas”, como o fizeste em Gafsa, ou “esperando que os peixes descansem na rede” de Ezzeddine e do seu filho, enquanto “o chá ferve na pequena cafeteira sobre as brasas”.
É isto que encontro neste teus Cadernos da Areia. Não apenas uma viagem que fizeste e fazes nas tuas intermináveis e compartidas viagens, por um país na confluência de dois mundos, como é a Tunísia.
Não apenas o reflexo da serenidade do teu olhar na altiva Le Kef, onde o branco adormece no que resta da tarde sobre as pedras calcárias da qashba. Nem as imagens da velha Tamzeret, onde escreveste deserto, palmeira, império da areia e invocaste a partida antes do último cantar do galo, como se traçasses com as tuas mãos o destino de todos os homens.
Nem os sabores de Gabes, onde comeste romãs no oásis do mar e adormeceste ao som do bater compassado dos remos dos pescadores a entrar no porto tranquilo.
Nem no espanto que nos trazes de Jerba, a ilha africana reinventada de maravilhosas histórias de corsários e cavaleiros loucos, onde o fascínio da neblina nos acorda da sede do mar, mesclado com o silêncio dos homens a fumar nas portas abertas do bazar.
O corpo da tua escrita cresce no respeito pelas raízes de um Sul que desesperadamente procura novos caminhos, novos destinos, que todos os dias reinventa o sonho “no deserto que sempre foi o lugar da tua infância”, como o afirmas no poema Longe. E é essa ternura que encontramos nele e nele procuramos.
Talvez porque a tua escrita, Luís Maçarico,
cinzelada nas tardes adocicadas dos anos,
tem sido para mim o aconchego duma chávena de chá, onde guardamos o breve aroma da efémera flor do destino, como o dizes nesse fim de viagem que é o poema “Um chá de estrelas”,
não consigo ir muito mais além do que reinventar a tua escrita nas ruelas de cal e azul ocre que são as cores do oásis que alimenta cada deserto.
Ofereces-nos essa imagem na Gafsa das 100 000 palmeiras onde as portas abertas e os calcários vermelhos reinventam o espaço da eternidade que também encontramos na Ilha de Kerkennah, onde os homens olham o mar sem canseiras.
És tu nestes Cadernos de Areia e é por isso que, apesar de tudo, não sinto a ingratidão de não saber transpirar a escrita, como dizia o Pedro Ferro, que tu merecias e que a apresentação desta segunda edição bem merecia.
Releio-te e descubro-te todos os dias no teu blogue Águas do Sul. E, asseguro-te: fascina-me olhar a simplicidade da tua força. O suave da tua voz e o teu brinde pelo direito à indignação, como o fizeste na Alameda, no 1º de Maio deste ano. Os teus constantes fotogramas documentando o teu percurso no que resta do dia antes de hibernares para a manhã de amanhã, que tanto pode ser por uma sala de teatro como por uma noite de poesia ou um colóquio sobre aldrabas.
Fascina-me, Luís Maçarico o sereno da tua forma de dizer revolta e a forma como o fazes escrevendo.
E é nessa tua escrita, que não é apenas a tua obra de poesia, ou os teus trabalhos de investigação, ou as tarefas profissionais que te esgotam na incompetência e na incapacidade de compreender a simplicidade do ser humano com que te afogam muitos burocratas e carreiristas, que constantemente me encontro. E é nessa amálgama de sentidos que enquadro estes Cadernos de Areia.
Tão bem vestido no táctil papel de arroz que respira odores de outras viagens e especiarias.
E é nestes Cadernos de Areia que reencontro o “Branco infinito onde o azul dos olhos da manhã nos abre o pátio mais escondido”.
E esse pátio é a certeza que o teu trabalho é muito mais do que qualquer escola literária, norma gramatical ou exercício de fonologia. É o “poema futuro, luminosa oliveira, manhã desejada!”
E é um risco porque, muito simplesmente, não conseguimos reduzir a sua escrita a um livro, a um quadro de letras, a um verso e escalpelizá-lo, seja ao nível da sintaxe, da semântica ou ainda da fonética ou da etimologia. Muito menos encaixá-lo em qualquer escola literária.
E o risco, claro está, assenta na incapacidade de ser capaz de ler e criticar objectivamente, dessa forma, estes Cadernos de Areia. E essa incapacidade advém, principalmente, da necessidade de às palavras associar a dimensão humana do escritor/antropólogo/investigador, como quiserem, de juntar a sua história de vida agrilhoada na centelha do seu percurso, de mesclar sua estatura humana e política que, de há muito, o leva a tomar posição. Simplesmente, tomar posição.
Impossível missão esta para um (a)crítico literário, que é a pele que estou neste momento a vestir.
Difícil tarefa para quem vê em ti, Luís Filipe Maçarico, um eterno e incansável ganhão que trata a palavra com as palmas das mãos vestidas de pasmo e alegria; vestido de uma imensa modéstia na eterna procura dos actores que fazem e fizeram a História e as estórias; da forma como levas os teus passos viajantes na procura da deferência pela memória, opção que te traz preso à interminável demanda do que está para além do tangível e que se chama Liberdade.
Talvez porque os nossos caminhos se entrecruzam a sul, com a sede de beber todo o sul que trazes no olhar, estas linhas que trago aqui hoje sejam mais claras se falarem de como consegues aqui, neste pequena edição de autor, multiplicar a serenidade da tua escrita na simplicidade do azul, do eterno azul do Mediterrâneo, mar cadinho do teu querer ser, de que este velho burgo, Mértola, é, também ele, palco. Onde se olha “o mar sem canseira”, como na ilha de Kerkennah, ou as “palavras apalpam as estrelas”, como o fizeste em Gafsa, ou “esperando que os peixes descansem na rede” de Ezzeddine e do seu filho, enquanto “o chá ferve na pequena cafeteira sobre as brasas”.
É isto que encontro neste teus Cadernos da Areia. Não apenas uma viagem que fizeste e fazes nas tuas intermináveis e compartidas viagens, por um país na confluência de dois mundos, como é a Tunísia.
Não apenas o reflexo da serenidade do teu olhar na altiva Le Kef, onde o branco adormece no que resta da tarde sobre as pedras calcárias da qashba. Nem as imagens da velha Tamzeret, onde escreveste deserto, palmeira, império da areia e invocaste a partida antes do último cantar do galo, como se traçasses com as tuas mãos o destino de todos os homens.
Nem os sabores de Gabes, onde comeste romãs no oásis do mar e adormeceste ao som do bater compassado dos remos dos pescadores a entrar no porto tranquilo.
Nem no espanto que nos trazes de Jerba, a ilha africana reinventada de maravilhosas histórias de corsários e cavaleiros loucos, onde o fascínio da neblina nos acorda da sede do mar, mesclado com o silêncio dos homens a fumar nas portas abertas do bazar.
O corpo da tua escrita cresce no respeito pelas raízes de um Sul que desesperadamente procura novos caminhos, novos destinos, que todos os dias reinventa o sonho “no deserto que sempre foi o lugar da tua infância”, como o afirmas no poema Longe. E é essa ternura que encontramos nele e nele procuramos.
Talvez porque a tua escrita, Luís Maçarico,
cinzelada nas tardes adocicadas dos anos,
tem sido para mim o aconchego duma chávena de chá, onde guardamos o breve aroma da efémera flor do destino, como o dizes nesse fim de viagem que é o poema “Um chá de estrelas”,
não consigo ir muito mais além do que reinventar a tua escrita nas ruelas de cal e azul ocre que são as cores do oásis que alimenta cada deserto.
Ofereces-nos essa imagem na Gafsa das 100 000 palmeiras onde as portas abertas e os calcários vermelhos reinventam o espaço da eternidade que também encontramos na Ilha de Kerkennah, onde os homens olham o mar sem canseiras.
És tu nestes Cadernos de Areia e é por isso que, apesar de tudo, não sinto a ingratidão de não saber transpirar a escrita, como dizia o Pedro Ferro, que tu merecias e que a apresentação desta segunda edição bem merecia.
Releio-te e descubro-te todos os dias no teu blogue Águas do Sul. E, asseguro-te: fascina-me olhar a simplicidade da tua força. O suave da tua voz e o teu brinde pelo direito à indignação, como o fizeste na Alameda, no 1º de Maio deste ano. Os teus constantes fotogramas documentando o teu percurso no que resta do dia antes de hibernares para a manhã de amanhã, que tanto pode ser por uma sala de teatro como por uma noite de poesia ou um colóquio sobre aldrabas.
Fascina-me, Luís Maçarico o sereno da tua forma de dizer revolta e a forma como o fazes escrevendo.
E é nessa tua escrita, que não é apenas a tua obra de poesia, ou os teus trabalhos de investigação, ou as tarefas profissionais que te esgotam na incompetência e na incapacidade de compreender a simplicidade do ser humano com que te afogam muitos burocratas e carreiristas, que constantemente me encontro. E é nessa amálgama de sentidos que enquadro estes Cadernos de Areia.
Tão bem vestido no táctil papel de arroz que respira odores de outras viagens e especiarias.
E é nestes Cadernos de Areia que reencontro o “Branco infinito onde o azul dos olhos da manhã nos abre o pátio mais escondido”.
E esse pátio é a certeza que o teu trabalho é muito mais do que qualquer escola literária, norma gramatical ou exercício de fonologia. É o “poema futuro, luminosa oliveira, manhã desejada!”
MIGUEL REGO (Texto)
ANTÓNIO BAETA (Fotografias, com uma retirada - com a devida vénia e agradecimento - do seu blogue: http://blogal.blogspot.com/ )
NOTA:Miguel Rego é o amigo de camisa aos quadrados, que tem um rolo com duas folhas de papel com este texto na sua mão direita. Nessa imagem (a primeira) estou ladeado pelo cantor e amigo Eduardo Ramos e pelo vereador da cultura da CMM, João Miguel Serrão Martins.
NOTA:Miguel Rego é o amigo de camisa aos quadrados, que tem um rolo com duas folhas de papel com este texto na sua mão direita. Nessa imagem (a primeira) estou ladeado pelo cantor e amigo Eduardo Ramos e pelo vereador da cultura da CMM, João Miguel Serrão Martins.
3 comentários:
Parabens mais uma vez, e não me cansarei de dizer parabens para ti amigo Luis por esta 2ª edição de "Cadernos de areia" e desta vez com apresentação no V Festival Islâmico de Mértola 2009.
Deixo também meu grande elogio ao belissimo texto de Miguel Rego, palavras da alma para um homem com alma.
Agradecida, envio aquele abraço da amiga certa.
Rosa Dias
Luís
Essa que me pedes não tenho, mas tenho ainda uma outra tua, a declamar, e outra ainda com o Miguel, o Eduardo e o vereador, de que não me lembro o nome.
Preciso do teu email, que não tenho nem encontro no teu blog.
Aguardo
Abraço
Admirável, exacto, belo, o texto de Miguel Rego. Que bom saber da segunda edição desse mágico livro apresentado felizmente em Mértola, esse local por onde luta e partilha amor aos seus saberes o "nosso" Luís. Saudades dessa sua humildade saborosa e intuição sabedora e acertada.
Que bom encontrar a Rosa, e o cantinho dela. Assim ficamos por aqui, mãe e rapaz, com os serões e leituras com "aquele toque de doce sul".
Parabéns, recebam um beijinho e um abraço.
Ana Duro e Dinis
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