"Um Barco atracado ao cais é sempre um sonho preso"

segunda-feira, novembro 03, 2014

Douro: A Viagem é um Texto.

Sobre o Douro há sempre uma palavra de espanto por dizer, por muito que se escreva acerca da desmedida beleza deste território.
Hoje, saí de Fontes, em Santa Marta de Penaguião, com um arco íris maravilhoso, a caminho de Juncal, Marco de Canavezes, e fui surpreendido ao longo da jornada, pelos flocos nublosos, suspensos, rente aos socalcos.
Novembro começou há pouco.
Nuvens escuras ameaçam produzir chuviscos.
Aqueles quarenta e cinco quilómetros, que distam da Régua, foram sorvidos, curva após curva, pelo olhar, como se o sangue bebesse a terra lentamente, as vinhas fulgindo, os cumes cintilando, as aldeolas salpicando a paisagem, coroada pelo rio, os véus de nevoeiro entrelaçando-se, e lá em baixo aquele novelo sinuoso de prata, derramando-se entre margens, com alturas abismais.
Cada miradouro é um romance de visões felizes, que a Natureza e o Homem escreveram em conjunto, por vezes em comunhão, outras em torvelinho.
Frende é um desses locais.
Ali termina o distrito de Vila Real. 
A serra das Meadas, do outro lado, envolta em nuvens, que deambulam sobre casarios, deixa antever as hélices das eólicas, quais asas de pássaros aprisionados no ventre das serras.
Sei de um Mestre Serralheiro de Mesão Frio, que guarda um tesouro na sua oficina, onde nascem portões para as quintas e residências dos abastados.
Que néctar precioso me deu a conhecer!
Ao prová-lo, senti os sóis e o orvalho, tatuados nas pegadas dos trabalhadores vinhateiros, gente tisnada, imortalizada na literatura, carregando os cachos, pisando as uvas, podando as vides, transportando o peso de gerações, calcurreando veredas, para o ouro desta geografia brilhar dentro dos cálices e andar nas bocas do Mundo.
O território do Douro é ele mesmo um Mundo!
Ali, em Frende, sabemos que percorrendo aquela estrofe entornada, o Mar é o limite.
Mas é aqui que escritores e povo procuram a luz mágica que se reflecte na estrada das águas, que o céu entardecido persegue.
Onde as casas são ainda de pedra e os homens conservam patrimónios familiares, gotas de cristal aveludado, fruídas entre descobertas e partilhas.
Conheço paredes de xisto, poisos de sonho, templos de deuses pagãos cristianizados, que contemplam a Terra, cercando-nos de silêncio e brandura, nas tardes de Outono, com castanheiros e videiras cor de cobre.
O petisco e o vinho unem os homens, de vozes enluaradas.
Voltamos de noite, regressando à Régua.
Os luzeiros dos lugares  rasgam o espelho da água como archotes, ou estrelas caídas, com a leveza de plumas.
Transmitem paz.
E a viagem é um texto que inspira novos voos, sobre a pele do rio...

Luís Filipe Maçarico (texto e fotografias)

6 comentários:

A.Brandão Guedes disse...

bonito texto...

Mar Arável disse...

mar.aravel@netcabo.pt

mararavel.blogspot.com

opuma.blogspot.com

Abraço amigo

Mar Arável disse...

mar.aravel@netcabo.pt

mararavel.blogspot.com

opuma.blogspot.com

Abraço amigo

Elvira Carvalho disse...

As fotos são fantásticas. O Douro é dos sítios mais lindos de tudo o que já vi.
Sitio ideal para um poeta se inspirar.
Um abraço e resto de boa semana

Isamar disse...

Texto e fotos em sintonia perfeita! Que maravilha! Bem-haja!

Marco Valente disse...

Douro….
Palavra que a mim me traz recordações.
De tempos que ficaram para sempre gravados na minha memória.
Os cheiros (da madeira e da lareira a crepitar, a terra molhada quando acaba de chover e viajamos de pé numa carrinha de caixa aberta sentindo o vento que bate no nosso rosto trazendo todos estes odores).
A linha do Douro. Linda. Todo aquele desfilar de cores que se transfiguram com o passar das estações do ano. As gentes. Os sorrisos límpidos e sinceros. A vendedora que apregoa os rebuçados da Régua.
Esse imenso mar verde, de Natureza, que nos aconchega a alma e nos faz sentir o doce aroma à Liberdade.
Os socalcos das vinhas, monumento ao engenho humano que rasgou assim no ventre das montanhas meios de subsistência ancestral.
Em cada porta, em cada casa, um amigo que nos recebe afectuosamente, e não é necessário muito para o encontrar. Essa boa alma desconhecida que anseia também por partilhar desse mesmo Amor que a levou a ficar, viver e lutar.
Bem haja Amigo Luís, por trazeres à Memória o prazer da companhia de gentes e lugares, fruídos em campanhas arqueológicas sucessivas, por terras desse mesmo Norte Amado.
Gostei especialmente desta passagem:
“Conheço paredes de xisto, poisos de sonho, templos de deuses pagãos cristianizados, que contemplam a Terra, cercando-nos de silêncio e brandura, nas tardes de Outono, com castanheiros e videiras cor de cobre.”
Abraço fraterno e por favor, vai partilhando sempre connosco estes voos nesta linguagem poética, humana, sentida, como só tú o sabes fazer. Bem haja Amigo.